Fazer o bem é uma missão constante na vida de Elie Horn. Do apoio a centenas de projetos sociais ao compromisso de doar 60% de seu patrimônio em vida, atualmente na casa dos R$ 3 bilhões, de acordo com a revista Forbes, “seu Elie”, como é referenciado, vem se dedicando à filantropia e a convencer os outros a se juntarem a ele.

E, para inspirar as pessoas a seguirem o mesmo caminho, seu Elie decidiu fazer algo que vai ao encontro de sua personalidade mais tímida, lançando uma biografia. Chamado de “Tijolos do Bem”, o livro da editora e livraria Sêfer conta a história do empresário e da Cyrela, mas dedica boa parte das 192 páginas sobre fazer o bem e reflexões dele sobre o tema.

“Espero [com o livro] que o bem se transmita, que haja mais bem no Brasil e no mundo, que as pessoas sejam menos egoístas, em geral, e passem a fazer o bem, cada um à sua maneira”, afirmou seu Elie ao NeoFeed e a um pequeno grupo de jornalistas, em sua casa, em São Paulo. “Temos que convencer as pessoas a fazerem o bem por convicção própria.”

A ideia do livro surgiu há cerca de quatro anos e meio, quando seu Elie foi abordado por Sarita Mucinic Saure, escritora e coordenadora educacional do Memorial do Holocausto em São Paulo, depois da participação do empresário no programa Roda Viva, da TV Cultura.

Segundo ela, que assumiu o trabalho de ajudar seu Elie a escrever o livro, o que chamou a atenção na entrevista foi ele apenas falar sobre fazer o bem, e se esquivar de falar de negócios. Foi por esse caminho que ela conseguiu convencer o tímido empresário a topar lançar a biografia, que terá o dinheiro da venda destinado a projetos sociais.

Embora seu Elie tenha focado o livro no tema da filantropia, ele também abriu espaço para falar sobre sua trajetória. Do nascimento em Alepo, na Síria, em julho de 1944, passando pelos desafios financeiros que sua família enfrentou até a chegada ao Brasil, em 1955.

Também traz as primeiras experiências no mundo do trabalho, quando vendeu goma laca e soda cáustica e passou a atuar em tecelagem, a formação em Direito, que nunca exerceu, chegando à Cyrela, construtora que ele assumiu em 1976, depois da saída dos irmãos da empresa, que se chamava Cyrel, e que é atualmente um dos principais nomes do setor, avaliada em mais de R$ 7 bilhões.

Seu Elie confessou que, depois do livro ficar pronto, ficou com medo e “vergonha”, temendo que esse empreendimento não fosse “dar certo”. “Nunca fiz isso na minha vida, é a primeira vez. Para mim, é um ato de coragem e me gerou vergonha de poder ter um livro sem sucesso, sem conteúdo, de autopromoção”, afirmou.

Demorou quase um ano e meio até que se convencesse pela publicação. “Repensei e decidi que precisava fazer, tem que ir até o fim, não tem sentido algum ter vergonha a essa altura”, disse, confessando que tem ideias para outros livros.

No petit comité com os jornalistas, além do livro, seu Elie falou sobre fazer o bem, o estado da filantropia no País e também se propôs a conversar sobre economia, o mercado de construção (com direito a um mea culpa a respeito do plano frustrado de expansão da Cyrela) e seu otimismo com o futuro.

Acompanhe, a seguir, os principais pontos da conversa:

O QUE É O BEM
Bem é a essência da vida. Não tem nada que valha a pena fazer se não for para o bem. E o que é o bem? É tudo que dá significado à vida. Estamos a troco de quê nessa Terra, fazendo o quê? Qual a nossa missão? Qual o fim? Por que eu vivo? Por que eu existo? Tudo isso te leva a achar as causas primeiras e a missão, o significado, que é o bem. Tudo o que você faz é o bem. Dar um beijo é o bem, dar um abraço é o bem, sorrir é o bem, ajudar um pobre é o bem, ajudar o hospital é o bem. Tudo é o bem. É em função do bem que decidi escrever esse livro e dar alguns exemplos que nós fizemos em termos de [fazer o] bem.

NOVO THINK TANK 
Temos uma nova ONG que conta com 20 executivos, executivos aposentados ou fundadores e vamos falar do bem em termos de ideias. Essa ONG não tem dinheiro envolvido, é para falar do bem em termos de ideias. Se a ideia for aceita no grupo, vamos dar ela para a mídia e para o governo. Caso [governo] não queira, joga fora, caso queira, use, é de graça. É um think tank de ideias. Isso começou faz dois meses e daqui a pouco vamos falar os nomes dos executivos.

