A correção de preços no mercado de tecnologia trouxe uma boa oportunidade para gestoras de venture capital que estão na busca por novos investimentos. Passado o frenesi da pandemia, que supervalorizou diversas startups, os empreendedores agora encontram mais dificuldade na busca por aporte. O que, de forma geral, devolve o poder para os investidores na hora das negociações.

Por este motivo, diversas gestoras estão lançando novos fundos de investimento. Somente nos últimos meses, gestoras de venture capital (VC) como Mindset Ventures, Catarina Capital, Oria Capital, The Yield Lab, Futurum Capital, Barn, Upload Ventures, Fuse Capital, Fabrica Ventures, entre outras, anunciaram seus planos para captar recursos para novos veículos de investimento. O problema é que o dinheiro parece não estar escasso somente para as startups.

Nas últimas semanas, o NeoFeed entrevistou diversos gestores e especialistas no mercado de capitais para entender este movimento de lançamento de novos fundos. A conclusão é de que a realidade do mercado atual pode não corresponder às expectativas de captação de algumas gestoras que estão levantando fundos.

"Eu tinha a expectativa de concluir a captação em três, quatro meses. Agora, estendi para 12 meses. E, se precisar, vou aumentar ainda mais o prazo", diz o managing partner de uma gestora, que está em plena campanha para levantar recursos - o nome do fundo e do gestor é mantido em sigilo por questões regulatórias.

Essa é a tônica do mercado. Fundos com tradição e um histórico de retorno conseguem acessar a sua base de investidores, os chamados limited partners. Gestoras que estão começando dificilmente conseguirão levar adiante a captação. "Para esses, pode esquecer: não há capital", diz um experiente gestor de venture capital. "E quem tem track record vai ter de trabalhar para caramba."

Esse é o caso da Mindset Ventures, que anunciou, em maio deste ano, que estava preparando um novo fundo de investimento. O quarto veículo da gestora que tem como sócios Daniel Ibri, Camila Potenza e Nemer Rahal tem o objetivo de captar US$ 100 milhões. Na época, Ibri admitiu que isso não seria simples. “Não vai ser fácil, pois o investidor está mais restritivo, mas temos um track record para mostrar”, disse ao NeoFeed na época.

A meta era ambiciosa. A projeção de captação para o novo fundo da gestora era quase o dobro dos US$ 52 milhões alocados por investidores no terceiro fundo. Passados alguns meses desde o anúncio, a gestora brasileira que só investe em startups dos Estados Unidos e de Israel e que tem Brex e Turing como unicórnios em seu portfólio, já admite que dificilmente vai conseguir colocar em prática os seus planos iniciais. “O mercado de captação de recursos para novos fundos está mais difícil”, diz Rahal. “Isso acontece em situações de maior volatilidade no mercado.”

O resultado desta equação é que a Mindset Ventures já trabalha com números menores e prazos maiores. Se em um mercado mais bullish a expectativa era captar algo em torno de 30% para cada closing, agora a meta é menor. “Em um cenário como esse, você chegar em 15% a 20% é um bom número”, diz Rahal. A ideia era realizar toda a captação em um período de até um ano após o primeiro fechamento, o que seria até o fim de 2023. A previsão agora é fazer isso um ano e meio após o primeiro fechamento.

O comportamento mais conservador dos investidores está relacionado com diferentes fatores. Em especial, Rahal cita o cenário macroeconômico. “Os juros estão mais altos no Brasil e no exterior. A atratividade dos investimentos alternativos fica menor porque o prêmio também diminui”, afirma o sócio da Mindset Ventures, citando também a incerteza política como outro fator que aumenta a cautela dos investidores.

Os sócios da Mindset Ventures: Nemer Rahal (à esq.), Camila Potenza e Daniel Ibri

O aumento dos juros no Brasil e no mundo explica bastante a dificuldade em buscar recursos para novos fundos de venture capital. Mas ele não é a única razão de os investidores estarem alocando menos dinheiro, quando não ficar longe, para essa classe de ativos.

Há vários fatores combinados que jogam contra uma captação neste momento. Um deles é que os family offices brasileiros que estavam empolgados com o hype de tecnologia agora estão assustados com a desvalorização dos ativos privados. Outro fator é que muitos potenciais investidores estavam expostos aos mercados públicos e perderam muito dinheiro.

