Há 20 anos no Brasil, a Iron Mountain guarda em sete estados e Distrito Federal arquivos físicos de bancos, laboratórios, agências de publicidade, Poder Judiciário e de gravadoras, produtoras e museus, mas tem ampliado seus serviços em consultoria e digitalização de obras audiovisuais que geram cada vez mais negócios no mundo virtual

Não é fácil entrar em uma das 83 unidades que a multinacional norte-americana mantém em sete estados brasileiros – São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo, Minas Gerais e Pernambuco – e no Distrito Federal. Para se chegar a determinados depósitos físicos, é preciso atravessar seis ambientes (salas) diferentes e barreiras de identificação que ficam cada vez mais restritas.

O rigor é tamanho que nem o crachá ou a biometria do presidente da empresa Orlando Souza consegue liberar o acesso. Ele tem de contar com a permissão de um ou dois funcionários credenciados. Tantas restrições têm a ver com os acervos valiosos que a companhia guarda de cinco mil clientes brasileiros – 250 mil em todo o mundo.

São documentos de bancos (Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú, Santander), energia elétrica, entretenimento (gravadoras BMG, EMI e Sony e Editora/Rede Globo), saúde (Hospital Albert Einstein e Golden Cross), serviços (Accenture, Deloitte), seguradoras, empresas de porte do varejo, setor público (Tribunal de Justiça SP, ANAC) e milhares de pequenas e médias empresas (PMEs).

No caso do Tribunal de Justiça paulista, são 90 milhões de processos arquivados ao longo de séculos, vários deles com milhares de páginas cada. Nesse mundo de objetos há também telas e esculturas que pertencem a museus e bancos. “Nunca tivemos problemas com furto porque somos uma empresa low-profile, não guardamos coisas de grande valor em todas as unidades, evitamos falar onde cada lote está para não chamar atenção”, diz Souza.

Essa faceta da Iron Mountain é bastante conhecida desde que a empresa chegou ao Brasil, em 2001. Nos últimos anos, porém, a marca ampliou seus serviços e hoje o armazenamento e guarda de documentos correspondem a apenas 20% de seu faturamento. O restante vem da digitalização de acervos (50%) e consultorias (30%) para ajudar as empresas a entrarem definitivamente no mundo digital, com orientação sobre proteção de documentos, destruição de conteúdo físico e digital backup na nuvem – que tem proteção de seis camadas.

Basta aparecer trecho de música esquecida em um vídeo de brincadeira que viralizou e isso provoca uma busca insistente nas plataformas de música. E o que parecia condenado ao limbo volta como um bom negócio

No primeiro grupo está um dos aspectos mais curiosos dos novos negócios: cada vez mais suas equipes restauram e digitalizam músicas, filmes, séries, novelas e outros tipos de programas de TV para alimentar os serviços de streaming – setor que mais cresce em entretenimento no mundo.

Se por bastante tempo a Iron Mountain só guardava matrizes originais de gravações de discos e películas de filmes ou fitas másters de TV literalmente a sete chaves, nos últimos dez anos passou a dar aos clientes a possibilidade de encomendarem escaneamento de tudo ou de pedir que faça isso de acordo com a demanda cada vez mais crescente com os novos modelos de se consumir diversão. Souza afirma que a procura cresce à medida que se busca por mais músicas e filmes ou séries antigas.

Tanto que o faturamento da empresa cresceu 10% em cada um dos dois últimos anos no Brasil. Em seu acervo estão perto de 400 mil registros das maiores e mais importantes gravadoras, cantores e bandas. Desse universo, mais de 70% ainda não estão nas plataformas de música.

A Iron Mountain não revela detalhes do que guarda na área cultural por medida de segurança. Mas sabe-se que cuida, por exemplo, das 91 fitas com gravações da Legião Urbana – com versões alternativas, ensaios, sobras e testes de estúdio – que foram alvo de briga judicial recente entre o herdeiro do artista e os outros componentes da Legião Urbana.

Outros nomes não mais lembrados podem simplesmente reaparecer como demanda e a gravadora ou artista pede sua localização e digitalização, graças a aplicativos como TikTok e Instagram. Basta aparecer trecho de música esquecida em um vídeo de brincadeira que viralizou e isso provoca uma busca insistente nas plataformas de música. E o que parecia condenado ao limbo volta como um bom negócio e pode ser aproveitado em outras mídias como vídeos de comerciais de TV e internet, filmes e séries.

E pode render uma boa receita. “Conseguimos colocar na nuvem conteúdo de mais de 50 tipos de mídias de áudio, vídeo, texto, fotos, reportagens, jogos etc.”, explica o presidente. Com o auxílio de programas avançados, é possível, com uma foto ou palavra-chave localizar todas as menções em vídeos e áudios de alguém. Permitem também achar todas as músicas que contenham palavra tristeza ou saudade, por exemplo.

