Enquanto a pandemia e suas consequências dominavam as manchetes e as análises econômicas e financeiras no ano passado, um family office americano conseguiu distrair o mercado por alguns momentos em março, ao derrubar as ações de alguns dos principais bancos globais.

O responsável pela proeza foi a Archegos Capital Management, que falhou no pagamento de chamadas de margem de algumas operações, resultando em perdas bilionárias a uma série de bancos que fizeram negócios com o fundo.

Um dos mais afetados foi Credit Suisse. Em abril do ano passado, o banco suíço revelou que teve um impacto de 4,4 bilhões de francos suíços (US$ 4,7 bilhões à época) sobre seus resultados por conta da exposição aos fundos da Archegos Capital Management.

Nesta terça-feira, 27 de abril, pouco mais de um ano após o episódio, as consequências para a Archegos vieram. A SEC, órgão responsável por regular o mercado de capitais dos Estados Unidos, acusou o fundador do family office, Bill Hwang, de orquestrar um esquema fraudulento que resultou em bilhões de dólares de prejuízos.

Hwang inclusive foi preso hoje por agentes federais, segundo o jornal The New York Times, junto com o diretor financeiro da Archegos, Patrick Halligan. O caso também é investigado por promotores federais.

Além deles, o principal trader do escritório, William Tomita, e o diretor de riscos, Scott Becker, também foram acusados pela SEC de participar do suposto esquema fraudulento.

Segundo a SEC, entre março de 2020 e março de 2021, o Archegos realizou uma série de operações arriscadas no mercado “sem qualquer propósito econômico a não ser elevar artificialmente e dramaticamente os preços de ações de várias empresas, o que induziu outros investidores a comprar estas ações a preços inflados”.

O esquema, de acordo com os reguladores, fez com que o valor da carteira da Archegos no período saltasse de US$ 1,5 bilhão para US$ 36 bilhões.

O family office montava posições altamente alavancadas em empresas abertas dos Estados Unidos e da China, por meio de empréstimos bancários. Essas operações têm por característica resultar em ganhos muito mais rápidos do que os métodos tradicionais quando as ações sobem, mas implicam também em prejuízos pesados quando o mercado vira.

No caso das Archegos, ela foi duramente atingida pela queda das ações do grupo de mídia ViacomCBS, um dos ativos em que operava alavancada. A retração pesou sobre o family office de Hwang e resultou numa chamada de margem pelos bancos, mas a Archegos não atendeu a demanda.

Por conta disso, as instituições financeiras que fizeram negócios com o Archegos tiveram que fazer vendas maciças dos papéis investidos, afetando a cotação de ao menos nove empresas e tendo que embolsar perdas.

De acordo com a SEC, como parte do esquema, a Archegos enganou de forma “repetida e deliberada” muitas de suas contrapartes a respeito de sua exposição e liquidez, para manter o esquema que desmoronou em março do ano passado, quando não conseguiu cumprir as chamadas de margem.

O caso Archegos colocou em evidência os grandes family offices dos Estados Unidos, que operam sob regras mais frouxas que outros tipos de fundos, mesmo realizando transações muito maiores em termos de valores e volumes.

“O colapso da Archegos no ano passado demonstrou como as atividades de um escritório podem ter implicações profundas para investidores e integrantes do mercado”, disse, em nota, o presidente da SEC, Gary Gensler.

Hwang é uma das crias de Julian Robertson, considerado um dos principais nomes da indústria de hedge funds do mundo e gestor do fundo Tiger Management, um dos mais proeminentes da década de 1980.

O fundador da Archegos, assim como outras pessoas que trabalharam com Robertson, voltaram ao mercado de capitais e ficaram conhecidos como os Tiger Cubs (filhotes de tigre) – o mais famoso deles é Charles Payson Coleman III, que fundou a Tiger Global.

Essa não é a primeira vez que Hwang se mete em problemas com as autoridades. Em 2012, ele se declarou culpado de usar informações privilegiadas para negociar ações de bancos chineses, concordando em devolver US$ 16 milhões e pagar uma multa de US$ 44 milhões para encerrar o processo movido pela SEC.