No seu último filme, Era uma vez em Hollywood, de 2019, o cultuado diretor Quentin Tarantino tomou a decisão de impedir que a atriz Sharon Tate, grávida de oito meses, e mais quatro pessoas fossem assassinadas pelos fanáticos seguidores do líder messiânico Charles Manson, em 9 de agosto de 1968, na cidade de Los Angeles, Califórnia.

Ao mudar seu trágico destino, Tarantino propôs um exercício de memória e reparação simbólica. Ele imaginou um mundo onde a promessa e a inocência que a atriz representava não foram interrompidas. Essa escolha narrativa — que surpreendeu e emocionou muita gente — foi elogiada como um gesto de respeito à vítima e ao mesmo tempo criticada por outros como escapismo.

Antes do diretor, incontáveis filmes e livros foram realizados sobre a tragédia tida como o fim do sonho americano e da utopia da liberdade da juventude em todo o mundo — da revolução sexual, do movimento hippie e da liberdade.  Tanta violência mostrou que algo andava errado no país.

Nenhuma obra, porém, foi tão importante quanto Helter Skelter — A história real de Charles Manson, de 1974, escrito pelo promotor do caso, Vincent Bugliosi, em parceria com o jornalista Curt Gentry. O volume, com 752 páginas, sai finalmente no Brasil, pela Editora Darkside. Não por acaso, é o livro de true crime mais vendido da história, com mais de 7,5 milhões de exemplares.

O título da obra faz referência a Helter Skelter, uma das músicas do disco The White Album (1968), dos Beatles. Embora o grupo inglês tenha usado um termo que remetia a um brinquedo de parque de diversões (escorregador em espiral), Manson interpretou sua letra como a profecia de uma guerra racial iminente e a ascensão de sua seita ao poder após o caos.

Ele acreditava que os Beatles eram mensageiros apocalípticos e que Helter Skelter anunciava uma nova era a partir da violência que ele e seus seguidores deveriam ajudar a provocar.

O livro combina reportagem, análise jurídica e narrativa de suspense investigativo. O começo é hipnótico, com a descoberta de dois dos cinco corpos pela empregada da casa, que correu até o vizinho e lhe pediu para chamar a polícia.

Com 752 páginas, o livro custa R$ 149,90 (Foto: Editora Drakside)

Eram eles Sharon Tate (atriz grávida de oito meses e esposa de Roman Polanski, que escapou porque estava viajando), Jay Sebring (cabeleireiro famoso), Abigail Folger (herdeira da empresa de café Folger), Wojciech Frykowski (roteirista polonês) e Steven Parent (um jovem visitante que estava saindo da casa de um funcionário do local e foi morto primeiro, ainda no carro).

Tanta gente conhecida despertou interesse da imprensa em todo o país e a ampla cobertura desde as primeiras horas fez com que o clima de terror se espalhasse por Los Angeles. Ninguém estava mais seguro.

Isso aconteceu também por causa da brutalidade e da aparente falta de motivo para os assassinatos. Em seguida, os autores mergulham nas investigações, que enfrentaram grandes dificuldades para relacionar os crimes e identificar seus autores.

Bugliosi descreve como as primeiras ações da polícia foram marcadas por erros e negligências, o que quase permitiu que os culpados não fossem descobertos. Aos poucos, por meio de evidências fragmentadas e depoimentos contraditórios, os investigadores chegaram aos membros da seita.

A carnificina, na madrugada de 9 de agosto de 1969, foi brutal, planejada por Manson, mas executada por seus seguidores.

Por ser um líder carismático e manipulador, ele determinou que seus seguidores cometessem uma barbárie por puro desejo de vingança pessoal. Naquela noite, Tex Watson, Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Linda Kasabian (que não participou diretamente dos assassinatos, mas serviu como olheira e motorista) invadiram a casa onde estavam Sharon Tate e um grupo de amigos.

Watson liderou a ação, cortou as linhas telefônicas e entrou com as mulheres no casarão. As vítimas foram rendidas, subjugadas e brutalmente assassinadas com facas, tiros e enforcamentos. Sharon Tate implorou pela vida de seu bebê, mas foi esfaqueada várias vezes. Jay Sebring também tentou protegê-la e foi morto. Frykowski e Abigail tentaram fugir, mas foram perseguidos e mortos com extrema violência.

Os assassinos escreveram palavras com sangue nas paredes da casa, como “PIG” (porco), numa tentativa de incriminar os Panteras Negras e dar início ao caos racial que Manson chamava de “Helter Skelter”. E não pararam aí. No dia seguinte, 10 de agosto, integrantes da "Família Manson" assassinaram o dono de supermercado Leno e sua esposa Rosemary LaBianca, no bairro de Los Feliz.

Esse crime foi considerado parte da mesma onda de violência ordenada por Manson. Este foi até a casa dos LaBianca com seus seguidores, mas não participou diretamente dos assassinatos. Ele entrou na casa, amarrou as vítimas e depois deixou o local, ordenando que outros membros finalizassem o "trabalho".

Culpa e rejeição

Para a acusação, Mason, que tinha 34 anos, escolheu a casa localizada no número 10050 da Cielo Drive, em Los Angeles — onde moravam Sharon Tate e Roman Polanski — porque o imóvel simbolizava para ele o tipo de elite artística e social que ele desprezava e culpava por rejeitá-lo.

A motivação direta não estava ligada pessoalmente a Sharon Tate (que Manson sequer conhecia), mas, sim, ao produtor musical Terry Melcher, antigo inquilino da casa. Melcher havia demonstrado interesse inicial em Manson como músico, mas depois o rejeitou. Isso foi interpretado por ele como uma traição.

Embora Melcher tivesse se mudado da residência quando os crimes aconteceram, Manson sabia que o lugar representava o mundo das celebridades e do sucesso do qual ele se sentia excluído. Portanto, a escolha da casa foi simbólica.

Na parte final, Bugliosi relata o julgamento de Manson e de seus seguidores, destaca os obstáculos jurídicos enfrentados para responsabilizar alguém que não participou fisicamente dos assassinatos, mas os idealizou e ordenou. O autor descreve os bastidores do tribunal, os depoimentos das jovens seguidoras que ainda estavam sob o domínio psicológico de Manson, e o clima tenso que cercou todo o processo.

Além de narrar os acontecimentos, Helter Skelter é atualíssimo porque oferece uma reflexão sobre os perigos da manipulação, os limites da sanidade e os horrores que podem surgir sob a influência de ideologias distorcidas. Por tudo isso, tornou-se um clássico do gênero true crime e um retrato perturbador de um dos crimes mais emblemáticos do século XX, que mudou a história americana para sempre.

Os envolvidos nos assassinatos da seita, conhecidos como os “assassinatos Tate-LaBianca”, foram julgados em 1970-1971. Os principais receberam condenação à morte, mas a suspensão temporária da pena capital na Califórnia em 1972 converteu essas penas em prisão perpétua, que durou (ou ainda dura) décadas. Mason morreu em 19 de novembro de 2017, aos 83 anos.