"Percepção de que o mercado de pagamentos no Brasil possa estar saturado pode estar errada”; “A ‘falsa saturação’ dos meios de pagamento”; e “O profit pool em meios de pagamento no Brasil pode crescer cerca de 40%...” Essas são algumas das teses frequentemente defendidas nos debates sobre o futuro dos meios de pagamento no Brasil. E, em boa medida, elas estão corretas.

O mercado de pagamentos brasileiro continuará relevante, rentável e com novas oportunidades. No entanto, essa narrativa, por vezes otimista, tem desviado o foco de uma questão técnica fundamental: estamos, sim, nos aproximando de um ponto de saturação da participação dos meios eletrônicos de pagamento no consumo privado — e isso precisa ser compreendido em seus devidos contornos.

Saturação, neste contexto, não significa o fim da indústria ou a extinção de seus agentes, mas sim a redução progressiva da capacidade de crescimento orgânico por penetração de novos clientes e novos volumes transacionais.

De acordo com Kotler (Marketing Management), saturação ocorre quando a maior parte do público-alvo já adotou o produto ou serviço, restando pouco espaço adicional de expansão. Porter (Competitive Strategy) complementa: nesses mercados, o crescimento depende cada vez mais da captura de participação de mercado de concorrentes ou da criação de novos modelos de valor.

O Brasil chegou à saturação da função pagamento?

Se olharmos o setor de cartões de pagamento, entre 2009 e 2024 ele apresentou um crescimento médio anual de 17%, impulsionado pela substituição do dinheiro e cheques. Esse ciclo de crescimento estrutural foi responsável por ampliar a penetração dos cartões para aproximadamente 53% do consumo privado das famílias brasileiras.

Ao mesmo tempo, enquanto a indústria de cartões continuava sua trajetória consistente de crescimento, um novo trilho de pagamentos, o Pix, surgiu em 2020 e, em apenas quatro anos, conquistou 35% de participação no consumo privado. Assim, somando-se cartões e Pix, os meios eletrônicos de pagamento já representam juntos mais de 90% desse universo de consumo.

Em outras palavras: o espaço de crescimento por digitalização pura foi amplamente capturado.

Aqui é importante destacar que até mesmo estudos recentes, como o apresentado pela Bain & Company durante o 18º Congresso de Meios Eletrônicos de Pagamento (CMEP), promovido pela Abecs em abril de 2025, confirmam a aproximação desse teto de penetração.

A Bain adota ajustes metodológicos ao conceito de consumo privado, incorporando despesas informais, autoconsumo e transferências internas, o que amplia em 20% a 24% o tamanho do mercado potencialmente endereçável.

Além disso, ajusta o volume transacionado via Pix P2B para incluir movimentações que representam consumo real das famílias, como transações em ambientes informais, recargas de e-wallets e pagamentos de faturas de cartão de crédito por meio do Pix.

Esses ajustes buscam aproximar as estimativas do volume efetivo de pagamentos realizadas pelas famílias no ambiente digital, oferecendo uma visão mais abrangente do espaço transacionado.

Mesmo assim, a Bain reconhece que a penetração dos pagamentos digitais já atinge entre 80% e 86% em 2024, devendo chegar a 90% em 2026. Ou seja, embora existam diferenças na forma de medir o numerador e o denominador, ambos os lados estão descrevendo essencialmente o mesmo fenômeno: a saturação da penetração no consumo privado está cada vez mais próxima do seu limite técnico e econômico.

As duas narrativas que hoje convivem

Os debates atuais refletem duas formas legítimas, porém distintas, de enxergar o futuro: a análise do profit pool total (Bain & Company, 2025), que considera não apenas o volume transacional, mas também as receitas com crédito, parcelamento, antecipação de recebíveis, MDR, juros rotativos e serviços agregados. Sob esse prisma, a Bain projeta um crescimento de até 40% no total de receitas até 2030, chegando a R$ 169 bilhões.

