Aos 59 anos, 30 deles dedicados aos roteiros de séries de TV, Chris Brancato tem status de “showrunner” nos EUA. É assim que a indústria do entretenimento americana define a mente criativa por trás de um programa. Em outras palavras, ele é o “visionário da série”.

Depois de passar pelas equipes de roteiristas das séries “Barrados no Baile”, “Law & Order” e “Hannibal”, Brancato foi promovido a “showrunner” ao criar “Narcos”, que estreou em 2015 na Netflix. Mais recentemente, ele foi o criador de “Godfather of Harlem”, em exibição no Brasil no canal pago Star Premium.

“Também posso ser definido como o cara de teve 29 pilotos de série fracassados”, conta Brancato, rindo. “Isso só ilustra como esse mercado é extremamente difícil. Por isso, costumo dizer que ninguém deve abandonar o lugar na fila. Sua vez pode estar chegando.”

Brancato foi uma das atrações da recém-encerrada primeira edição do Iberseries Platino Industria (IPI), realizado em Madri, que teve cobertura do NeoFeed. Por sua experiência, ele foi escolhido para dar uma masterclass, trazendo dicas de como vencer no mundo das séries, que atualmente vivem um “boom” mundial, graças aos serviços de streaming.

“Vivemos um momento de empolgação. Mas é uma ilusão pensar que ficou mais fácil colocar uma série no ar por existirem mais plataformas”, conta Brancato. Quando ele ingressou nesse mercado, nos anos 90, eram poucos canais de TV nos EUA.

“Hoje são cerca de 500. E eles nem têm mais a mesma importância porque agora temos também o streaming. Mas as mudanças complicaram a nossa vida, já que a exigência por conteúdo de qualidade aumentou e os talentos do cinema migraram para a TV”, diz ele.

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É por isso que a trama e o pitch são fundamentais. “Você precisa de uma ideia fenomenal. O mais aconselhável é combinar duas coisas que normalmente não são usadas na mesma frase. Pense em algo familiar, mas acrescente algo que nunca foi feito antes”, aconselha Brancato.

Um exemplo que ele dá é o próprio “Godfather of Harlem”. “Defino a série como uma colisão do submundo do crime com o movimento dos direitos civis”, afirma, lembrando que o enredo põe foco no mafioso Ellsworth “Bumpy’’ Johnson (1905-1968).

A trama tem início quando o gângster (interpretado por Forest Whitaker) deixa a prisão de Alcatraz, em San Francisco, e passa a ser influenciado pelos ideais de Martin Luther King (1929-1968), ícone da luta contra a segregação racial. “Assim, não se trata de mais uma série sobre a máfia.”

Com a ideia na cabeça, o próximo passo é criar o pitch, o que Brancato costuma formatar como roteiro. “É preciso fazer de um jeito que os executivos sintam que estão assistindo a um filme”, afirma o roteirista, habituado a escrever sete páginas de pitch, o que dura 18 minutos de apresentação, em média. “Se passar disso, as pessoas começam a ficar entediadas de ouvir você falar.”

Brancato destaca que os dois primeiros minutos são os mais importantes. “É nesse momento que os executivos se inclinam para frente, mostrando se querem ouvir mais. O que você não quer é que eles relaxem na cadeira.”

O segredo está em apresentar a ideia como se fosse uma cena. “Pode ser algo assim: John é um pai de família comum que mora em tal lugar, com sua mulher e filhos. Durante uma hora por dia, no entanto, ele não consegue se lembrar do que fez. É como se alguém lhe roubasse esse tempo, sem que ele tenha ideia do que aconteceu”, diz o roteirista, comentando que “a partir desse ponto, todos vão querer saber o que acontece depois.”

Para Brancato, só o roteirista com uma visão clara da série que tem em mãos tem a chance de virar um “showrunner”. É esse profissional que comanda tanto a equipe de roteiristas quando a de produção. Como ele tem a palavra final, até os diretores da série são seus subordinados.

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E por que o “showrunner” se tornou um cargo na televisão dos EUA, o que não se vê em outros países? “Isso aconteceu porque durante muito tempo o modelo de TV americano exigia que o roteirista de uma série entregasse cerca de 22 episódios por ano. Como muitas vezes os programas tinham cinco temporadas, isso totalizava 110 episódios.”

Foi essa carga de responsabilidade que deu poder ao “showrunner”. “Quando você precisa escrever tantos episódios, passa a ser pessoa mais importante da produção. Afinal, é da cabeça do roteirista que sai toda a história. Ele é o único que sabe como a trama vai se desenrolar, quais serão as locações, quantos atores precisam ser contratados, etc.”

Daí surgiu a função, combinando as tarefas do chefe dos roteiristas com a do chefe de produção. Apesar de o formato não ser mais o mesmo, dando lugar hoje a séries com temporadas com cerca de 10 episódios, a posição do “showrunner” não sofreu alteração nos EUA. “Ainda é ele quem manda”, diz Brancato, abrindo um sorriso.