Quem assistiu alguns dos últimos 31 filmes de Os Trapalhões, o documentário Pelé Eterno, as comédias do grupo Casseta e Planeta feitas para as telas ou é mais velho e adorava ver filmes de pornochanchadas dos anos de 1970 e 1980, certamente teve contato com a arte do gaúcho José Luiz Benício da Fonseca, o Benício, que morreu na terça, dia 7, uma semana antes de 85 anos, no Rio de Janeiro, onde morava desde 1950.

Se puxar pela memória, vai lembrar daquele disco de Erasmo Carlos em que o cantor rasga o peito para libertar uma pomba ou a propaganda do pirata do Bacardi. Pois, todos pintados por Benício. Ou aquele Papai Noel da Coca-Cola que tentava convencer a gente a só tomar a tal bebida no Natal.

Não foi ele quem o criou, mas, no decorrer de 40 anos, Benício o tornou mais rechonchudo, simpático e adorável nos pôsteres que fez para bares e supermercados de todo Brasil.

Ah, se fosse só isso. Tem a megacampanha do Banco do Brasil pelos 500 anos do descobrimento do país, em 2000, com retratos da Família Real Portuguesa. Ele perdeu as contas de quantas campanhas fez para a Varig, Vasp e outras empresa aéreas.

Nos últimos dez anos, quem comprou para sua esposa, namorada ou para si mesmo algum sabonete ou perfume da Granado com a figura de alguma linda garota estampada na caixa, levou junto uma arte de Benício.

Enfim, seu traço esteve em todos os cantos e ajudou a contar de forma ilustrada a história do Brasil de um modo bem peculiar. É algo tão difícil de mensurar que, por 30 anos, ele fez mais de três mil capas daqueles livrinhos de espionagem e faroeste que a Editora Monterrey publicou entre 1955 e 2000.

Campanha da companhia aérea Varig feita por Benício

A série mais famosa desses chamados bolsilivros (livros de bolso, pelo tamanho reduzido) era Brigitte Montfort, a agente da CIA conhecida como Baby, que estrelou perto de duas mil aventuras e seduziu gerações de leitores masculinos em todo o Brasil, graças às imagens sensuais de Benício.

Para aqueles que nunca leram uma dessas publicações, mas era leitor de Veja, Ele Ela, Pais e Filhos, Status, Playboy ou Bravo!, ele fez incontáveis capas, retratos e ilustrações internas dessas publicações.

O rei das “pin-ups”

A característica mais marcante de Benício era desenhar mulheres absolutamente deslumbrantes. E se possível, levemente erotizadas. Portanto, adorava compor as famosas “pinups”, uma tradição na cultura norte-americana.

Nenhuma delas ficava feia quando passava pelas tintas e pincéis de seu ateliê. Ele encontraria uma forma de torná-las belas. Até mesmo por um detalhe: o cumprimento do pescoço, a delicadeza de uma orelha, um queixo destacado.

Campanha da Brastemp com uma das pin-ups de Benício

Dono de um traço ultrarrealista, que usava para pintar retratos que pareciam fotografias, diz a lenda que Benício superdimensionou a sensualidade de Sônia Braga e Vera Fischer por causa dos retratos que fazia delas nos cartazes dos filmes sensuais que estrelavam, como Dama do Lotação, Dona Flor e Seus Dois Maridos e A Superfêmea. Desse modo, promoveu-as a mito sexual de um país. E quem há de negar?

Dos filmes de sexo, aliás, fez mais de 300 cartazes. Como eram vistos por milhões de brasileiros, dá para imaginar o quanto marcou o imaginário popular. Adorava quando diziam que seus pôsteres enganavam as plateias, pois as mulheres das telas não eram tão... boas quanto as que ele pintava.

Discreto e de falar pouco, Benício fugia completamente ao estereótipo do artista que desnudava mulheres. Casou-se com a primeira namorada, com quem viveu mais de 50 anos, até ela falecer. Não gostava de farra, nunca bebeu e era totalmente dedicado à mulher e aos três filhos.

Fazer perfis e reportagens com ele não era fácil, por tudo isso. Atendia a todos, mas falava pouco. E sorria muito. Um riso encantador que dificultava ainda mais ouvir aquela voz próxima do volume zero.

Contava histórias, matava curiosidade de repórteres, mas nunca fazia elogios a si mesmo ou dizia que era melhor que ninguém. E era. E todo mundo sabia, dizia e aceitava isso, no caso dos seus colegas de profissão.

Limitações na mão

Nos últimos anos, Benício tinha parado de produzir por causa da piora na paralisia em uma de suas mãos, devido a um derrame ocorrido em 2010. No primeiro momento, chegou a desenvolver uma ferramenta de improviso em que fazia o papel correr sob o lápis ou o pincel, preso à mão com problema.

Carmen Miranda pelas mãos de Benício

Por trás do AVC, havia uma história que revelava bastante da sua personalidade. Ele teve a doença quando soube que a mulher fora diagnosticada com metástase por causa de um câncer de mama.

Não deixa de chamar atenção esse amor devotado de toda a vida pela companheira, inabalável para um homem que pintou algumas das mulheres mais bonitas do Brasil e que fizeram questão de cumprimentá-lo pessoalmente para agradecer a gentileza de fazê-las ainda mais belas.

E que alegria maior pode ter uma mulher quando alguém a torna mais bonita, a ponto de mitificá-la e até endeusá-la com o simples toque de um pincel sobre o papel?

Gonçalo Junior é autor de "E Benício Criou a Mulher”, biografia do artista publicada pela Editora Opera Graphica, em 2012.