No fim da década de 1990, a Microsoft dominava o mercado de tecnologia e impunha a sua força goela abaixo de qualquer competidor que tentasse atravessar o seu caminho. Naquele tempo, a Apple não tinha a força que possui hoje, a Amazon ainda engatinhava, o Google acabava de nascer e o Facebook nem existia.

Foi nessa época que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos acusou a empresa de Bill Gates de exigir que todos os PCs vendidos com o sistema Windows viessem acompanhados do navegador Internet Explorer. A companhia de Seattle acabou asfixiando o navegador Netscape, que sucumbiu ao ostracismo, e teve de encarar os tribunais e as leis antitruste.

Houve até um juiz federal que sugeriu a divisão da Microsoft. O fato é que ela esteve sob o escrutínio da Justiça por 13 anos, o que durou até 2011, e teve de se adequar a uma série de exigências.

Durante esse período, as outras chamadas big tech cresceram soltas e ganharam uma força inimaginável. Agora, os órgãos reguladores dos Estados Unidos querem frear essas robustas locomotivas.

A imprensa americana noticiou que a Comissão Federal do Comércio (FTC, em inglês) e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ, em inglês) preparam uma ofensiva contra a Apple, liderada por Tim Cook; Google, comandada por Sergey Brin e Larry Page; Facebook, de Mark Zukerberg; e Amazon, de Jeff Bezos.

Além disso, deputados do Partido Democrata anunciaram que farão a própria investigação sobre o poder incontrolável dessas empresas de tecnologia, acusadas de monopolizar mercados e acabar com seus concorrentes.

O efeito das notícias foi avassalador. As grandes empresas do Vale do Silício perderam US$ 140 bilhões em valor de mercado em um único dia. De acordo com o The Wall Street Journal, a Comissão Federal do Comércio vai investigar a Apple e o Google, e o Departamento de Justiça voltará suas atenções ao Facebook e a Amazon.

As grandes empresas do Vale do Silício perderam US$ 140 bilhões em valor de mercado em um único dia

A preocupação dos órgãos de fiscalização não acontece por acaso. O Facebook, por exemplo, acumula sucessivos vazamentos de dados dos seus usuários, além de ser acusado de abuso de poder econômico – a companhia é dona do Instagram e do WhatsApp. Nesse segundo item, o Google também encontra-se na mira, assim como a Amazon, responsável por 49% de todo o e-commerce americano.

Mesmo a Apple, acostumada com clientes devotos, vem aborrecendo muitos deles com práticas que os trancam cada vez mais aos sistemas e aplicativos da maçã. Algumas reclamações já foram parar na Suprema Corte americana.

“Foram anos crescendo de forma agressiva, sem o devido controle dos órgãos reguladores. Agora os agentes públicos parecem ter percebido o tamanho do problema e tentam correr atrás do prejuízo”, diz Jeff Chester, diretor-executivo do Centro para Democracia Digital. Mas não há uma saída fácil.

A grande expectativa no momento diz respeito à decisão do FTC sobre o caso envolvendo o Facebook e a consultoria Cambridge Analytica, que obteve informações dos usuários da rede social para influenciar na eleição presidencial americana e no referendo do Brexit.

O órgão já sinalizou que a multa ao Facebook pode chegar a US$ 5 bilhões, mas alguns dos integrantes do FTC querem mais. O argumento é de que não adianta penalizar o Facebook com uma conta que Zuckerberg pode pagar sorrindo. “O clima é de que foram lenientes demais durante muito tempo e agora precisam ser mais firmes”, diz Chester.

O cerco na Europa

Os americanos acordaram só agora para um problema que a União Europeia vem apontando há alguns anos. Em março, o Google recebeu sua terceira multa em dois anos, que, somadas, chegam a US$ 9,3 bilhões. Segundo o veredicto, a empresa vinha impedindo que alguns sites aceitassem publicidade de concorrentes do Google, violando assim as leis antitruste locais.

Por lá, a cruzada para coibir o poder das big tech tem sido ainda mais ferrenha: além do Google, já foram multadas Apple, Amazon e Facebook. Muitos se perguntam por que a situação chegou a esse ponto. E aí, sobram críticas também para os agentes públicos, sobretudo por não terem freado o processo de aquisições e a consequente concentração de mercado.

A aquisição do WhatsApp e do Instagram pelo Facebook, por exemplo, foi aprovada tanto pelo FTC como pela União Europeia, assim como a aquisição do YouTube pelo Google e diversos outros casos. Segundo levantamento da agência Bloomberg, as big tech (incluindo a Microsoft) gastaram US$ 155,7 bilhões na última década na aquisição de outras empresas.

As big tech (incluindo a Microsoft) gastaram US$ 155,7 bilhões na última década na aquisição de outras empresas

Na visão de especialistas, as leis antitruste e, principalmente, a forma como vêm sendo interpretadas, não acompanharam a evolução tecnológica. “Pelo modelo clássico, o conceito de monopólio está ligado a abuso de preços ao consumidor. O Facebook, por exemplo, é de graça. Mas o custo de usá-lo, considerando o montante de dados que somos obrigados a fornecer, é de uma magnitude que os reguladores não dão conta”, escreveu a pesquisadora americana Dina Srinivasan, autora do badalado artigo “The Antitrust Case Against Facebook”.

Uma das consequências do abuso de poder econômico é, segundo ela, justamente o descaso quanto à privacidade dos dados de usuários. “As pessoas não lembram, mas quando havia MySpace e Orkut, o diferencial do Facebook era a privacidade. Foi assim que eles se apresentaram ao mercado. Agora, com todos os concorrentes eliminados, não há alternativa senão ficar no Facebook e aceitar termos que abusam da nossa privacidade”, diz Srinivasan.

Na mira de Donald Trump

A discussão em torno do poder das big tech também entrou na disputa política. O presidente Donald Trump, por exemplo, vem criticando publicamente a Amazon, que segundo ele esquiva-se de impostos (detalhe: Jeff Bezos, CEO da Amazon, é também dono Washington Post, jornal que adota uma linha de oposição ao governo Trump).

Mas é entre os Democratas que os ataques se tornaram mais duros, o que, para muitos, representa o fim da lua de mel entre a esquerda americana e o Vale do Silício. Pré-candidatos à presidência como Elizabeth Warren e Ted Cruz defendem que empresas como Facebook e Amazon sejam, inclusive, desmembradas – e foram aplaudidos nas redes sociais.

As empresas, por sua vez, têm preferido comentar apenas o necessário. Em uma exceção, o vice-presidente de comunicação do Facebook, Nick Clegg, escreveu em editorial no The New York Times que uma empresa não pode ser punida “apenas por ser grande”. E concluiu: “aqueles que estão preocupados com os desafios do mundo online deveriam priorizar o cumprimento das regras da internet, e não desmantelar empresas americanas bem-sucedidas”.

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