Entre o fim de 2021 e o começo de 2022, a Cannect levantou uma rodada seed de pouco mais de R$ 10 milhões com investidores-anjo. Entre eles estavam nomes como Bruno Lagoeiro, da Afya; Rafael Larragoiti, da Advent; e Cesar Villares, da Go4it Capital. O dinheiro serviria para estruturar o desenvolvimento de seu marketplace de cannabis medicinal que antes já havia levantado mais de R$ 1,5 milhão.

Aquele era o segundo investimento recebido pela startup. Antes, nomes como Rapha Avellar, Ricardo Dias e Gerard de Roure, da Adventures; Thiago Maluf, da Igah Ventures, e os médicos Abdalla Skaff e Gustavo Nobre, já haviam dado o primeiro empurrão financeiro.

Nesta sexta-feira, 23 de junho, a companhia criada em 2021 por Allan Paiotti, que já foi diretor-executivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz; e Fernando Domingues, cofundador Conexa Saúde, anunciou com exclusividade ao NeoFeed um novo aporte. Dessa vez, o cheque recebido é assinado por investidores institucionais.

O valor é mantido em sigilo, mas a companhia diz que desde sua fundação já captou R$ 40 milhões em aportes. A rodada é liderada pela Supera Capital, fundo de venture capital que une Globo Ventures, Luciano Huck, Gilberto Sayão e Duda Melzer; e a BluStone, fundo brasileiro comandado por ex-funcionários do Pátria Investimentos. A gestora mexicana YaaX Capital e outros family offices também participaram da rodada.

Esse é um dos primeiros investimentos divulgados pela Supera Capital desde sua criação, em novembro do ano passado. Outro aporte realizado foi na Principia, fintech voltada para tentar resolver a inadimplência universitária. Neste caso, porém, a gestora não liderou a rodada.

O que atrai os investidores é o modelo de negócio da Cannect, que consiste em oferecer uma experiência de ponta a ponta. Através da plataforma é possível agendar uma consulta médica, obter uma prescrição de medicamento à base de cannabis (caso o médico julgue necessário) e fazer a importação dos produtos. Depois disso, há o acompanhamento para saber se o tratamento está dando resultado.

O dinheiro captado nesta rodada será usado para modernizar e impulsionar o crescimento do negócio através de investimentos em tecnologia. A ideia é lançar um aplicativo que substitua as entrevistas entre pacientes e profissionais de saúde, que atualmente são feitas por WhatsApp e telefone. A previsão é fazer isso até o fim do ano. “É um investimento para melhorar a experiência do cliente e do médico”, diz Allan Paiotti, CEO e cofundador da Cannect, ao NeoFeed.

Uma parte do capital será direcionada para investimentos em marketing. Ao contrário de outros negócios que não possuem restrições para a criação de campanhas de publicidade em redes sociais e no Google, a Cannect enfrenta limitações por conta do mercado em que opera. “A gente precisa criar alternativas com eventos e campanhas com médicos”, diz Paiotti.

Neste esforço, vale destacar que a companhia é proprietária, por meio de uma aquisição, do portal de conteúdo Cannalize, voltado para o universo canábico. Outra empresa que também pertence ao grupo é a Dr. Cannabis, voltada para a criação de cursos ligados com o tema para médicos e odontologistas, profissionais de saúde e empresários. Há planos para a criação de um MBA nesta frente.

A competição da Cannect se dá com fabricantes que possuem seus próprios canais de venda e farmácias online que importam os medicamentos - o paciente, neste caso, precisa obter por conta própria a prescrição médica e a autorização da Anvisa para a compra. “Ninguém tem uma visão tão abrangente, que aproxima todo mundo”, afirma Paiotti.

A companhia já atendeu cerca de 15 mil pacientes e conta com 1,5 mil médicos em sua base, que podem ser recomendados aos interessados em uma consulta. A meta para este ano é ultrapassar os 40 mil pacientes atendidos. Em termos financeiros, a empresa informa que projeta um GMV de R$ 60 milhões em seu marketplace. No ano passado, o volume transacionado girou em torno de R$ 15 milhões.

O tíquete-médio dos pacientes que utilizam a Cannect para obterem acesso aos fármacos com base em cannabis gira em torno de R$ 1,5 mil, valor que engloba a compra dos medicamentos, o frete internacional e também a consulta médica, que gira em torno de R$ 200 e é feita por telemedicina.

A tendência é de que, com o crescimento da plataforma, os custos diminuam pelo maior volume transacionado e pela maior presença de marcas no marketplace, o que incentiva a competição. O frete, por exemplo, já chegou a ser de três vezes o valor que é praticado atualmente (cerca de R$ 100).

Os usuários desse tipo de remédio não são pacientes com um problema pontual, eles têm, em sua maioria, doenças crônicas e precisam usar o medicamento por um longo período.

Há diversos estudos que mostram que a cannabis medicinal, com seus extratos de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC), tem aplicações consistentes em saúde mental, em dores crônicas, em neurologia, neuropediatria e saúde do esporte. Ns Jogos Olímpicos de Tóquio, o uso do canabidiol foi liberado para os atletas.

Nos últimos anos, a legislação brasileira tornou mais simples o caminho de obter acesso à cannabis medicinal a partir da aprovação de medidas que permitem a importação de medicamentos para uso individual - desde que com prescrição médica. Com isso, o uso dos medicamentos explodiu nos últimos anos no Brasil.

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foram concedidas quase 80 mil autorizações para pacientes no Brasil importarem medicamentos à base de cannabis, quase o dobro do registrado em 2021. Em 2015, também para efeito de comparação, foram 850 autorizações concedidas pelo órgão.

Um estudo da consultoria Grand View Research aponta que o mercado global de cannabis medicinal deve movimentar US$ 65,9 bilhões em 2030, caso mantenha uma média de crescimento de 21,8% ao ano a partir de 2023. No ano passado, o setor movimentou US$ 13,8 bilhões.

Há muitas empresas, em especial nos Estados Unidos e Canadá, cotadas em bolsa, e com avaliações bilionárias.  O mercado americano concentra algumas das principais empresas do ramo. Entre elas está a Curaleaf, avaliada em US$ 2,1 bilhões e que produz e distribui cannabis medicinal e recreativa em diferentes regiões dos Estados Unidos. A Truelieve Cannabis, que atua somente no mercado medicinal americano, por sua vez, está avaliada em US$ 762 milhões.