O inverno das startups, período em que os aportes de gestoras de venture capital se reduziram, afetou todas as fases de investimentos – do early ao growth. Mas as empresas que estavam em estágio mais avançado sofreram mais.

Agora, de forma ainda tímida, os grandes cheques estão começando a voltar, mas sem a euforia do passado e – principalmente – sem a quantidade dos anos 2020 e 2022.

Um levantamento exclusivo realizado pela Distrito ao NeoFeed mostrou que neste segundo semestre até outubro, as rodadas da séria B para frente movimentaram US$ 651 milhões, um valor quase 50% superior ao período anterior (e ainda faltam dois meses para o ano acabar).

O NeoFeed conversou também com diversos gestores de venture capital para entender qual a percepção do mercado, perguntando se o capital para growth estava de volta às startups. E, de uma forma geral, a maioria acredita que sim.

Entre aqueles que estão relutante em acreditar que o inverno das startups está começando a chegar ao fim, a observação feita pelos gestores é de que os grandes cheques são pontuais.

Mas não é preciso olhar para as frias estatísticas para perceber que os cheques com valores na faixa de US$ 30 milhões a US$ 50 milhões estão, de fato, começando a voltar – antes, essa era uma notícia tão rara quanto achar um unicórnio no Brasil em 2018.

“Um reflexo disso é o fato de que sete das 10 maiores rodadas de investimento aconteceram no segundo semestre", diz Eduardo Fuentes, head de research do Distrito, ao NeoFeed.

Um exemplo é a fintech QI Tech, que levantou US$ 200 milhões (aproximadamente R$ 1 bilhão), em rodada liderada pela General Atlantic, na maior captação realizada no Brasil até agora em 2023.

Mas esse investimento não é um caso isolado. Startups como Gympass, Creditas, Nomad, Digibee, Mottu, Tractian e Logcomex fizeram rodadas que começaram com no mínimo US$ 30 milhões.

A Gympass, por exemplo, levantou US$ 85 milhões e conseguiu aumentar seu valuation para US$ 2,4 bilhões. A Creditas captou US$ 70 milhões. Nomad e Digibee conseguiram cheques na faixa de US$ 60 milhões. E a Logcomex, US$ 32 milhões.

“Vamos ver uma retomada dos investimentos em growth, conforme as empresas desta nova safra de empresas vão graduando para o estágio de growth”, diz Rodrigo Baer, sócio da Upload Ventures. “Nesse novo momento, no entanto, esperamos um mercado mais diligente em entender os unit economics das empresas e a escalabilidade delas.”

O NeoFeed apurou que, até o fim do ano, mais alguns acordos com cheques que superam os US$ 30 milhões devem ser anunciados.

Um advogado de um escritório que negocia term sheets para as startups disse que está com dois acordos grandes prestes a ser anunciado. Outro gestor espera fazer também pelo menos dois anúncios em breve. “Já temos um investimento assinado e outro perto de fechar”, afirma ele.

Um sinal de que o mercado começa a retomar a um novo normal é o fato de que alguns grandes fundos de growth conseguiram fechar suas captações, o que indica que devem acelerar em 2024.

Um deles é a Riverwood Capital, que conclui a captação de US$ 1,8 bilhão de seu fundo global e que deve alocar algo em torno de US$ 300 milhões na América Latina.

Outro é a Bicycle Capital, gestora de Marcelo Claure, que levantou quase US$ 500 milhões e começa a fazer investimentos no Brasil (o primeiro aporte foi na Mottu).

E mesmo investidores internacionais, que estavam fora do Brasil e da América Latina, voltaram a investir. Um deles é a Tiger Global, que liderou rodada de US$ 61 milhões na Nomad. E o Goldman Sachs que esteve à frente do aporte Digibee.

“Acredito que podemos dizer que houve uma melhora geral no humor com tech, mas as transações são mais pontuais”, afirma André Maciel, sócio da Volpe Capital. “Houve uma boa separação do joio do trigo, das empresas que estão com crescimento sem muita queima.”

Além disso, algumas gestoras de venture capital foram buscar profissionais que têm track record em investimentos late stage, um sinal de que estão se preparando para assinar cheques mais polpudos.

Dois exemplos são o Valor Capital, que trouxe o ex-Softbank Paulo Passoni para a gestora, e o Kaszek, que agora conta com Angel Uribe, ex-TPG, como sócio - a gestora, aliás, acaba de levantar dois novos fundos de US$ 1 bilhão.

Mas ganhar um cheque polpudo não é exatamente uma missão fácil nos dias de hoje. Um empreendedor que acabou de fazer uma captação disse ao NeoFeed que antes de receber o cheque conversou com diversos fundos e que sentiu, nessa rodada, que as gestoras têm menos pressa em alocar o capital e que exigem mais informações.

“Eles não têm mais medo de perder o deal. O FOMO saiu da mesa”, diz esse empreendedor, referindo ao fear of missing out, termo que ficou famoso por indicar a ansiedade dos investidores em não ficar de fora de algum negócio considerado bom.