Austin - A economia americana e o universo das startups respiraram aliviados na noite de domingo, 12 de março, quando o governo americano decidiu garantir a confiança no sistema bancário dos Estados Unidos e evitar o contágio da quebra do Silicon Valley Bank (SVB).
Logo que o documento assinado por Janet Yellen, secretária do Tesouro Nacional, Jerome Powell, do Federal Reserve, e Martin Gruenberg, do Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), veio a público, o NeoFeed recebeu a seguinte mensagem de alívio do sócio de um dos maiores fundos de venture capital do Brasil.
“O Biden colocou a mão no bolso. FDIC, Fed e governo decidiram honrar todos os depósitos. As bolsas voam amanhã (segunda-feira)”, escreveu ele, em mensagem de texto. Em um grupo de empreendedores no WhatsApp, a emojicon mais recorrente era o de bênção, em um sinal de alívio.
Para manter a saúde do sistema bancário, o governo decidiu liquidar também o Signature Bank, uma instituição baseada em Nova York especializada em criptomoedas.
Desde a sexta-feira, 10 de março, o mercado americano estava de joelhos à espera de uma solução para o caso SVB, considerado o banco da startups, fundado há 40 anos em Santa Clara, na Califórnia, e com US$ 170 bilhões em depósitos.
Ao longo dessas 48 horas muita tensão vinha se acumulando. Com a resistência das autoridades de “salvar” o banco das startups, fundos abutres começaram a pesquisar quais eram os próximos a apresentar problemas. Encontraram 15 instituições menores e começaram a montar uma estratégia de venda de ações. O resultado poderia ser uma quebra sistêmica.
Esse medo de um colapso do sistema financeiro nacional fez Mark Cuban, um dos mais importantes investidores do país, se posicionar em meio a uma apresentação sobre empreendedorismo no SXSW, o acrônimo do South by Southwest, o festival de inovação que reúne cultura e tecnologia e centenas de startups.
“Há questões que, honestamente, você sabe que são um elefante na sala. Neste fim de semana, é o Silicon Valley Bank”, disse o dono do time de basquete Dallas Mavericks e um dos protagonistas do Shark Tank americano no domingo pela manhã. “E as consequências dependem, justamente, de como o governo irá responder. É um banco de US$ 200 bilhões. E se não houver alguma ajuda?”
Cuban completou seu pensamento sobre o possível colapso: todos os empresários ao redor dos Estados Unidos podem estar se perguntando se estão associados a um bom banco. “O governo federal tem de dizer que todos os depósitos estão salvos”, afirmou.
A posição de Cuban, naquele momento, era o oposto do que pensava o governo americano. Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, afirmava que o governo não iria resgatar o SVB.
Para Bill Ackman, CEO da Pershing Square Capital Management, sem as garantias do FDIC todo o sistema financeiro seria afetado e a segunda-feira poderia ser marcada por uma corrida de clientes às suas instituições.
O FDIC, uma espécie de Fundo Garantidor de Créditos (FGC) do Brasil, tem US$ 124,5 bilhões em seu balanço e uma linha de crédito de US$ 100 bilhões ante um sistema bancário de mais de US$ 22 trilhões. Sozinho, sem a ajuda do governo, a cobertura seria de apenas 1,26% dos depósitos.
Revivendo o passado
A história do SVB resgatou na memória do setor financeiro o perigo de um contágio sistêmico. E como instituições aparentemente sólidas se transformam num castelo de areia do dia para a noite.
Em 2008, o banco de investimento Lehman Brothers sucumbiu após não ser resgatado pelo governo. Essa decisão é vista, aos olhos da história, como um erro. E embora o SVB seja muito menor do que o Lehman, a catástrofe no setor de tecnologia americano e do mundo poderia ser enorme.
O temor era tamanho que alguns empreendedores repetiram para o NeoFeed que a possibilidade era enorme de muitas sucumbirem ao longo da semana por não terem recursos para honrar pagamentos a fornecedores e funcionários.
"Foi uma boa decisão, pois um Lehman Brothers 2 seria péssimo", disse um investidor. Outra fonte do mundo das startups completou: “Em parte aprenderam com o Lehman Brothers, mas aqui o efeito colateral direto seria maior para a indústria tech. E o custo é mínimo porque o banco tem ativos".
Desde o início dos bloqueios de acesso às contas do SVB, os especialistas têm buscado manter distância da crise de 2008. De acordo com o balanço do SVB do terceiro trimestre de 2022, dos US$ 177 bilhões em depósitos, as três maiores participações eram de startups de tecnologia em estágio inicial (29%), empresas de tecnologia (20%) e empresas estrangeiras (18%).