MAIS DOAÇÕES PRIVADAS
No País, as empresas privadas pagam 0,2% do PIB para fins sociais. Nos Estados Unidos, isso é 0,8%. Precisamos fazer mais para chegar ao nível americano. É onde queremos chegar. O Movimento Bem Maior [ONG de estímulo à filantropia que conta com nomes como Luciano Huck, Eugênio Mattar, além de Elie Horn como associados] tem como meta chegar de 0,2% a 0,4%. Estamos trabalhando. Não é fácil, não vamos chegar a 0,4% agora, mas é uma meta.

TAXAÇÃO DE GRANDES FORTUNAS
Se for para pagar imposto e fazer o bem, não teria problema. Se o imposto não vai para o bem, a coisa muda. Se eu pudesse determinar algo, eu faria uma política social no tempo, que não muda com os partidos. Algumas coisas seriam tratadas de maneira apolítica pelos governos sucessivos. Então, se mudar amanhã o PT por um PMDB, não importa, a linha não muda. Infelizmente, no País, quando muda o governo, muda tudo. Todo trabalho feito é jogado fora, isso é uma tristeza (...) Sou a favor da taxação para poder ajudar quem precisa, o problema é mudar a tendência toda vez que muda o partido.

Com 192 páginas, o livro custa R$ 60 (crédito: editora e livraria Sêfer)

PROVAÇÃO DAS INCORPORADORAS
Infelizmente, muitas empresas que abriram o capital na Bolsa se deram mal. Por que se deram mal? Porque começaram a não respeitar o cash flow. O setor de construção é muito bom, mas, se você não for cuidadoso, você quebra. Você passa a se embriagar com o seu sucesso. Então é fundamental que se respeite o cash flow. O que é o cash flow adequado, na minha opinião? Você para de trabalhar hoje, faz as obras até o fim, paga a dívida até o fim, incluindo os bancos, você não vende mais nada. Você tem que saber se virar para sobreviver. Quem não seguiu essa regra apanhou muito. Quem seguiu, sobreviveu.

MEA CULPA NA CYRELA
Por ambição minha, orgulho, por achar que era um gênio, porque tudo o que fazia, vendia, achei que poderia abrir empresas em 60 cidades no Brasil. Isso foi muito triste, porque não existe abrir 60 empresas novas, com sócios novos, cidades novas, sem apanhar. Quando percebemos que erramos, nos recolhemos. Abrimos rápido e fechamos mais rápido ainda, limitando o prejuízo e a dor de cabeça. Para mim, é uma mancha no currículo, mas o que posso fazer?

SITUAÇÃO DA ECONOMIA
A saúde econômica de um país é algo que não depende de política, é uma verdade em si mesma. Se você muda, você apanha. A Argentina está apanhando faz 30 anos e agora botaram um cara com a cabeça no lugar, aparentemente, mesmo que seja um pouco rígido demais. O país vai se salvar, senão ia ser pior. Não sou economista, mas a verdade não muda. Todo governo que gasta mais do que deve, apanha, cedo ou tarde. A vida tem algumas verdades. Quem tem dez e gasta 11, o que acontece? Tem problemas. Com um país é a mesma coisa, só que o país consegue imprimir dinheiro, vai levar um pouco mais de tempo para apanhar. Mas o fim é certo.

PREOCUPAÇÕES COM O FUTURO
Tem algumas coisas que me preocupam, até certo ponto. Como sou positivo, não posso pensar em tragédias. Preocupa quando vejo alguém morrendo de fome, porque você é culpado pelo sistema. Quando se vê alguém que morre por falta de remédio, você é culpado. Isso preocupa. Não sei se é porque estou chegando aos 80 anos, já vivi um bom par de vida, mas as coisas se repetem. Então nunca fico muito preocupado se a Bolsa sobe ou desce, porque já vi esse filme acontecer. Trabalho desde os 19 anos e fui até os 70 como executivo, e vi o País quebrar umas cinco ou seis vezes. Moeda desaparece, dólar sobe, inflação vai para 80% ao mês. Isso tudo não me afeta mais, estou acostumado.

OTIMISMO E PLANOS PARA O FUTURO
Eu sou positivo, eu sou otimista. Se você for pessimista, você sofre sem necessidade, não leva a nada. Ser otimista ajuda a construir, produzir, ajuda o mundo a crescer. Eu sou muito otimista, não pouco, muito. Faço 80 anos agora em julho. Eu tô pensando em negócios novos, alternativos, fora a caridade e negócios produtivos, Não posso parar, não quero parar, só para no leito de morte. Eu acho que nossa meta na vida é produzir. Cada um produz um bem à sua maneira, na educação, na medicina, no direito. O que não pode é não produzir. A não produção é o ócio e o ócio é mortal. Enquanto estiver vivo e consciente, vou trabalhar.