Em meados de 2009, o Facebook aceitou uma redução de seu valuation de US$ 15 bilhões para US$ 10 bilhões ao receber um cheque de US$ 200 milhões do grupo de investimento russo Digital Sky Technologies (DST).
A entrada do DST no negócio veio em um momento de baixa do mercado em meio a uma crise financeira global. Mas, três anos depois, em 2012, a empresa de Menlo Park realizou o maior IPO de tecnologia da história até então. Na oferta, seu valor de mercado ultrapassou os US$ 100 bilhões.
Mais de uma década e uma pandemia depois, o setor de tecnologia passa por um novo solavanco. Em 2022, os investimentos em startups no Brasil somaram US$ 4,4 bilhões, queda de quase 55%, segundo o Distrito. Isso fez com que muitas startups deixassem de captar ou reduzissem o valuation.Para as gestoras, não é uma hora boa para captar, mas muitas acreditam que é um dos melhores momentos para investir.
“Nós chegamos a investir bem durante a pandemia, mas tiramos o pé do acelerador no fim do ano retrasado porque o mercado estava uma loucura”, diz Rodrigo Vieira, sócio da Caravela Capital, gestora brasileira que já investiu em startups como Caju, EmCasa, Mottu, entre outras. Para este ano, o plano é voltar a investir. “Quando a tempestade passar e o mercado normalizar, vamos colher os frutos.”
Assim como Vieira, outros investidores na linha de frente de gestoras de venture capital passaram os últimos meses analisando o mercado. Em entrevista ao NeoFeed, sócios das gestoras The Yield Lab, KPTL, Terracotta Ventures, OutField Capital, entre outras, contaram as estratégias que pretendem adotar nesse momento em que os valuations voltaram à normalidade.
O que elas podem "aproveitar" é a queda do valor das startups. Segundo a CB Insights, houve uma queda no valor médio dos valuations das startups em 2022, principalmente naquelas que captaram investimentos a partir da série B. Em 2021, o valor de mercado médio obtido de uma startup nesta rodada era de US$ 194,8 milhões. Um ano depois, o valor médio caiu para US$ 172,6 milhões.
Nas rodadas posteriores, a diferença entre os valuations obtidos em 2021 e 2022 ficou ainda maior. Na série C, o valuation que era de US$ 578,4 milhões passou para US$ 457,4 milhões. Já na Série D, as empresas que antes eram avaliadas em US$ 1,6 bilhão agora estavam obtinham avaliação média de US$ 1,1 bilhão.
“Nós seguramos um pouco em 2021 e, no ano passado, dobramos o número de deals realizados”, diz Bruno Loreto, cofundador e managing partner da Terracotta Ventures. “Além do valuation mais barato, aproveitamos as condições atreladas aos negócios.”
Especializada em startups com negócios voltados à construção civil e ao mercado imobiliário, a gestora investiu em mais de nove empresas em 2022. Os aportes foram realizados com os R$ 100 milhões levantados no fundo lançado em 2021 e que tem entre os sócios gigantes como Cyrela e Gerdau. “Temos mais negócios que estão em fase final de aprovação”, afirma Loreto.
Essa percepção é compartilhada por Julio Vasconcellos, fundador do Peixe Urbano e que atualmente está à frente da operação da gestora de venture capital Atlantico. Em outubro de 2022, ele afirmou durante um evento que aquele era "um excelente momento para investir". Em sua avaliação, além dos preços estarem mais baixos, os negócios que suportaram a momentos ruins podem apresentar mais resiliência no futuro.
Outra gestora que acelerou os investimentos nos últimos meses foi a KPTL. No fim do ano passado, o NeoFeed reportou que a gestora havia realizado um "pacotão de Natal" com três investimentos em startups que já faziam parte do seu portfólio. O montante foi aportado em empresas como Ativa Soluções, Preâmbulo Tech e Mereo e somou R$ 12,7 milhões.
Depois de investir R$ 86 milhões em startups em 2022, a gestora espera repetir a dose em 2023. O plano é alocar R$ 60 milhões em 12 novas investidas, além de R$ 25 milhões para operações de follow on.
“Mantivemos os pés no chão mesmo na época de valuations inflacionados”, diz Gustavo Junqueira, sócio da KPTL. “As taxas de sucesso nas negociações voltaram ao patamar em que estavam antes do ‘oba-oba’.”
A The Yield Lab é outro nome que também está em fase de captação. Questionado sobre se há pressa para captar – no caso US$ 50 milhões para seu terceiro fundo –, Kieran Gartlan, managing partner da operação, afirmou que ainda há tempo hábil para trazer o dinheiro e fazer deals com preços atrativos. “Eu vejo este cenário durando pelo menos um ano”, diz. “Mas talvez venha mais uma mudança no ano que vem.”
A expectativa é de que as condições macroeconômicas continuem impactando no fluxo de dinheiro para o mercado de tecnologia. “Enquanto essa questão de bolha e de guerra na Europa não for resolvida, haverá pouco apetite para investimentos alternativos”, afirma Gartlan, que já investiu em startups como Seedz e Terramagna.
Ainda que os preços dos ativos de tecnologia estejam mais atrativos, especialistas destacam que é importante não reduzir demais o valor dos cheques. Isso porque a desvalorização de uma empresa pode ajudar a gestora a entrar no negócio, mas de uma forma em que o custo ao founder seja muito elevado e ele não capte os recursos necessários para executar os planos de crescimento.
“É importante que os negócios estejam com condições mais próximas da realidade. Não é uma questão de estar barato ou caro, mas de ser justo”, diz Caio Ramalho, coordenador do curso de MBA em private equity e venture capital da Fundação Getulio Vagas e sócio da Faerûn Ventures. “Não se trata de levar vantagem em um dos lados.”
Outro ponto de atenção de entrar em um mercado em baixa está na incerteza de saber quanto a maré vai voltar a subir. Na OutField Capital, gestora especializada no mercado de mídia e que também segurou os investimentos no último ano, com o objetivo de fazer negócios melhores em 2023, isso é contornável. “Apesar de um crescimento mais lento, são negócios com riscos mitigados para o capital”, diz Pedro Oliveira, CEO da gestora.
Com startups como Final Level e Galaxies, do mercado de games, e Religion of Sports, a startup de mídia cofundada por Tom Brady, no portfólio, a gestora está em fase de captação de seu segundo veículo de investimentos, agora no valor de até R$ 70 milhões. “Não quer dizer que paramos de olhar o mercado, apesar de termos reduzido o foco”, diz Oliveira.
O investimento na Religion of Sports é um exemplo. A OutField entrou no negócio durante a captação de US$ 50 milhões realizada pela companhia em julho do ano passado. A rodada foi liderada pela gestora americana Shamrock Capital. “Era uma empresa que negociava seu deal num múltiplo de receita abaixo do que o mercado estava praticando nos meses anteriores”, diz Oliveira.
As gestoras brasileiras não são as únicas que estão de olho em deals mais baratos por aqui. Em outubro do ano passado, o NeoFeed apurou que a Andreessen Horowitz (a16z), gestora que já investiu em gigantes como Facebook, Airbnb, Robinhood, Lyft, entre outras, estava aumentando a sua aposta na América Latina.
Em outubro, executivos da gestora estiveram no Brasil e realizaram uma série de encontros com investidores e empreendedores. A ideia era estreitar o relacionamento com fundos de venture capital locais que poderão ajudar em deals futuros. A ideia é investir cheques entre US$ 1 milhão e US$ 5 milhões nas operações.