John Elkington está para a sustentabilidade empresarial assim como Philip Kotler para o Marketing ou Michael Porter para a competitividade. Quem já tratou de sustentabilidade numa empresa certamente ouviu falar dele.
E se não ouviu nada a respeito do criador, já foi apresentado, em algum momento das últimas duas décadas, à sua criatura, o Triple Botton Line (TBL), o equilíbrio entre resultados econômicos, sociais e ambientais.
Sobre o TBL, vale dizer, boa parte das empresas que, nos últimos anos, alegou realizá-lo no cotidiano dos negócios, sequer compreendeu direito o seu conteúdo aspiracional. Convenientemente, ainda hoje é usado como base para mantras corporativos. Preenche discursos vazios de prática.
Escrito em inglês, sem tradução, e quase sempre associado à expressão “nosso DNA”, serve muitas vezes para encorpar textos escritos por assessores para a mensagem do presidente em relatórios de sustentabilidade.
O fato é que o próprio Elkington parece ter se libertado dele. Antes mesmo da ascensão mais recente do ESG, um conceito substituto adotado pelo mercado financeiro, ele considerou o TBL esgotado.
Não apenas porque o conceito deixou de atender aos novos desafios sociais, ambientais e de governança das empresas, mas porque não incorporou a noção de regeneração, uma espécie de passo seguinte ao da eliminação de impactos negativos.
Se o TBL já vai ficando para trás, o inglês Elkington—como se espera dos pensadores visionários—avançou na ressignificação de sua criatura. É o que se verá em seu novo livro.
“Cisnes Verdes: o novo boom do capitalismo regenerativo”, a ser lançado em abril, trata exatamente de como atores ligados a governos, empresas e organizações da sociedade civil, e também suas ideias e iniciativas (os “cisnes verdes”, em oposição ao conceito de “cisne negro” criado por Nassim Nicholas Taleb) estão inovando (ou como prega Elkington ,“desencadeando espirais positivas ascendentes”) para enfrentar a emergência das mudanças climáticas e a consecução dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
À frente da Volans, o autor de “Canibais de Garfo e Faca” criou e mantém um produtivo Fórum do Capitalismo do Amanhã. Na edição mais recente desse encontro, realizada em janeiro último, Elkington fez uma sondagem criativa e inusitada: convocou 300 potenciais “cisnes verdes”, ou estudiosos dos mesmos, a refletirem sobre as mudanças que, nos próximos 12 meses, poderão acelerar a ascensão de um novo tipo de capitalismo, mais resiliente e regenerativo, menos intensivo no uso de recursos naturais e nas emissões de carbono.
Note bem: o especialista reuniu agentes transformadores para pensar nas mudanças que eles “querem ver” sem garantia de quando e em que nível de intensidade elas acontecerão. Dado o fato de que representam um grupo de atores muito influentes, protagonistas diretos da construção do futuro, resolvi dividir com o leitor alguns dos seus achados que me parecem confirmar tendências já identificadas e em curso.
O especialista reuniu agentes transformadores para pensar nas mudanças que eles “querem ver” sem garantia de quando e em que nível de intensidade elas acontecerão
O primeiro tem a ver com a mudança recentemente observada nos fluxos financeiros. Na avaliação do grupo de estudos dos “cisnes verdes”, o dinheiro deve ir cada vez mais para empresas que oferecem produtos e serviços sustentáveis com clara diferenciação e contribuem, diretamente, para uma economia mais regenerativa.
Haverá crescente desinvestimento em negócios movidos a energia de combustíveis fósseis. E um aumento gradual e considerável do capital investido em infraestrutura, inovação e iniciativas com valor mensurável voltadas para o bem estar de grandes grupos de pessoas.
A transição no fluxo de capital seguirá ocorrendo, na visão dos entrevistados, como consequência de uma mudança nos critérios de risco e oportunidade, ativos e passivos, dos donos do dinheiro. Uma prova recente disso é a ascensão do ESG como nova régua padrão para investidores.
Outro indicador interessante diz respeito à expansão notória no chamado investimento responsável e de impacto. A chamada Green finance está deixando de ser uma alternativa para virar mainstream, como resultado de uma nova visão de retorno do investidor, cada vez mais atrelada à ideia de prosperidade obtida não só com menor impacto negativo, mas maior impacto positivo, para as pessoas e o planeta.
Grandes players do mercado global de investimento, como BlackRock, Vanguard e State Street, têm enviado sinais claros de que vão fechar a torneira de recursos para negócios que insistirem na direção contrária, o que significa, na prática, tirar do jogo CEOs (que um dia fizeram sucesso) demasiadamente apegados às regras declinantes do business as usual.