Orlando Souza, presidente da Iron Mountais: colocam na nuvem mais de 50 tipos de mídias

Antes da digitalização dos documentos e material audiovisual, há a demanda do inventário, pois nem mesmo as gravadoras e emissoras de TV sabem o que possuem, devido à quantidade de produção e a velocidade com que tudo acontece. “O que tenho ali?”, é a pergunta que várias empresas fazem antes de contratar o serviço da Iron Mountain.

“Nesse processo, a gente começa a indexar informação: o ano de cada música, a qualidade da conservação, o conteúdo etc. Com base nisso, o cliente decide o que precisa digitalizar logo”, diz o presidente. Sua empresa tem equipes próprias que fazem esse trabalho, como bibliotecários, arquivistas, técnicos de som e de vídeo.

No Brasil, são mais de dois mil funcionários. Vários têm entre dez e quinze anos de casa. “Todos sabem do valor daquilo que cuidam e temos noção clara do aspecto histórico, social, cultural e de vida que envolve nosso trabalho, da nossa responsabilidade ao cuidar de parte importante da memória artística de um país e isso motiva nossos empregados”, observa o executivo.

Souza conta que em países da Europa, a empresa tem uma divisão sofisticada para guarda, manutenção e transição temporária (para leilões) de telas e outros objetos de museus importantes como Louvre e Metropolitan, entre outros. “Nossa responsabilidade de guardião é grande e o preço que a gente cobra é o da alta segurança, de sermos uma parceira que os clientes possam confiar”.

O custo é variável, explica ele, sem citar valores. Depende da situação do acervo, se veio catalogado, organizado, se será digitalizado, no caso de documentos e mídias, etc. “Fazemos tudo artesanal e montamos um orçamento sobre o que será preciso fazer, quantos profissionais vamos mobilizar”.

Sabe-se que a Iron Montain cuida, por exemplo, das 91 fitas com gravações da Legião Urbana – com versões alternativas, ensaios, sobras e testes de estúdio – que foram alvo de briga judicial

Um dos desafios é convencer novos clientes ou potenciais contratantes da importância da preservação da história de um empreendimento, negócio ou instituição. No primeiro momento, seus responsáveis olham mais custo pelo custo, afirma Souza. “O que é caro, perder todo o acervo documental de uma empresa ou o a parte da memória cultural de um povo ou mantê-lo protegido?” E seus 42 prospectores têm bons argumentos para explicar por que que o barato pode sair caro.

Tudo precisa passar por um inventário e a maioria dos responsáveis fica maravilhada quando descobre o que tem. Muitas empresas, como as que produzem músicas, filmes e programas de TV, não usam o que produziu por tanto tempo porque não sabe onde está uma imagem, uma música, e a Iron Mountain oferece um cardápio amplo para jogar tudo na nuvem.

É um negócio tão promissor que, nos próximos anos, pretende ampliar sua atuação em gerenciamento de dados virtuais, serviços de digitalização, restauração e migração de mídia e automação de processos. Sem o contato físico e deslocamentos, mantidas em ambientes adequados, as mídias se deterioram menos.

“Viramos também uma empresa de logística que viabiliza acesso a essa informação, com milhares de funcionários e carros para entregas. O cliente entra no software, pede e atendemos o mais rápido possível, com segurança e conforto”, conta Orlando Souza, um entusiasta dos novos tempos. Com toda razão.

O caso da Cinemateca Brasileira

Toda vez que se fala em preservação de acervo no Brasil, a Cinemateca Brasileira, localizada no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, é lembrada como uma bomba-relógio permanente, uma vez que está sempre com problemas de recursos para preservar seu precioso acervo.

Em suas instalações está o maior e mais completo arquivo do cinema nacional – com cerca de 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos relacionados à sétima arte. E, como película é um material altamente inflamável, os cuidados necessários são sofisticados e caros, teme-se pelo pior.

Não por acaso, parte desse material, depositado no galpão da Vila Leopoldina, Zona Oeste da capital, pegou fogo em 29 de julho do ano passado. O local abrigava quatro toneladas de documentos sobre a história do cinema no Brasil, equipamentos que eram relíquias para um futuro museu e parte do acervo do cineasta baiano Glauber Rocha.

A Iron Mountain até buscou uma parceria com a instituição, mantida pelo Governo Federal, mas a burocracia e a falta de interesse dos gestores dificultaram o processo. “A gente tentou fazer um contato, mas colocaram um termo no edital de licitação que buscaria empresas não credenciadas para fazer aquele tipo de manutenção tão especial que a gente oferece”.