Vivemos uma era de inovações radicais, com mudanças significativas em todos os campos de conhecimento humano. É difícil para nós, humanos, nos acostumarmos com esse ritmo de mudanças. Vivemos em um mundo linear, no qual tempo, distância e velocidade são lineares.

Nossas decisões sobre o futuro são baseadas nessas percepções lineares do passado e as projetamos, também linearmente para o futuro. Porém, a tecnologia está evoluindo exponencialmente e com isso as mudanças na sociedade, empresas e empregos também mudam exponencialmente.

Das diversas tecnologias que evoluem exponencialmente, quero chamar atenção para uma, que ainda não percebemos nem de longe o potencial de seu alto impacto transformador na sociedade, que é a inteligência artificial (IA). Claro, ainda estamos engatinhando na IA.

Tenho observado nas conversas com executivos de negócios e de TI que muitos consideram como algo futurista a inteligência artificial, os veículos autônomos e os robôs. Mas isso já está acontecendo e nem percebemos. Usamos isso cotidianamente em sites de comércio eletrônico que nos sugerem os produtos que temos de comprar e em aplicativos que nos indicam o melhor caminho ou os filmes que devemos assistir.

Algumas vozes de peso, como Stephen Hawking (1942-2018) e Elon Musk, já alertaram contra eventuais riscos. Um instigante e polêmico livro foi “Superintelligence: paths, dangers, strategies”, de Nick Bostrom, diretor do Future of Humanity Institute, da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Apesar do tema aparentemente ser inóspito, ele chegou a ser um dos best sellers do New York Times. Ele debate a possibilidade, real, do advento de máquinas com superinteligência, e os benefícios e riscos associados. Um outro livro, “Homo Deus”, de Yuval Noah Harari, também provoca um debate interessante e lembra que a diferença fundamental entre seres humanos e máquinas é a diferença entre as relações e conhecimento.

Para as máquinas, a fórmula é conhecimento = dados empíricos x matemática. Se quisermos saber a resposta para uma questão, reunimos dados empíricos e depois usamos ferramentas matemáticas para analisá-los. A fórmula científica do conhecimento leva a descobertas impressionantes na física, medicina e outras áreas.

Mas há um enorme senão: essa fórmula não pode lidar com questões de valor e significado. Aí que entra a fórmula do conhecimento humano, que nos diferencia das máquinas: conhecimento = experiências x sensibilidade. Experiências são fenômenos subjetivos como sensações (calor, prazer, tensão), emoções (amor, medo, ódio) e pensamentos.

A sensibilidade é a atenção às experiências e como elas influenciam a pessoa em suas atitudes e comportamentos. Entretanto, alerta para o fato que, embora sem dispor de consciência, emoções e sensações, robôs e sistemas de IA estão assumindo o papel que era predominantemente humano.

Robôs e sistemas de IA estão assumindo o papel que era predominantemente humano

O que ele propõe é que a inteligência está se desacoplando da consciência. Isso significa que sistemas não conscientes podem ser capazes de realizar tarefas muito melhor que humanos, como dirigir automóveis. A razão é simples: tais tarefas baseiam-se em padrões de reconhecimento e algoritmos não conscientes.

Um taxista humano, por exemplo, ao dirigir seu veículo, pode recordar de sua filha na escola e se emocionar, ou admirar a paisagem. Mas estes sentimentos não importam para a tarefa de levar um passageiro do ponto A ao ponto B. Os veículos autônomos podem fazer isso melhor que humanos, sem sentir emoções.

Onde poderemos chegar? Ray Kurzweil do Google afirmou que “na década de 2030 poderemos inserir nanorobôs no cérebro (através de capilares) que permitirão uma imersão total dentro do nosso sistema nervoso, conectando nosso neocórtex à nuvem. Assim, expandindo nosso neocortex na nuvem, poderemos expandir 10,000 vezes o poder de nossos smartphones."

Vejam esse post de Peter Diamandis da Singularity University abordando esse comentário. Peter chama atenção para o fato que de 147 predições de Kurzweil, 115 estavam corretas e 12 corretas na essência, mas erraram o alvo por alguns anos. É do jogo. Muitas vezes duvidamos de previsões que podem parecer, à primeira vista, alucinadas, mas que no fim muitas delas acabam se tornando realidade, com erro de apenas alguns anos.

