A maioria das vezes que o telefone tocava nos primeiros anos da Charles River Capital era para saber onde estava o “senhor Charles”. Sem constrangimento, Camilo Marcantonio explicava que o fundador da gestora carioca, sediada no Leblon, era ele.

Passados 11 anos, a homenagem feita ao rio que fica ao lado da Universidade Harvard, onde concluiu seu MBA, deixou de ser uma questão. O cartão de visita são os resultados consistentes que a casa tem entregado nesse período.

“Tenho orgulho da consistência da entrega ao longo do tempo. É a nossa maneira de investir, com um value investing bem rigoroso”, diz Marcantonio, que não usa estratégias de curtíssimo prazo como day trade.

O Charles River FIA tem uma trajetória bastante diferenciada para um fundo de ações. O retorno de novembro de 2011 a abril de 2023 é de 828,6% ante 76,4% do Ibovespa no mesmo período. Nos últimos três anos, a rentabilidade foi de 105,6% contra 29,7% do principal benchmark da bolsa brasileira. E em 12 meses a diferença de performance é de 14,2% a -3,2%.

Levantamento realizado pelo especialista Samuel Ponsoni com cerca de 390 fundos de ações long only mostra o Charles River como o mais rentável em 24 meses, com 28,89%, e o quinto que mais entregou retorno para o investidor (162,1%), em 60 meses.

"Se sorteássemos qualquer investidor do Charles River que ficou qualquer período de cinco anos investido, que é o prazo mínimo adequado para fundos de ações, em 100% dos casos o investidor sorteado teria batido o índice da Bolsa. Essa consistência é valiosa", afirma Bruno Mérola, analista de fundos da Empiricus Research.

O modo de investir da Charles River se enquadra no jeito de ser de seu fundador. Formado em engenharia eletrônica com MBA em finanças por Harvard, Marcantonio é um gestor que acredita em sistemas e processos. Desenvolveu um modelo que equilibra o risco do investimento com a margem de segurança do retorno. Tudo precisa ter um rigoroso controle, seja para entrar ou sair da carteira. E as teses não mudam por uma turbulência momentânea.

Um exemplo é o Bradesco, que está na carteira da gestora. Embora o banco tenha apresentado resultados abaixo do esperado tanto em 2022 como no primeiro trimestre deste ano, a Charles River encontrou assimetrias na ação.

“O preço está abaixo do valor justo. O resultado foi ruim, o mercado overreact e mexe no preço. Mas um ano ruim de Bradesco não tira o valor do banco”, diz Marcantonio, que também tem Banrisul e Banco ABC no portfólio.

O gestor vê duas vantagens primordiais em cumprir esse ritual sistemático: mitigar os vieses comportamentais de euforia ou pânico e enriquecer os dados com a melhoria contínua do tempo e do conhecimento.

“Demoramos três, seis meses ou até um ano para ter um ativo no portfólio. Mas o tamanho dele na carteira depende da margem de segurança e da avaliação de risco”, diz o fundador da Charles River.

A gestora não roda com 100% do capital alocado em ativos. O balanço é entre 75% e 90% em ações e o restante é caixa. Quanto maior o risco, menor é a margem de segurança, com isso a alocação diminui. Neste momento, a Charles River enxerga boas oportunidades e está perto de 90% do dinheiro distribuído em ações.

O capacity do Charles River FIA

Marcantonio pode ser considerado um outsider no universo da gestão de investimentos. Ele escapou da trajetória comum de entrar em um banco de investimento ou ser trainee de gestoras de renome antes de criar o próprio negócio. Durante oito anos ele trabalhou para a consultoria Bain & Company.

Essa experiência de conhecer uma empresa por dentro permitiu a ele ter uma visão de negócio, pensar na estratégia, nas dificuldades e desafios. A cabeça de Marcantonio funciona com a lógica inversa do mundo financeiro, que olha o balanço pelo lado esquerdo, do passivo e obrigados, enquanto ele lê pelo direito, dos ativos e como se financia.

Dessa forma, ele descarta teses que não aceitam uma ação por longuíssimo tempo na carteira. Para muitos do mercado isso é um value trap, ou seja, uma ação que parecia barata, descontada, mas que não entregou a performance que se esperava dela.

A empresa mais longeva no portfólio da Charles River é a BrasilAgro, que vai completar 10 anos. O retorno dessa estratégia gira em torno de 600%. Ao longo desse período, porém, foram feitos ajustes na posição, ora vendendo quando o modelo da gestora indicava que o risco aumentava e a margem de segurança caía, ora comprando quando essa balança voltava a se equilibrar.

“O value trap facilita a minha vida. Se o mercado não reconhece, é mais fácil para mim. A Tupy, uma posição que temos há nove anos, por exemplo, é eternamente barata. É valuation de longuíssimo prazo, mas isso não significa que não ajustem não sejam necessários”, afirma Marcantonio.

Com R$ 275 milhões de patrimônio líquido no fundo de ações (a gestora detém R$ 1,5 bilhão sob gestão com fundos exclusivos), a Charles River Capital tem uma equipe de 28 pessoas - a maioria de analistas formados em casa. O FIA está tem aplicação mínima inicial de R$ 5 mil, taxa de administração de 2% ao ano e prazo de resgate D+30. Está disponível nas plataformas do BTG Pactual, Warren, Inter, C6 Bank, entre outros.

Cumprir a estratégia com esse tamanho tem sido muitíssimo confortável, mas existe um teto para isso. O capacity do fundo é de R$ 1 bilhão, pela liquidez do mercado brasileiro e pela viabilidade de continuar entregando a mesma performance.

"A gestora ainda tem um patrimônio líquido pequeno para entrar na nossa avaliação, pois nossos institucionais não investem com menos de R$ 500 milhões de PL. Mas se eles chegarem a R$ 1 bi de capacity com a mesma performance vai ser difícil não avaliar", diz um distribuidor, que pediu para não ser identificado.

No primeiro fim de semana de maio, os nonagenários Warren Buffett e Charles Munger comandaram a conferência da Berkshire Hathaway com disposição e leveza.

“Eles têm uma competência espetacular e parecem que gostam muito do que fazem. Não passam a impressão de estarem presos ali. Eu me vejo fazendo o mesmo por décadas à frente”, diz Marcantonio.

A Charles River faz pouco marketing do seu resultado, algo que parece ter nascido com a gestora. A ideia de abrir a asset começou em Cambridge, nas caminhadas próximas ao rio. Foi dali de Harvard, sem nenhum viés marketeiro e apenas com a memória afetiva de um bom momento da vida de Marcantonio. Mas, nesse caso específico, é sempre bom lembrar: o "Charles" é o Marcantonio.