O temor de uma possível escalada da guerra no Oriente Médio, após o Irã disparar uma bateria de mísseis contra Israel - neutralizada pela defesa aérea israelense -, voltou a colocar o mercado internacional de petróleo sob alerta. E por um motivo justificado: a região conflagrada é responsável por 34,1% da produção e detém mais de 60% das reservas mundiais de petróleo.

Embora a instabilidade política no Oriente Médio esteja afetando a cotação do preço do barril nos últimos anos com menos peso que no passado, a possibilidade de Israel bombardear refinarias de petróleo iranianas tende a gerar algum impacto imediato na cotação internacional do barril, uma vez que o Irã produz cerca de 4% do petróleo consumido no mundo.

O preço do barril subiu mais de 4% desde o início da primeira semana de outubro, mas ainda se encontra num patamar razoável dada a escalada de tensão, cotado pelo índice Brent a US$ 77 o barril no fechamento de quinta-feira, 3 de outubro.

Mas o que mais preocupa especialistas do mercado de óleo e gás é a ampliação do conflito que esse eventual ataque de Israel a refinarias do Irã possa causar. Uma possibilidade repetida nos cenários de análise de risco seria uma retaliação do Irã, bloqueando o Estreito de Ormuz – rota marítima por onde trafegam cerca de 30% do petróleo bruto produzido no mundo, incluído de grandes produtores, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Neste caso, a expectativa é que o preço do barril ultrapasse o fatídico “três dígitos”, ou seja, entre numa espiral superior a US$ 100, crescendo à medida de novos ataques ou com a demora para regularização do transporte por parte dos navios petroleiros.

A cotação relativamente normal até agora é atribuída, entre outros motivos, à incerteza de qual estratégia de retaliação será adotada por Israel. É possível que os ataques se limitem a alvos militares, como instalações de defesa aéreas ou base de mísseis, por exemplo, o que não afetaria o preço do barril.

O governo dos Estados Unidos tem pressionado Israel a evitar ataques principalmente a instalações nucleares e refinarias iranianas. Por isso, agências de riscos têm estipulado em 30% a possibilidade de bombardeios a refinarias de petróleo do país persa.

Fernando Ferreira, diretor de risco geopolítico da Rapidan Energy Advisors, consultoria baseada nos Estados Unidos, afirma que um ataque nas instalações de petróleo do Irã certamente seria suficiente para alterar o preço do barril.

“São entre 1,5 milhão e 1,8 milhão de barris de petróleo diários produzidos pelo Irã que seriam retirados do mercado, o que estruturalmente poderia levar semanas ou meses para voltarem a ser oferecidos”, diz Ferreira ao NeoFeed.

Ampliação da guerra

Mas o especialista adverte  que uma eventual retaliação iraniana envolvendo outros países da região como resposta ao bombardeio de suas refinarias seria inevitável. “Ficaria surpreso se não ocorressem ataques do Irã no Estreito de Ormuz, como fazem desde o ano passado os guerrilheiros houtis, do Iêmen, no Mar Vermelho, bloqueando os navios-contêineres que trafegam na região”, diz.

Ferreira lembra que, diferentemente da rota do Mar Vermelho, que pode ser evitada contornando o sul da África, a do Estrito de Ormuz limita as opções de Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Segundo ele, como são cerca de 18 milhões de barris diários de petróleo e derivados que passam pelo Estreito de Ormuz, o impacto seria muito grande, afetando o preço do petróleo no mundo inteiro. Ferreira diz que, neste cenário, os EUA provavelmente agiriam de forma rápida para liberar a passagem pelo estreito, mas o impacto no mercado continuaria relevante.

“O preço do petróleo certamente afetaria o mundo inteiro, chegando ao consumidor”, prevê, lembrando que mesmo que a Opep liberasse a capacidade extra de que dispõe e não coloca no mercado para manter os preços competitivos (6 milhões de barris diários) teria dificuldade de viabilizar: “A maioria dessa reserva está na região, ao norte do estreito de Ormuz.”

João Abdouni, analisa da Levante Investimentos, afirma que é possível que uma guerra mais intensa na região possa levar a um choque no petróleo, mas ainda é cedo para assegurar que tal movimento ocorra.

Abdouni, porém, vê uma possibilidade de a Petrobras obter alguma vantagem: “Para a estatal, a alta dos preços do petróleo sempre será positiva, desde que os volumes de importação da empresa estejam menores do que os de exportações, situação que se mantém desde 2016.”

Xisto rendentor

A demora para a escalada de tensão no Oriente Médio repercutir no preço do barril chamou a atenção para uma mudança no peso do mercado internacional de petróleo nos dias de hoje.

Até poucos anos atrás, qualquer sinal de instabilidade no Oriente Médio era a senha para uma disparada na cotação do preço do barril de petróleo, afetando câmbio e produção econômica nos quatro cantos do mundo.

Na crise do Oriente Médio de 1973-74, em associação com um embargo da Opep, o petróleo subiu 300%, enquanto o índice S&P 500 caiu pela metade. Por volta da Guerra do Golfo de 1990, o preço do barril dobrou, enquanto o S&P 500 caiu quase 20%.

A última turbulência no Oriente Médio – o ataque dos houtis aos navios-contêineres no Mar Vermelho - teve um efeito apenas moderado nos preços da energia e pouquíssimo impacto nos mercados de ações globais: o S&P está 20% mais alto do que quando esse conflito começou, em novembro do ano passado.

Essa guinada se deve à descoberta e aumento exponencial de exploração de xisto de petróleo e gás nos EUA, com produção em níveis recordes a partir deste século, levando o país deixar de ser importador para se transformar em exportador de petróleo.

Esse ativo permitiu aos EUA formar uma "grande reserva de ponte" de estoques de petróleo bruto para ajudar a mediar o efeito de quaisquer oscilações de preço. O país tem cerca de 383 milhões de barris (cerca de 50 % da capacidade) restantes em sua reserva estratégica de petróleo, que foi criada após o embargo dos anos 1970, além de 413 milhões de barris em estoques comerciais de petróleo bruto.

Ou seja, um choque de petróleo do Oriente Médio não vai devastar a economia dos EUA da mesma forma que aconteceu nos anos 1970. Os EUA consomem cerca de 20 milhões de barris de petróleo por dia.

“De fato, o impacto para os EUA pode ser menor pela redução da dependência do petróleo proveniente do Oriente Médio, contudo essa região ainda continua sendo a principal produtora e os impactos da guerra não podem ser negligenciados”, adverte Vivian Ribeiro Madsen Figueiredo, do escritório Almeida Prado e Hoffmann Advogados e especialista do mercado de óleo e gás.

O tema entrou na campanha presidencial americana antes da escalada da crise, com os republicanos acusando o governo Joe Biden de deixar o país exposto a um choque de petróleo, evitando fazer grandes estoques de petróleo. O candidato Donald Trump, por exemplo, promete reforçar as reservas americanas "imediatamente”, se eleito em novembro.

Ferreira, da Rapidan Energy Advisors, afirma que um aumento do preço da gasolina nos EUA – uma possibilidade no caso de escalada da crise – pode favorecer o candidato republicano nas eleições: “O preço da gasolina costuma subir rápido, mas sempre demora para baixar.”