O SVB era o 16º maior banco americano e pelo menos 50% das startups dos EUA que receberam aportes em 2022 são seus clientes. Mais: 70% dos fundos de venture capital também usam os serviços da instituição. Na América Latina, tinha quase 1 mil clientes.
Era raro encontrar uma startup latino-americana que tivesse recebido um aporte de um fundo de venture capital internacional que não dinheiro no SVB.
“O SVB é muito diferente do Lehman Brothers”, escreveu Eduardo Lopes, CIO da Itaú Asset Management no LinkedIn. “No caso Lehman, o banco de investimentos tinha muitos contratos de derivativos de balcão, não registrados em bolsa, com diversas contrapartes, como bancos, fundos de investimentos, hedge funds ocasionando um risco sistêmico enorme. Não é o caso do SVB.”
Uma executiva do Cambridge Trust Bank, em condição de anonimato, contou ao NeoFeed que as agências ficaram abertas durante todo o fim de semana para atender clientes do SVB.
“Eles tinham praticamente um monopólio com todas as startups do país. Muitos clientes não têm dinheiro para pagar a folha de pagamento. Não sabemos se só vão liberar US$ 250 mil, mas temos de deixar as contas abertas. Está um estresse”, contou ela antes da decisão das autoridades.
Cinco dias antes do colapso, o SVB comemorou nas suas redes sociais a quinta aparição consecutiva no ranking America’s Best Bank da revista Forbes. No domingo 12, a conta do banco no Twitter foi apagada.
Enquanto o histórico da instituição desaparecia, os reguladores do sistema financeiro americano passaram o domingo reunidos para encontrar uma solução para o SVB. A ideia inicial era que um comprador se interessasse pelo ativo.
Todos os acessos dos clientes do SVB foram bloqueados na sexta-feira. Se havia a expectativa de que os pedidos de saque ou transferência que foram feitos até o dia 10 fossem honrados, agora a espera é pela data dos pagamentos.
A plataforma de stablecoin Circle, o streaming de tevê Roku, a plataforma de jogos Roblox e a empresa de criptoativos BlockFi reportaram que têm exposição de US$ 3,3 bilhões, US$ 487 milhões, US$ 227 milhões e US$ 150 milhões, respectivamente.
“Metade das empresas americanas que levantaram capital com fundos de venture capital em 2022 utilizava o SVB como banco. Para o mercado da América Latina, o SVB foi por muito tempo o jeito mais fácil de se bancarizar nos Estados Unidos”, escreveu em post no LinkedIn Lucas Abreu, do venture capital Astella.
Ainda não se sabe ao certo qual é a exposição de startups brasileiras ao SVB, mas fala-se que 90% do dinheiro offshore dessas empresas estavam depositados na instituição. Uma fonte que atuou ao lado de startups para transferir dinheiro disse ao NeoFeed que muitos de seus clientes não conseguiram resgatar os recursos. Questionado sobre o valor disse que "eram dezenas de milhões de dólares."
O dia depois de amanhã
A grande questão, agora com o resgate do governo americano, é como se comportará os correntistas nesta segunda-feira. Haverá uma nova corrida de saques para garantir os recursos.
No auge da crise, na quinta-feira, 9 de março, quando o pânico se instalou na comunidade de startups brasileira e todo mundo foi orientado pelos fundos de venture capital a sacar os recursos do SVB, uma empreendedor, que não tinha outra conta corrente nos EUA, foi autorizado a sacar os recursos e levá-los para sua conta pessoa física por investidores.
“Acredito que as startups muito provavelmente vão sair com boa parte do dinheiro, se não todo. Entendo que é bem provável uma recuperação de 90% ou até 100% do dinheiro”, diz o executivo de uma fintech que tem ajudado nesse processo.
Nesta segunda-feira, 13 de março, a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap) tinha uma missão no Vale do Silício: levar startups brasileiras para uma visita à sede do SVB na Califórnia. Essa seria a fase inicial de uma agenda que seguiria nos dias seguintes em Monterrey, com o início no dia 15 do maior evento de Corporate Venture Capital (CVC) do mundo.
No começo da madrugada, Genevieve Roch-Decter, CEO da GRIT, uma assessoria americana de investimentos, escreveu que o episódio do SVB abala um dos mais importantes motores da economia americana: as startups.
"Quando a mentalidade de rebanho é dominada pelo medo, muitos indivíduos e empresas vitais para a inovação tecnológica são exterminados."