Taxistas e governos de diversos países não gostavam de Travis Kalanick na época em que o empreendedor comandou a Uber de 2009 a 2017. O motivo? Ele desafiava o status quo, bem como burlava uma série de legislações para poder prestar o serviço que transformava qualquer carro em um “táxi.”
Por esse motivo, ele chegou a ser considerado o CEO mais odiado do mundo. Aos poucos, no entanto, essa resistência foi sendo vencida – e legislações foram criadas para regulamentar o negócio da Uber. Mas, em 2017, Kalanick também passou a ser odiado dentro de sua própria empresa, quando veio à tona uma série de denúncias de assédio sexual, além de um ambiente tóxico no trabalho.
Pressionado pelos investidores, Kalanick deixou o comando da Uber em 2017 pelas portas dos fundos – o atual CEO Dara Khosrowshahi foi contratado não só para levar a Uber ao lucro, como também para mudar sua cultura. De forma discreta, Kalanick foi se envolvendo em outros negócios. Mas a sua fama de encrenqueiro parece não ter fim.
Sua nova empresa, a CloudKitchens, está envolvida em uma série de confusões nos Estados Unidos, de acordo com uma reportagem do site Business Insider. A startup investe em dark kitchens, estruturas que reúnem diversas cozinhas voltadas exclusivamente ao delivery. São operações grandes, que concentram dezenas de restaurantes em um único espaço.
Moradores próximos às instalações da CloudKitchens nos Estados Unidos têm relatado aumento no tráfego, desrespeito às regras de trânsito e até brigas causadas por motoristas de aplicativo que esperam nas ruas onde elas estão instaladas.
Na vizinhança de North Rockwell, em Chicago, uma clínica veterinária está vendo sua clientela diminuir depois que uma unidade da CloudKitchens foi aberta do outro lado da rua. Sem vagas nas proximidades, os donos de cachorros precisam carregar seus animais doentes por várias quadras até a clínica.
A unidade vem causando outros problemas. Funcionários contratados como controladores de trânsito têm intimidado clientes do comércio local e os motoristas de aplicativo causaram até acidentes por conta do congestionamento. Um vereador local afirmou receber várias chamadas diárias sobre a bagunça causada pela empresa.
Enquanto os restaurantes estão fechados por conta da pandemia, os serviços de delivery têm oferecido uma alternativa tanto para quem precisa se alimentar sem sair de casa quanto para os empresários do ramo. Mas nem todos estão felizes com o aumento no movimento provocado pelo serviço.
A CloudKitchens opera em uma zona cinzenta, já que não é exatamente um restaurante ou um food truck. Além disso, os entregadores que vão buscar as refeições preparadas nessas cozinhas não são funcionários da empresa, mas prestadores de serviço de aplicativos como DoorDash ou Uber Eats. A startup explora essa falta de legislação própria.
Em Miami, representantes locais estão tentando criar um zoneamento próprio para acomodar esse novo modelo de negócios. Enquanto as leis não ficam prontas, a CloudKitchens segue instalando suas cozinhas.
"Ao invadir um bairro só porque é seu direito de livre mercado, você pode até ter a lei a seu favor, mas com certeza não terá vizinhos e autoridades eleitas do seu lado", disse Ken Russell, comissário da cidade de Miami, ao Business Insider.
A situação tem se repetido também no Brasil, onde a CloudKitchens opera desde o ano passado, sob a liderança do venezuelano Jorge Pilo, ex-CEO global da Easy Taxi. A primeira unidade inaugurada no País, no bairro da Lapa, em São Paulo, atraiu a reclamação de moradores por conta do ruído dos geradores.
O barulho causado pelas operações físicas da empresa contrastam com a discrição que Kalanick adotou na maneira de tocar a CloudKitchens. A única informação oficial sobre a startup diz respeito a um investimento de US$ 400 milhões feito pelo fundo soberano da Arábia Saudita, no fim de 2019.
A cifra, no entanto, pode ser maior. Segundo a consultoria Pitchbook, a startup já levantou US$ 700 milhões em rodadas de investimentos. A empresa teria também uma linha de crédito de US$ 200 milhões da Goldman Sachs para dar fôlego à estratégia de comprar imóveis e adequá-los para receber as cozinhas compartilhadas.
Assim como acontece com os financiamentos, o total de unidades em funcionamento é incerto. Um levantamento aponta que a empresa comprou 50 imóveis nos Estados Unidos. Vários estão operando sem problemas, especialmente aqueles instalados em regiões industriais.
As operações estão concentradas na Califórnia, na costa oeste, e em Nova York, na costa leste. Mas a CloudKitchens tem negócios em outros nove Estados americanos, incluindo Texas, Ohio e Arizona.
A principal concorrente da CloudKitchens nos EUA é a REEF, empresa que já captou US$ 1,5 bilhão. A rodada mais recente, de US$ 700 milhões, foi concluída em novembro do ano passado e liderada pelo Softbank.
As duas, no entanto, têm modelos de negócios um pouco diferentes. A empresa de Kalanick atende grandes redes, como Chick-fil-A, e marcas exclusivas de delivery, sempre no setor de alimentos, e funciona como um centro de distribuição da Amazon.
Já a REEF administra grandes áreas de estacionamento, construindo estruturas para dark kitchens, mas também para clínicas estéticas, centros de logística e até espaços para que empresas criem experiências personalizadas de consumo.