A conclusão que podemos chegar é que a revolução conduzida pela AI está chegando tão rápido que temos dificuldade em imaginar como ela se tornará. O imaginário de ficção científica ainda predomina. Lembro de uma frase, de um dos filmes que me marcaram, “2001: A Space Odyssey”, onde o computador, HAL, se intrometia na vida dos astronautas da tripulação: “Just what do you think you´re doing, Dave?”.

De lá para cá vimos filmes de robôs como Terminator, Eu, robô, Ela, e Jarvis, o assistente pessoal de Tony Spark em Iron Man. A propósito, Jarvis significa “Just Another Rather Very Intelligent System”. Ficção científica poderia muito bem ser definido como antecipação científica. Muito que vemos em Jarvis, de alguma maneira ou outra, já está no nosso dia a dia.

Jeff Hawkins, fundador da Numenta (e inventor do Palm Pilot), diz que a IA está hoje em um ponto similar ao da computação no início da década de 1950, quando os pioneiros estabeleceram as idéias básicas dos computadores. Menos de 20 anos depois, os computadores tornaram possíveis sistemas de reservas de companhias aéreas, ATMs bancários e ajudaram a NASA a colocar o homem na Lua, resultados que ninguém poderia ter previsto nos anos 1950.

A IA está hoje em um ponto similar ao da computação no início da década de 1950

Pouco mais de 20 anos depois disso, em 2007, com o iPhone, a internet veio para nosso bolso e abriu todo um novo mundo de novos negócios e hábitos sociais. Adivinhar o impacto da IA e dos robôs em uma década ou duas está se tornando ainda mais difícil. "Daqui a 20 anos, essa tecnologia será um dos principais motores da inovação e da tecnologia, se não a principal", diz Hawkins.

É indiscutível que a IA vai afetar o emprego como conhecemos. A automação, em seu início, afetou as linhas de produção nas fábricas. Agora o risco de desemprego afeta diversas funções que antes eram reservadas aos humanos, em todos os setores profissionais. Por outro lado, a IA abre inúmeras outras oportunidades, criando novas profissões e transformando as atuais.

Temos um imenso desafio pela frente. Em janeiro de 2016, no Fórum Mundial de Davos, seu chairman Klaus Schwab disse que uma mudança estrutural está em andamento na economia mundial, no que seria o início da Quarta Revolução Industrial. Segundo ele, esta revolução aprofundaria elementos da Terceira Revolução, a da computação e faria uma “fusão de tecnologias, borrando as linhas divisórias entre as esferas físicas, digitais e biológicas”.

Esta nova revolução, unindo mudanças socioeconômicas e demográficas, terá impactos nos modelos e formas de fazer de negócios e no mercado de trabalho. Afetará exponencialmente todos os setores da economia e todas as regiões do mundo. Mas não do mesmo modo. Haverá ganhadores e perdedores. “As mudanças são tão profundas que, da perspectiva da história humana, nunca houve um tempo de maior promessa ou potencial perigo”.

O impacto da IA pode e deve afetar o equlíbrio econômico e militar das nações. A maioria dos países, como EUA, China e Russia, já está reconhecendo isso e atuando com intensidade para disputar a liderança em IA. Um discurso de Putin, na Russia, foi bem claro ao afirmar “A inteligência artificial é o futuro, não apenas para a Rússia, mas para toda a humanidade. Quem se tornar o líder nesta esfera dominará o mundo.”. O texto pode ser visto neste artigo da Wired, “For superpowers, artificial intelligence fuels new global arms race”.

O mercado de trabalho será afetado dramaticamente, inclusive com trabalhos intelectuais mais repetitivos substituídos pela robotização. As mudanças não são perspectivas, mas reais.

Este assunto, impactos na mudança do mercado de trabalho já vêm sendo debatido, com algumas previsões apocalípticas estimando que de dez a 15 anos cerca de metade das vagas de funções como operadores de telemarketing, corretores, carteiros, jornalistas, desenvolvedores de software e outras terão desaparecido, pelo uso de softwares e robótica encharcados de algoritmos inteligentes. Um artigo instigante, “Will robots actually take your job?” debate esse tema.

