A família Dubrule e a gestora de private equity Carlyle acumulam 12 anos de uma relação intensa na gestão da Tok&Stok. Não foram poucos os períodos de conflito, principalmente nos últimos anos. Agora, ao que tudo indica, essa relação está perto do fim.
“Realmente, eles precisam sair. Eles colocam isso para nós e temos de achar uma proposta que seja boa, em primeiro lugar, para a empresa, que é super importante, e em segundo lugar para os sócios”, diz a fundadora Ghislaine Dubrule, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. “Temos de definir esse caminho. E é isso o que estamos construindo.”
Em maio do ano passado, Dubrule voltou à gestão da rede varejista de móveis e decoração, mas só foi anunciada oficialmente no comando operacional em agosto. A fundadora da Tok&Stok havia liderado a empresa da entrada do Carlyle, em 2012, até 2017. A partir daí, seis executivos de mercado sentaram na cadeira de CEO e tentaram profissionalizar a companhia.
Rentabilidade é o principal desafio da Tok&Stok neste momento. No ano passado, os acionistas controladores (Carlyle e família Dubrule) fizeram um aporte de R$ 100 milhões na companhia e renegociaram uma dívida de R$ 350 milhões com os bancos. A partir de 2025, a Tok&Stok começa a pagar os juros dessa operação financeira, que vai até 2029.
“Hoje estamos estáveis, o fluxo de caixa está super controlado. Estamos em breakeven. O que é um grande passo de onde estamos vindo”, afirma a CEO. “Estamos esperando fechar um Ebitda que vai crescer de 25% a 30% em 2024.”
A CEO da Tok&Stok disse ao NeoFeed, no ano passado, que a empresa iria voltar a fazer o básico com seu retorno. E o que isso sinalizava? Colocar novamente a loja física no centro da operação e apostar nas coleções próprias com curadoria.
As lojas físicas voltaram a ser a grande vitrine da varejista de móveis e decoração, com a aposta em colaborações - na quinta-feira, 13 de junho, o estilista Alexandre Herchcovitch lançou uma coleção com designs para casa assinados por ele.
Mas, se no ano passado havia a expectativa de ter expansão orgânica em 2024, os planos mudaram. Não será aberta nenhuma loja neste ano. A empresa continua com 51, após ter fechado 17 no primeiro semestre de 2023. “O período macroeconômico é muito complicado. Todo o varejo está em uma situação que não é tão favorável”, diz Ghislaine.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O que mudou na Tok&Stok com um ano da sua gestão?
A grande batalha foi repor os processos. Essa questão de gestão, de organização de todos os controles que a empresa tinha e foram todos perdidos. Era uma situação difícil de recolocar a gestão no lugar. E é muito importante a gestão no varejo porque o varejo é muito volátil em tudo.
Quais processos estavam ruins?
Como nós temos uma empresa nacional e lojas espalhadas pelo território, de norte a sul, você tem de ter um profundo controle na gestão para monitorar essas lojas remotamente que estão à distância. Então demanda de nós muita definição de indicadores, de ajuste o tempo todo e gestão com eles. Hoje, a tecnologia facilita muito, é muito prático. Mas isso foi uma grande batalha e a Tok&Stok realmente é uma empresa muito bem definida nos seus processos, nos seus controles e isso fez com que tenhamos conseguido desenvolver rapidamente e estruturar também muito bem. E ter uma logística também super bem controlada.
Havia problemas de logística?
Na logística, por exemplo, um dos problemas era a logística reversa. Se você não tem um controle muito bem estabelecido sobre a reversa, você perde muita coisa: Ebitda, lucratividade. Tudo isso tem de ser bem ajustado e definido.
"Se você não tem um controle muito bem estabelecido sobre a logística reversa, você perde muita coisa: Ebitda, lucratividade..."
Como você recuperou o interesse pelas lojas físicas?
Conseguimos refazer a nossa jornada nas lojas e o circuito comercial, muito melhor definido. Voltamos com essa questão de privilegiar e priorizar a nossa coleção, voltar com os lançamentos que tinham sido colocados em stand by por “n” situações. Essa volta da inovação para nós é muito importante na marca: inovar o tempo todo, lançar novos produtos, novas coleções, para fazer movimento nas lojas. Realmente essa é a Tok&Stok que demonstra que tem uma curadoria e faz um trabalho de mais exclusividade. Não é produto por produto, preço pelo preço.
O cliente voltou para as lojas?