No lado internacional, investidores e endowments, que alocam uma fatia em venture capital, se comprometeram com recursos para safras anteriores de fundos de VCs. Agora, precisam honrar as chamadas de capital. Mas esperavam o retorno do dinheiro de alguns investimentos, o que não ocorreu. "Quem investiu na safra 2019, 2020 e 2021, na época do hype, está bastante assustado e vai demorar a voltar", afirma um gestor de um grande fundo.

Mesmo assim, as gestoras seguem suas campanhas atrás de recursos neste momento de incertezas. “Com certeza está mais difícil (captar) do que estava antes”, afirma Jorge Steffens, sócio da Oria Capital, que pretende levantar US$ 100 milhões para o seu quatro fundo. “Você agora passa a competir com a renda fixa, que está com taxas bem mais altas.”

Jorge Steffens, sócio da Oria Capital

A gestora ainda não reviu suas projeções de fechamento de captação. A meta é fazer um first closing com metade do valor até o fim deste ano. “O plano está mais ou menos em linha”, afirma Steffens.

Na Barn, que também está levantando o seu quarto fundo de US$ 100 milhões, a sócia Lina Lisbona diz que as conversas estão "mais longas", mas não há nada que indique atrasos. "A nossa tese de segurança alimentar e uso de recursos naturais faz muito sentido para investidor estrangeiro e brasileiro", afirma Lisbona.

Outra gestora que lançou um fundo neste ano é a Fuse Capital. A gestora especializada em negócios de blockchain e cripto está em seu terceiro veículo de investimento e a ideia agora é captar US$ 50 milhões para aportes em startups com foco em web3. O primeiro fechamento, de US$ 10 milhões, pode ser feito até o fim deste ano.

“A gente tem um desejo, o que é muito diferente de previsão. Quem tem dinheiro é quem manda”, diz Dan Yamamura, sócio da Fuse Capital ao lado de Guilherme Hug, Alexis Terrin e João Zecchin. “Vamos fazer este primeiro closing, realizar alguns investimentos e depois abrir novamente para captar o restante.”

Mas nem tudo segue como o planejado. Um fundo de growth que está levantando uma quantia bilionária e que conta com bons resultados em seus investimentos até agora está tendo dificuldade para concluir a captação. "A coisa esfriou e vai demorar mais tempo", diz o gestor, que investe globalmente, mas reserva uma fatia para a América Latina.

Pelo menos outras duas gestoras com as quais o NeoFeed conversou, mas que não querem revelar seus nomes, mudaram suas teses de captação ou adiaram o lançamento de fundos de venture capital por conta do momento do mercado.

Uma delas, que chegou a lançar um fundo no começo deste ano, optou por diminuir as captações e criar “micro” veículos de investimento. Em tese, isso permite acelerar os aportes.

A outra gestora, que já opera com uma builder, iria realizar o lançamento de um fundo de venture capital ainda neste ano, mas decidiu adiar os planos para o ano que vem. “Os investidores estavam muito receosos”, afirmou um dos responsáveis pela operação.

O movimento de lançamento de novos fundos não chega a surpreender. “Há uma janela de ajuste que incentiva este movimento (de captação de novos fundos). Há oportunidades para investimento em startups na mesa e não tem quem financie”, diz Piero Minardi, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP).

O problema, de acordo com o executivo que também é sócio-diretor da Warburg Pincus, é que muitos investidores ainda estão “lambendo as feridas” por conta de investimentos realizados no ano passado e que não tiveram retorno satisfatório. Por isso, há uma cautela para a alocação de mais capital.

Alguns números reforçam esta narrativa. O volume de dinheiro investido em private equity, que concentra aportes em empresas mais maduras, somou R$ 16,5 bilhões no primeiro semestre deste ano. Isso representa uma alta de 617% ante os R$ 2,3 bilhões registrados nos primeiros seis meses de 2021.

Ao mesmo tempo, o valor investido em venture capital sofreu queda de 52%, passando de R$ 22,4 bilhões para R$ 11,6 bilhões na comparação entre o primeiro semestre deste ano e do ano passado. Os dados são de um estudo da ABVCAP feito em parceria com a KPMG.

(Colaborou Ralphe Manzoni Jr.)