Anunciada oficialmente na manhã de segunda-feira, 5 de fevereiro, a fusão entre Arezzo e Soma ainda encontrou espaço para movimentar as ações dos dois grupos, que já vinham cumprindo um rali desde a semana passada, quando o acordo foi noticiado em primeira mão pelo NeoFeed.
Na abertura do pregão da B3, os dois papéis lideraram as altas, com Arezzo subindo 4,14% e Soma 3,63%. Porém, as duas ações perderam fôlego e, por volta das 14h15 recuavam, respectivamente, 3,89% e 6,23%, dando às duas empresas os valores de mercado de R$ 6,6 bilhões e R$ 5,6 bilhões - os mesmos market caps anteriores à fusão.
Com essa dança dos números como pano de fundo, o acordo vem embalado por muita expectativa quanto ao potencial da gigante do varejo de moda resultante dessa união de forças – com 34 marcas e um faturamento combinado de R$ 12 bilhões. Mas carrega, na mesma medida, o desafio de entregar as promessas que estão nesse pacote.
“Não estamos com pressa”, disse Alexandre Birman, CEO da Arezzo&Co, em apresentação sobre a fusão. “Esse primeiro ano será de estruturação das bases para essa nova empresa. Para que, em 2025, aí sim, possamos gerar uma grande alavancagem de receita e na última linha da companhia.”
Birman dividiu o palco com Roberto Jatahy, CEO do Soma, que acrescentou: “Nesse caso, é como costuma se dizer, o rio corre pro mar”, afirmou o empresário. “Nossa complementaridade é muito grande e há um alinhamento muito grande entre mim e o Birman.”
No curto prazo, uma das etapas nesse processo, a aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) não é vista, a princípio, como uma grande barreira. O entendimento é de que o órgão analisará essa associação sob a ótica do mercado como um todo de vestuário e calçados, o que não traria grandes implicações.
Em paralelo, Arezzo e Soma deram os primeiros sinais de como pretendem endereçar algumas das dúvidas geradas pelo acordo. Entre elas, a governança corporativa, com a definição de que cada uma nomeará três conselheiros para o board, sendo que o presidente do colegiado será eleito em conjunto.
Na apresentação, Guilherme Benchimol, fundador da XP, foi confirmado como o primeiro nome a ocupar um assento no Conselho de Administração. Os demais integrantes do board, por sua vez, devem ser anunciados até meados de 2024, quando também está previsto o anúncio do nome que batizará a nova companhia.
Ainda na esfera da governança, com a transação, a Arezzo passa a deter uma fatia de 54% e o Soma 46%. Foi costurado ainda um acordo de acionistas com um lock-up dos papéis dos controladores. Pelos termos, eles poderão negociar 25% das ações da nova empresa depois do quinto ano do acordo e os 75% restantes no prazo de dez anos.
A partir do anúncio de uma nova estrutura de gestão, os dois grupos também deram pistas de como planejam superar os desafios de combinar culturas e, em particular, dois estilos de gestão diferentes, personificados nas figuras de Birman e de Jatahy.
Birmam atuará como CEO do grupo, enquanto Jatahy será o CEO da divisão de vestuário e lifestyle feminino. Outras três unidades completam esse quebra-cabeças: a de calçados e acessórios, que será comandada por Luciana Wodzkik; de vestuário e lifestyle masculino, que terá Rony Meisler, que hoje comanda a AR&Co, como CEO; e a de vestuário democrático, que reúne os ativos da Hering e será liderada por Thiago Hering.
“Serão quatro empresas independentes, que vão manter sua cultura individual”, ressaltou Birman. “A cultura a ser criada é a da nova companhia. Nesse modelo, as culturas das marcas da Hering, da Soma e da Arezzo vão ser blindadas.”
Nessa “tabelinha”, Jatahy complementou ressaltando que o modelo em questão já é adotado, por exemplo, no Soma. “Hoje, cada negócio já tem seu budget combinado com o board e, a partir desse formato, tem autonomia para alocar esses recursos.”
Jatahy também comentou o fato de o novo desenho ir ao encontro do seu desejo de ter mais tempo para se dedicar ao braço de vestuário e lifestyle feminino. E, a outro componente que, nos últimos tempos, teve menos espaço em sua agenda, em função de outros compromissos como CEO do Soma.
“Ao dividir tarefas, posso voltar a olhar mais para M&As e a ser mais agressivo em aquisições”, afirmou Jatahy. “O Alexandre navega bem nas demandas com os investidores, que vinham tirando parte do meu tempo. E ele vai ser o grande indutor na busca de sinergias.”
Nessa frente, a dupla preferiu não cravar um número, ao mesmo tempo em que se negou a comentar os números especulados pelo mercado nos últimos dias, de sinergias da ordem de R$ 4,5 bilhões. Em contrapartida, eles sinalizaram quais serão os principais focos de captura nessa vertente.
Fruto de um trabalho que terá o apoio da consultoria Bain&Co, uma primeira área será colocar a serviço das marcas do Soma o modelo da Arezzo, também conhecido como “software de calçados” e que aposta na pegada da verticalização – conectando desenvolvimento, prototipagem, produção e colocação dos produtos nas prateleiras.
Nessa direção, Birman citou que a Arezzo tem uma prova do valor desse conceito a partir do trabalho feito no impulso dado a categoria de calçados da Reserva, adquirida em 2020. Para ele, o mesmo percurso pode ser acelerado na criação e ganho de tração das marcas de calçados das marcas do Soma.
Em contrapartida, ele ressaltou os ganhos trazidos pela incorporação da Hering, marca que foi comprada pelo Soma em 2021, após uma disputa com a própria Arezzo. Segundo Birman, se a Arezzo é o software dos calçados, a Hering vai ser o "hardware" nessa equação.
“A Hering, com suas unidades fabris, já é muito eficiente e vai ser a base de tudo”, observou. “Mas vamos conectar essa base com o desenvolvimento, o sourcing e encurtar a resposta entre a criação e o produto na loja. É uma transformação de médio e longo prazo, mas esse vai ser o nosso pulo do gato.”
Se o tema é software e hardware, um dos assuntos que deverão ser tratados é justamente o sistema de gestão (ERP) por trás dessas operações. Um componente que, nesses processos de integração, ainda mais desse porte, costumam ser desafiadores. Nesse caso, Hering e Arezzo utilizam o ERP da SAP e AR&Co e Soma, o da Linx.
Nessa agenda de captura de sinergias e de médio e longo prazo, os dois empresários adicionaram ainda áreas como a redução de despesas e a gestão de canais, em particular, o de franquias. Aqui, na direção de combinar a racionalização de custos com expansão, um dos planos na mesa é ampliar a base de franqueados, assim como estender o formato a algumas marcas do Soma que ainda não investem nesse expediente.
Um último segmento no foco, não menos importante, é o de internacionalização. E um exemplo citado por Jatahy ajuda a entender um pouco de como essa junção de operações embarca vantagens, a princípio, também nessa fronteira.
O empresário ressaltou que a Farm foi procurada por um varejista americana com o pedido de que desenvolvesse sua linha de sapatos, já que havia demanda esse passo da marca no mercado dos Estados Unidos. O design da linha não teve exatamente um desafio, o que já não aconteceu nas demais etapas do processo.
“Com o know how técnico da Arezzo, vamos avançar nessa frente”, disse Jatahy, que destacou o “sonho grande” e “global”, como um dos grandes racionais da fusão. “Hoje, já somos a maior house of brands da América Latina e com um grande pé fora do Brasil. Temos que aumentar nosso mercado endereçável.”