Essa jornada do cliente e o fato de nossas lojas serem renovadas o tempo todo. Temos um calendário comercial que reimplementamos. Ele faz com que nossas lojas sejam renovadas por setor. E, junto com isso, a gente trabalha esse calendário comercial na nossa comunicação e também na renovação das linhas. Temos, a cada mês, a renovação de uma parte da coleção da Tok&Stok. Isso movimenta muito as lojas. Não são lojas paradas. Então, essa jornada do cliente foi muito importante.
E a questão do e-commerce?
Ele está voltando a ser rentável, lucrativo. O nosso e-commerce tinha passado por um período de não lucratividade, não rentabilidade. Era o produto pelo produto e promoção, promoção e promoção. Era guerra de preço. Mudamos a nossa vitrine e a comunicação, que está muito muito mais alinhada com as nossas lojas físicas hoje. A jornada desse cliente omnichannel é muito mais harmônica, fala a mesma linguagem. A comunicação do site é muito mais inspiracional e aspiracional. Os banners não são mais produto e preço; são banners de ambientação, que demonstra toda uma história do que é esse ambiente, quem mora nesse ambiente, qual é a novidade dentro do ambiente pelas novas coleções e produtos.
Mas isso se traduz em números?
Estamos percebendo um crescimento no fluxo. Estamos com o crescimento também na receita, de mais de 10%. Ficamos muito felizes porque esse período foi realmente uma mudança e um risco, a gente mudou a comunicação 180º.
E sem mudança de tecnologia?
Estamos lançando agora uma nova plataforma, chamada de “headless”. Ela é uma camada superior dentro dessa plataforma de relacionamento com o cliente que permite uma experiência muito mais veloz. Aumenta a velocidade da jornada dentro do site, ou seja, você pode ir mais rapidamente ao que você quer verificar, ver e comprar. Tem toda uma experiência muito mais fácil, também, para nós, do lado da empresa, de construir a nossa vitrine, que fica mais elegante e bonita, dentro de uma sequência. Na loja a gente apresenta nossos produtos com as diversas cores, mas na sequência do mesmo produto. No site, era randomizado e a relevância fazia esse ajuste na página do produto. Hoje estamos interferindo nisso e dando essa experiência melhor da nossa vitrine.
"Estamos lançando agora uma nova plataforma, chamada de “headless”. Ela é uma camada superior dentro dessa plataforma de relacionamento com o cliente"
O que você está me dizendo é que mudou o perfil e o site deixou de atrair só o consumidor que busca preço baixo?
Mudou esse perfil. Não que o cliente que vá ao nosso site não encontre também oportunidade. O problema é que antes tínhamos muitos oportunistas que vinham, então havia um crescimento de participação de clientes novos, que não voltavam. Eram os oportunistas de desconto, de promoção. Isso baixa a lucratividade de forma extremamente negativa. Então, percebemos que nesse movimento de participação do cliente novo, do cliente fiel, que esse oportunista não está mais no primeiro lugar. E que realmente os clientes fiéis à marca estão novamente comprando e voltando de forma recorrente.
Quando você assumiu, tinha muita perda?
A gente tinha muita perda em tudo, loja física então...
Foi essa a parte que mais assustou você?
Sim, sim. Por muitas questões que eu não vou entrar tanto no mérito, mas havia outra estratégia de abertura de capital, de fazer o IPO. Havia a estratégia de lançar outro modelo de loja, que era essa loja de conveniência em todos os shoppings do Brasil, que se chamava Studio. Inclusive nem conectava muito com a marca Tok&Stok. Havia um projeto muito forte também de tecnologia. Era o momento do digital em 2019, 2020 e 2021, de digitalizar a empresa e fazer a transformação digital. Havia, no fundo, uma certa desconexão com a verdadeira operação da Tok&Stok. E era algo que podia ter dado certo. A gente tem que arriscar às vezes nas empresas. Os movimentos são difíceis, mas temos de achar o caminho certo para o crescimento e para a rentabilidade.
Mas digitalizar foi um passo importante, não?
Realmente digitalizar e fazer o melhor possível para que tudo seja mais fácil, tanto no trabalho interno das equipes como em toda jornada do cliente, mas por “n” motivos a situação foi complexa. E foi complicado pela questão da pandemia. Então, não foi também um período fácil de gerenciar. Enfim, acredito que pessoas que vêm de outro mundo de gestão talvez não entendam totalmente o que significa a gestão do varejo.
Mas a Tok&Stok vai para o IPO?