Na avaliação do grupo entrevistado, as decisões de negócio serão cada vez mais baseadas em diferentes (e melhores) dados e métricas. Questões sociais e ambientais vão ganhar crescente destaque. Relatórios não financeiros terão maior peso estratégico. O carbono (cujo preço virá a ser regulado por um mercado global) e diferentes outras externalidades, hoje não devidamente contabilizadas, como as ligadas à emergência climática, integrarão novos padrões e práticas contábeis globais.
A chamada Green finance está deixando de ser uma alternativa para virar mainstream
Os protagonistas do Fórum do Capitalismo do Amanhã acreditam ainda que os governos, hoje tímidos na média, tenderão a fazer melhor a sua parte, responsabilizando as empresas negligentes em relação aos impactos nas pessoas e o planeta. Sua atuação se dará na forma de regulamentação mais dura para setores importantes, como o financeiro e o industrial, forçando-os a pagar a conta hoje pelos impactos ambientais e a investir em medidas de eliminação e mitigação.
E também na forma de tributação: com impostos adicionais para empresas com produtos ambientalmente incorretos e, no outro extremo, o da premiação, com redução de impostos para aquelas que, por exemplo, utilizarem energia limpa, consumirem menos água na produção, reaproveitarem materiais, inovarem em insumos mais sustentáveis ou mesmo evitarem a descarga de gases de efeito estufa na atmosfera.
A favor da transparência, os entrevistados projetam também a assinatura de acordos internacionais juridicamente vinculantes para pôr fim aos paraísos fiscais que favorecem a desigualdade social; e legislações ou regulamentos, cada vez mais restritivos, que obriguem as empresas a garantirem a equidade de interesses dos stakeholders frente aos dos acionistas.
Graças a uma revisão de consciência, motivada por diferentes fatores de pressão, entre os quais também o das gerações Millenial, X, Y e Z, as empresas devem migrar cada vez mais da lógica do “lucro a qualquer custo” para a do “propósito na frente do lucro.” Este tema, não por acaso, surgiu com força nos debates do Fórum Econômico Mundial de Davos deste ano.
Os entrevistados projetam também a assinatura de acordos internacionais juridicamente vinculantes para pôr fim aos paraísos fiscais que favorecem a desigualdade social
Segundo os privilegiados atores ouvidos por Elkington, essa migração já está em andamento com o interesse crescente de empresas pela certificação B-Corp, por metas de eliminação de impactos socioambientais negativos até 2030 e por compromissos de resultados positivos (regenerativos) até 2050.
Os “novos capitalistas” prevêem um aumento importante no número de empresas interessadas em declarar publicamente o seu propósito social, o que as levará a querer reportar como estão fazendo para reduzir os abismos salariais entre CEO e chão de fábrica, enfrentar a pobreza e desigualdade, melhorar as taxas de emprego, incluir comunidades marginalizadas, abrir mão da orientação do botton line trimestral e ainda abandonar negócios lucrativos mas insustentáveis.
No esforço de acelerar transformações sistêmicas, pensam os entrevistados, cada vez mais empresas vão se reunir em redes e atuar de modo colaborativo para solucionar grandes problemas globais comuns como os das emissões de carbono, da crise de resíduos, da contenção das matrizes energéticas sujas e da escassez de água.
Politicamente mais articuladas, elas passarão a usar a sua influência para promover reformas de mercado que assegurem maior criação de valor socioambiental e a cobrar o fim de práticas, a serem consideradas cada vez mais retrógradas, como os subsídios fiscais para companhias e infraestrutura ligadas a combustíveis fósseis.
No âmbito dos conselhos empresariais, crescerá, por tabela, a consciência de que determinados modelos de negócio não são mais compatíveis com o combate às mudanças climáticas. E mais: que se quiserem elevar seus compromissos com o planeta e a sociedade, as empresas terão de investir em políticas de incentivo para executivos e conselheiros inteiramente condicionadas a resultados de sustentabilidade.
Se quiserem elevar seus compromissos com o planeta e a sociedade, as empresas terão de investir em políticas de incentivo para executivos e conselheiros inteiramente condicionadas a resultados de sustentabilidade
A esta altura, o leitor mais cético pode estar pensando quão sonhadores parecem os artífices do capitalismo do amanhã e também os “cisnes verdes.” Impossível ser um cisne verde sem perseguir uma utopia.
O fato é que esse sonho, longe de ser um delírio, concentra a sua fortaleza na constatação de que não se pode mais aceitar o lucro em prejuízo de pessoas e meio ambiente; e na ideia, cuja hora chegou, de que um bom sistema econômico é aquele capaz não “de se servir da” humanidade mas “servir à” humanidade, em sintonia com as demandas contemporâneas das sociedades e do planeta.
Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável, consultor master, escritor, palestrante e conselheiro de empresas. Criador da Plataforma Liderança com Valores, escreveu dez livros, entre os quais “Conversas com Líderes Sustentáveis” (SENACSP/2011). É professor da Fundação Dom Cabral e do ISAE-FGV.