E a análise da função pagamento (análise aqui desenvolvida): observa o crescimento do TPV puro, as participações relativas entre trilhos e a capacidade incremental de penetração no consumo privado. Sob esta ótica, o crescimento dos cartões já desacelerou para taxas médias próximas de 1% ao ano até 2028, enquanto o Pix continua capturando volumes expressivos.
Ambas as leituras são verdadeiras. A divergência ocorre quando uma é apresentada como refutação direta da outra.

Projeções distintas, mas conclusões muito próximas

Embora existam diferenças metodológicas entre as projeções da Bain & Company e as minhas próprias estimativas para o mercado de pagamentos no Brasil até 2028, o ponto central de ambas as análises leva, na prática, a conclusões muito semelhantes.

No caso da Bain, em 2024 os cartões de pagamento representavam 44% do consumo privado e o Pix P2B, 35,5%. Para 2028, a Bain projeta que a participação dos cartões se reduza para 38%, enquanto a do Pix se eleve para 56%.

Já nas minhas estimativas, em 2024 os cartões de pagamento representavam 53% do consumo privado, enquanto o Pix P2B respondia por 35%. Para 2028, a participação dos cartões recua para 39% e a do Pix atinge 54%.

Apesar das diferenças metodológicas e dos pontos de partida distintos, ambas as projeções descrevem o mesmo movimento estrutural: perda de participação dos cartões e avanço do Pix como trilho dominante. A dinâmica competitiva do mercado passa a ser definida por essa mudança de composição dentro de um sistema que já atingiu níveis elevados de penetração dos meios eletrônicos de pagamento no consumo privado.

Resumindo, mesmo com critérios de modelagem diferentes, o quadro que se desenha para 2028 é praticamente o mesmo. E confirma a tese central: o ciclo de crescimento por penetração está próximo do esgotamento. A partir de agora, o crescimento das empresas dependerá essencialmente de capturar market share dentro desse mercado já amplamente digitalizado.

A força disruptiva do Pix só está começando

Este não é mais um mercado de expansão estrutural. É um mercado de migração competitiva de volumes. O crescimento futuro não será mais impulsionado apenas pela digitalização básica, mas sim: pela integração de jornadas; pela personalização via IA e dados comportamentais; pela eficiência operacional e redução de atritos; pelo domínio da experiência digital de ponta a ponta.

O Pix se consolida como a principal força disruptiva dessa nova fase, impulsionado por funcionalidades que ampliam continuamente sua capacidade de captura de volumes: Pix por Aproximação: substituição expressiva das transações com cartões de débito e pré-pago; Pix Automático: captura de pagamentos recorrentes hoje processados pelos cartões de crédito; crédito via trilho do Pix: oferta de crédito ao consumidor integrada às transações com Pix, já disponibilizada por fintechs e bancos.

A disputa por market share não se dará somente entre participantes do trilho dos meios de pagamento com cartões, mas principalmente entre cartões e Pix. O novo trilho de pagamento instantâneo é o disruptor e deve terminar 2028 com uma participação no consumo privado em torno de 54%.

Os agentes mais preparados para essa nova lógica — incluindo fintechs, plataformas de mensageria e orquestradores digitais — poderão capturar participação diretamente das instituições incumbentes, pressionando margens e estruturas tradicionais.

O mercado de pagamentos brasileiro não está morrendo. Ele continua vibrante, inovador e altamente competitivo. Mas o crescimento por penetração de meios eletrônicos está, sim, próximo de seu teto estrutural.

A partir daqui o que veremos não é a expansão contínua do mercado, mas a disputa cada vez mais acirrada por fatias dentro de um sistema já amplamente digitalizado. Quem entender essa mudança de natureza estratégica terá melhores condições de navegar — e liderar — o próximo ciclo.

*Edson Santos é fundador da Colink Business Consulting, especialista em meios de pagamento, autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira - A evolução dos meios de pagamento” e coautor de “Payments 4.0 - As forças que estão transformando o mercado brasileiro”.