A briga para reduzir os subsídios já está em R$ 37 bilhões este ano e corre o risco de dobrar. Mas há um aliado de peso contra esse aumento que engrossa a tarifa da conta de luz: o governo federal.
Alarmado com a pressão da Equatorial, distribuidora de energia do Amapá, que desde dezembro de 2023 tenta aprovar um reajuste tarifário de 44% na tarifa de energia elétrica do Estado a que teria direito, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, admitiu na semana passada que está discutindo com o Palácio do Planalto uma saída para conter a escalada de aumento da conta de luz.
O governo vem adiando desde o final do ano a elaboração de uma medida provisória para resolver não só a questão da Equatorial – cujo pedido de reajuste está parado na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) – como a dos subsídios para energias renováveis.
A ideia é aproveitar uma janela de oportunidade criada por outros dois fatos paralelos para rediscutir a questão da tarifa de energia elétrica e outros temas que estão impactando o setor.
Um deles é um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) da semana passada, que coloca em dúvida a validade do modelo de negócio das fazendas solares, que vendem energia direto para o consumidor pela Geração Distribuída (GD).
Outro fato que pode ajudar na discussão é a proposta do governo de antecipar a renovação de concessões de 19 distribuidoras de energia.
A demora para atacar a questão dos subsídios reflete a dificuldade política do governo para se chegar a um entendimento no Congresso Nacional.
Atualmente, quatro projetos em tramitação ameaçam inviabilizar a tarifa de energia. Só o PL 11.247/18, que regulamenta a exploração de energia eólica offshore, pode gerar um acréscimo de R$ 25 bilhões por ano na conta de luz caso seja aprovado no Senado como está.
O PL recebeu na Câmara uma série de jabutis (emendas que não dizem respeito ao tema original) que beneficiam as indústrias de gás e carvão.
Já o Projeto de Decreto Legislativo 365/22, que aumenta a tarifa nas regiões Norte e Nordeste, pode causar um prejuízo de R$ 800 milhões por ano aos consumidores dessas regiões.
Outros projetos de lei também estão na mira. O PL 2.703 – que amplia o período de isenção de taxas para quem instalar painéis solares, que teoricamente deveria ter acabado no ano passado - tem estimativa de um impacto adicional superior a R$ 1,6 bilhão ao ano na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Para se ter uma ideia da disputa por subsídios, a estratégia do governo e de grupos organizados de consumidores é arquivar o PDL 365/22 e o PL 2.703, além de simplesmente blindar no Senado o Projeto de Lei 725/2022, que regulariza o mercado de hidrogênio verde – o PL foi aprovado na Câmara sem jabutis ou pedido de subsídios.
Reformulação
O custo elevado da tarifa de luz levou há dez dias a Frente Nacional dos Consumidores de Energia - coalizão formada por 16 entidades de consumidores ligadas à indústria e ao comércio – a enviar ao Ministério de Minas e Energia uma proposta não só de revisão dos subsídios como uma ampla reformulação do setor elétrico.
De acordo com o presidente da Frente, Luiz Eduardo Barata, as últimas grandes mudanças regulatórias ocorreram em 1998 e 2004, quando a matriz elétrica brasileira era bem diferente da atual. Ele considera uma “temeridade” a sugestão do governo de emitir MPs para resolver os problemas do setor.
“Tem de ser feito por meio de um grande projeto de lei, como foi feito com a reforma tributária, com começo, meio e fim, e isso leva tempo”, defende. Mesmo assim, nada impede que a questão dos subsídios seja atacada desde já. Segundo ele, não faz mais sentido dar subsídios para renováveis porque já são as fontes competitivas e de custo baixo.
“O que é urgente é garantir o custeio da geração de energia em sistemas isolados e promover a modicidade tarifária, como a manutenção da tarifa social, entre outros itens”, diz Barata.
Outro tema que mobiliza o setor é a proposta do governo de renovar antecipadamente os contratos de concessão de 19 distribuidoras de energia, que deveriam vencer entre 2026 e 2031, em vez de fazer nova licitação.
“O processo de mudança de concessão é complexo: precisa indenizar a distribuidora que sai e o nosso processo de concessão é curto, bem menos que os 40 a 50 anos em outros países”, diz o presidente da Frente, que apoia o projeto.
Outra entidade, o Conacen (Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica), que representa os conselhos de consumidores das distribuidoras, diz que uma grande vantagem da renovação é unificar a forma de correção das tarifas.
“Os contratos antigos, que serão agora renovados, fazem o reajuste pelo IGPM, afetado pelo câmbio, enquanto os contratos novos, prorrogados em 2015, fazem a correção pelo IPCA”, diz Rosimeire Costa, presidente da Conacen.
GD na berlinda
As distribuidoras também elogiam o projeto do governo. De acordo com Marcos Madureira, presidente da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), a renovação antecipada trará maior segurança para os contratos, facilitando as distribuidoras a captar investimentos no mercado financeiro.
A Abradee, segundo ele, acompanha atentamente a polêmica causada pela decisão do TCU , que viu possíveis irregularidades no modelo de negócio das fazendas de painéis solares que alugam cotas desses painéis para consumidores, incluindo residenciais.
Esses consumidores não têm equipamento no telhado, mas passam a receber benefícios da geração distribuída (GD), entre eles descontos totais no pagamento de encargos e taxas de transmissão e distribuição na conta de luz.
O TCU cobrou esclarecimentos da Aneel, alegando que esse modelo de negócio desvirtua a finalidade de geração de energia solar para consumo próprio (a conta dos clientes das fazendas solares chega a ser 30% mais barata que a de um consumidor do mercado cativo).
Em nota, a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) afirma que, ao se referir a "consumo próprio", a lei diz respeito à titularidade de uso e não necessariamente à necessidade de o consumidor ser proprietário daquele sistema de painéis solares.
Madureira observa que as distribuidoras são as maiores prejudicadas por esse modelo de negócio. Ele diz que a GD, por exemplo, não paga pelo uso da rede – não recolhe encargos –, o que faz com que aumente a tarifa dos demais consumidores. E ainda obriga as distribuidoras a investirem na melhoria da rede.
A prioridade de sua entidade, no entanto, é acabar com os subsídios, que beneficiam o setor de energia solar e são pagos pelo consumidor que não usa o sistema.
"As distribuidoras estão deixando de usar recursos para a melhoria da operação para viabilizar um segmento que não paga nada por isso, o que é uma distorção”, diz o presidente da entidade das distribuidoras.