“Três, dois, três. Pode anotar, esse é o nosso número”, diz Stelleo Tolda, COO e cofundador do Mercado Livre, a maior plataforma de comércio eletrônico da América Latina. “Com ele, muita coisa vai mudar”, diz ao NeoFeed.
O número a que Tolda se refere é o de identificação bancária do Mercado Pago, que passou a funcionar na semana passada, e coroa a estratégia da empresa que recebeu autorização do Banco Central para virar instituição de pagamentos em novembro passado.
Com o número, é possível fazer rapidamente transações bancárias como DOCs e TEDs. E isso dá ainda mais combustível para o Mercado Pago, que hoje conta com 3 milhões de contas digitais no Brasil.
Tolda não esconde de ninguém que a fintech será, em um futuro bem próximo, a galinha dos ovos de ouro da companhia fundada por ele e pelo argentino Marcos Galperin, há quase 20 anos.
“Isso vai acontecer em pouco tempo. É um mercado muito maior do que o marketplace”, diz ele. Mas, a julgar pelos planos que passam pela cabeça dos executivos, o crescimento será exponencial.
O Mercado Pago deve entrar em seguros e deve também passar a distribuir outros serviços financeiros. É aí que mora o grande salto. A exemplo da XP Investimentos, que se tornou a maior distribuidora de fundos de outras casas, o Mercado Pago pretende fazer o mesmo.
“Com o nosso potencial de distribuição, podemos nos tornar um originador de recursos importantes para fundos”, diz Tolda. “Sem dúvida poderemos vir a captar para terceiros e sermos remunerados por isso.”
O executivo aposta, sobretudo, na força digital da companhia para botar esse plano em prática. “Essa indústria trabalha muito buscando acessar mais recursos e a distribuição digital também é o futuro dessas plataformas”, diz ele.
“A XP encheu o auditório (o evento Expert XP, que aconteceu no começo de julho) por isso. Tem uma demanda crescente de investidores, de profissionais da área e das pessoas buscando alternativas.” E o Mercado Pago quer aproveitar esse movimento. “Vamos entrar em segmentos diferentes para públicos diferentes”, diz Tolda. Renda variável, por exemplo, está no radar.
“Vamos entrar em segmentos diferentes para públicos diferentes”, diz Tolda. Renda variável, por exemplo, está no radar.
Não será tão fácil quanto parece. “Tomara que eu esteja errado, mas não consigo enxergar o Mercado Pago oferecendo produtos financeiros mais sofisticados”, diz Marcus Vinícius Gonçalves, CEO da operação brasileira da Franklin Templeton, uma das maiores gestoras de investimentos do mundo.
A avaliação é a de que para entrar com força em um segmento como esse, o Mercado Pago teria de diversificar seu público e ir além dos usuários de seu marketplace. Mais: precisaria atuar na área de educação financeira e entrar em uma batalha muito ferrenha com plataformas como a própria XP e outras como Órama, Guide e os próprios bancos digitais. “Me pergunto também se há mais espaço no mercado”, diz Gonçalves.
Não faltam recursos, entretanto, para potencializar a força da fintech. No primeiro trimestre, o Mercado Livre captou quase US$ 2 bilhões na bolsa e passou a injetar boa parte desse dinheiro em operações como o Mercado Envios, sua operação logística, e o Mercado Pago.
Em 2017, a companhia investiu R$ 1 bilhão na operação brasileira. Em 2018, foram R$ 2 bilhões. Em 2019, o investimento será de R$ 3 bilhões. E boa parte dessa quantia será investida em marketing, para tornar o Mercado Pago conhecido também entre o público que não está no seu marketplace.
Como o Alibaba
O modelo vislumbrado pelos executivos do Mercado Livre é muito parecido com o do Alibaba. Pelo menos quando o assunto é o Mercado Pago. O braço financeiro do Alibaba é a Ant Financial, um colosso avaliado em US$ 150 bilhões – quase o dobro do que o Goldman Sachs, avaliado em US$ 78,2 bilhões.
A Ant Financial foi erguida a partir da Alipay, o sistema de pagamentos usado por mais de 700 milhões de pessoas cadastradas que movimentaram US$ 8 trilhões em vários serviços financeiros.
Além de pagamentos, o usuário encontra seguros, empréstimos, investimentos e até serviços de gestão de fortunas. E serve como uma plataforma que usa a tecnologia e uma base gigante de usuários para vender produtos de terceiros.
O braço financeiro do Alibaba é a Ant Financial, um colosso avaliado em US$ 150 bilhões – quase o dobro do que o Goldman Sachs, avaliado em US$ 78,2 bilhões
Os números da operação são enormes. Mais de 80 seguradoras oferecem seus produtos no marketplace da Ant para 400 milhões de usuários cadastrados. Todos os fundos mútuos da China estão na plataforma Ant Fortune à disposição de 180 milhões de investidores.
Se os números de distribuição impressionam, basta olhar para o Yue Bao, fundo de investimento criado pela Ant, para se espantar ainda mais. São mais de US$ 250 bilhões alocados neste único produto – é o maior do mundo em termos de valor de ativos.
“É basicamente o dinheiro que está nas contas digitais da Ant Financial que você pode aplicar nesse fundo. Isso também dá a dimensão de como consegue tornar esse negócio grande a partir de acessar muita gente”, diz Tolda
Força continental
Na corrida pelos clientes latino-americanos, o Mercado Pago sai na frente em relação a outras fintechs que atuam na região devido a sua capilaridade. Enquanto Nubank e Creditas, por exemplo, estão partindo para a Argentina e México, o Mercado Livre já está em 18 países da região – o que facilita a entrada do Mercado Pago em todas as praças.
Por enquanto, só no Brasil são 3 milhões de usuários ativos na carteira digital. O País também conta com uma rede de 50 mil estabelecimentos que aceitam pagamento via QR Code da companhia, uma extensa rede de maquininhas espalhadas e que concedeu crédito para 184 mil vendedores no último trimestre do ano passado.
Como acontece com a NuConta, do Nubank, o dinheiro parado na conta do Mercado Pago rende 100% do CDI. “A gente entende que temos um produto que tem a capacidade de atrair recursos que já estão no sistema financeiro. Temos um produto melhor do que a poupança e hoje R$ 800 bilhões estão aplicados na poupança”, diz Tolda.
Na América Latina, só no primeiro trimestre, o volume transacionado chegou a US$ 5,6 bilhões em um total de 143,9 milhões de transações – um crescimento de 93,7%. Tolda diz que isso é só o começo de um movimento muito maior.
O consultor Daniel Domeneghetti, presidente da E-Consulting, afirma que há uma tese no mercado de que a maior disrupção no mercado financeiro virá das empresas de tecnologia. Mas no caso do Brasil, diz ele, o mercado é atípico. “Aqui existe um oligopólio de cinco bancos. Se alguém estiver incomodando, eles vão lá e compram”, diz Domeneghetti.
Tolda não parece se incomodar com essa questão. “Em agosto, vamos fazer 20 anos de Mercado Livre com a sensação de que estamos apenas começando.” E prossegue. “O potencial de destravar o comércio eletrônico e o potencial de oferecer serviços financeiros montados na plataforma do smartphone são gigantescos.”
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