Esse é o sonho. Ele continua. Acho que essa empresa merece, mas ainda temos muito caminho para percorrer.
Como estão as finanças da companhia?
Hoje estamos estáveis, o fluxo de caixa está super controlado. Estamos em breakeven. O que é um grande passo de onde estamos vindo. A projeção para esse nosso exercício de 2024 é positivo. No fim do ano, espero poder dizer para você que a gente cumpriu o nosso orçamento, que fizemos a lição de casa e entregamos um Ebitda positivo.
Qual é a expectativa?
Estamos esperando fechar um Ebitda que vai crescer de 25% a 30% em 2024. No último quadrimestre do ano passado, começamos a crescer de novo, quando tivemos uma receita mais consistente e voltando a ter melhores números. Mas não entregamos o Ebitda positivo, foi negativo em 2023. Mas quero crer, por todos os sinais que estamos vendo, seja do fluxo no e-commerce, que está crescendo com rentabilidade e lucratividade, seja nas nossas lojas que também estão entregando, que estamos batendo a meta.
"No último quadrimestre do ano passado, começamos a crescer de novo, quando tivemos uma receita mais consistente e voltando a ter melhores números"
Tok&Stok Studio não existirá mais?
Não, não mais. Temos mais duas que estão bem, porque são colocadas em shoppings de muito fluxo. Essas duas ainda estão dentro do objetivo do Ebitda, dão resultado pelos números delas. Mas não vamos fazer.
A loja física tem futuro?
Acredito que a loja física ainda tem futuro. Muita gente pergunta se será tudo pelo online? Não, pelo nosso segmento, pelo tipo de produto que a gente vende, pela vontade de oferecer essa jornada inspiracional para o nosso cliente. Você não vê lojas assim no Brasil, que permitam ao cliente ter essa experiência como se fosse uma experiência de casa, de ter todos os ambientes da casa, de ter de forma variada, por tendência, acabamento, por proposta de valor, de lifestyle diferenciado, isso é difícil. Acredito que a loja física tem o seu papel e a sua importância dentro dessa jornada.
Há previsão de abertura de lojas ainda este ano?
Nenhuma. Primeiro o Ebitda positivo. Temos ainda 51 lojas, contando o outlet, em todo o território. Temos realmente que crescer e ter esse Ebitda positivo porque temos um desafio grande que é pagar a nossa dívida com os bancos.
Como está a questão da dívida neste momento?
Conseguimos negociar a reestruturação no ano passado, mas vamos começar em 2025 a pagar os juros dessa dívida cujo “balão”, como eles dizem, fica lá em 2029. Precisamos honrar esse compromisso para não fazer uma nova negociação. Provavelmente temos um curso para capitalizar um pouco mais a empresa, mas vamos seguir firme.
E como está a relação com o Carlyle?
A gente ainda tem de definir bem o caminho porque, sem dúvida, eles estão procurando um caminho para poder fazer a saída deles. Faz 12 anos que estão conosco. Então essa saída é sempre um motivo de uma conversa mais difícil. Mas sempre nos demos muito bem com eles, afinal, é uma convivência de 12 anos e temos de ficar bem. Mas temos de definir esse caminho. Realmente, eles precisam sair, eles colocam isso para nós e a gente tem de achar uma proposta que permita que seja boa, em primeiro lugar, para a empresa, que é super importante, e em segundo lugar para os sócios. Isso que estamos construindo.
Recentemente, o CEO da Decolar analisou para o NeoFeed quanto a empresa dele ganhou com duas concorrentes que sumiram do setor de turismo. No seu mercado, seus concorrentes estão em busca de recuperar a rentabilidade. Essa “nova Tok&Stok” passou a ser mais atrativa para os clientes?
Essa é uma pergunta difícil de responder porque o varejo ainda está em uma fase difícil. O período macroeconômico é muito complicado. Todo o varejo está em uma situação que não é tão favorável. É difícil também entender essa captação de clientes que estão decepcionados pelo lado mais "comoditizado" do produto. Sabemos que temos um cliente fiel à nossa proposta de valor. Temos de ficar nessa proposta de curadoria. Temos uma coleção de 8 mil a 10 mil produtos no máximo. Nossos concorrentes, às vezes, entram em coleção infinita de produto, com 35 mil a 45 mil, colocando marcas e produtos agregados, catálogos de fábricas. É uma questão de ser marketplace. Querem ser uma Amazon, um Mercado Livre da vida. É outra proposta. A nossa é de curadoria, 80% da nossa coleção é exclusiva, desenvolvida em casa.