O mercado de trabalho será afetado dramaticamente, inclusive com trabalhos intelectuais mais repetitivos substituídos pela robotização

Recentemente o WEF produziu um estudo muito instigante, “Jobs of Tomorrow Mapping Opportunity in the New Economy”, mostrando como as atuais profissões serão afetadas e as expectativas de capacitações para as tarefas que os humanos deverão exercer em um mundo onde RH se torna acrônimo de Robôs e Humanos.

O estudo mostra que novas funções são criadas, mas outras são destruídas. O grande desafio é a transição. Por exemplo, imaginando que a demanda por motoristas de caminhão diminua no futuro e mais vagas de engenheiros de Machine Learning sejam criadas, não será fácil transformar pessoas com experiência profissional como motorista em engenheiros de IA, pois são demandas de capacitações completamente diferentes.

Diante desse cenário, não podemos ficar inertes. À medida que os avanços nas tecnologias de machine learning e robótica avançarem, será inevitável a substituição de diversas funções ocupadas por humanos hoje. Ocupações que consistem de tarefas e procedimento bem definidos poderão ser substituídos por algoritmos sofisticados.

Como o custo da computação cai consistentemente ano a ano, torna-se atrativo economicamente a substituição parcial ou completa de pessoas por máquinas. O processo é acelerado pela reindustrialização nos países ricos, como os EUA, que após perderem suas fábricas para países de mão de obra barata como a China, começam a trazê-las de volta, mas de forma totalmente automatizadas.

Os empregos da indústria americana, perdidos pela saída das fábricas, não estão voltando com elas. Quem está ocupando as funções são os robôs. Este processo também está ocorrendo na China e já existem diversas fábricas totalmente automatizadas e cada uma delas emprega pelo menos dez vezes menos pessoas que as fábricas tradicionais.

A IA já é melhor do que os seres humanos no diagnóstico de imagens médicas e melhor do que os assistentes legais na investigação da jurisprudência. Por outro lado, eliminando ou reduzindo drasticamente tarefas automatizáveis das profissões, as pessoas passam ser mais humanas.

A IA já é melhor do que os seres humanos no diagnóstico de imagens médicas e melhor do que os assistentes legais na investigação da jurisprudência

Na medicina, por exemplo, um médico radiologista deixa de passar a maior parte do seu tempo analisando imagens, coisa que as máquinas fazem melhor, para se dedicar a cuidar do paciente. A IA tira, na verdade, o robô de dentro do médico e o tranforma em um profissional de cuidados com a saúde da pessoa e não um autômato analisador de imagens e prescritor de medicamentos.

A IA não é apenas curiosidade, vai afetar não apenas os empregos, mas a maneira de como as empresas operam. Vai penetrar em todos os setores da economia e afetar processos e modelos organizacionais, inclusive até possibilitando a reinvenção de novos modelos de negócios. Vale a pena ler também um artigo, de 2016, mas atual,  “How Artificial Intelligence and robots will radically transform the economy”, publicado pela Newsweek.

A conclusão é simples, mas dramática. Os avanços na inteligência artificial e robótica estão impulsionando uma nova era automatização inteligente, que será um importante motor de desempenho empresarial nos próximos anos. Afeta empresas, empregos, sociedade e a economia. Vai redefinir o que é o trabalho e vai nos obrigar a redesenhar a atual formação educacional, demandando fortes ações por parte de governos e das empresas.

É essencial que as corporações de todos os setores de negócio compreendam seu impacto potencial ou ficarão para trás. IA não é mais assunto de discussões de nerds e cientistas, mas deve estar nas reuniões do CEO e do board das organizações.

*Cezar Taurion é Partner e Head of Digital Transformation da Kick Corporate Ventures e presidente do i2a2 (Instituto de Inteligência Artificial Aplicada). É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral. Antes, foi professor do MBA em Gestão Estratégica da TI pela FGV-RJ e da cadeira de Empreendedorismo na Internet pelo MBI da NCE/UFRJ.