Quando o executivo Cesário Nakamura assumiu a Alelo, em novembro de 2018, a empresa estava iniciando o processo de criação de squads e implementação de metodologias ágeis no seu dia-a-dia. No total, eram seis squads na sede da empresa de benefícios do grupo Elopar, que tem Bradesco e Banco do Brasil entre seus sócios.
Dois anos e meio depois, o cenário é outro. Hoje, são cerca de 70 squads, que envolvem mais da metade dos mil funcionários da companhia. E respondem por um ritmo cada vez mais intenso de novos produtos e serviços, voltados a uma base de 100 mil empresas e 8 milhões de usuários, dentro da estratégia de diversificação do portfólio da operação.
Antecipada com exclusividade ao NeoFeed, a mais recente novidade dessa safra envolve, porém, um terceiro perfil de cliente, não menos importante para a Alelo. Trata-se de uma plataforma própria de software de adquirência, 100% na nuvem e com foco na base de 700 mil estabelecimentos que compõem sua rede de aceitação.
“Vamos investir mais de R$ 160 milhões nessa plataforma ao longo do tempo”, diz Nakamura, ao NeoFeed. “Era um desejo antigo e, em termos de projetos isolados, esse é o nosso maior aporte previsto para 2021.”
Com a plataforma desenvolvida dentro de casa, a Alelo passa a controlar todas as transações, da autorização à liquidação, envolvendo o seu portfólio nesses estabelecimentos. A base em questão inclui desde restaurantes e supermercados até postos de combustíveis, farmácias, cinemas, teatros e livrarias.
Até então, a Alelo usava a plataforma da Cielo, que também pertence ao grupo Elopar, para esses processos. “Quando você depende de um terceiro, a briga é por prioridade”, explica o executivo. “Agora, vamos conseguir fazer toda a gestão do relacionamento com os estabelecimentos e acelerar o desenvolvimento de ofertas nesse segmento.”
Ao avançar algumas casas nessa relação, a Alelo já vislumbra alguns dos possíveis produtos e portfólios voltados a esses estabelecimentos. A partir do volume de dados compilados nas transações, um dos planos é auxiliar essa base com informações para conquistar e reter clientes.
“Vamos ter capacidade de gerar mais insights de negócios pra esse lojista”, diz Márcio Alencar, diretor de estratégia digital, marketing e negócios da Alelo. “O que pode se refletir, por exemplo, em promoções personalizadas, cashbacks e na fidelização do cliente por meio de um cartão digital.”
Nakamura destaca que há um campo vasto de possibilidades. “Poderemos integrar todos os nossos produtos nessa plataforma”, afirma. “Além de incorporar as ofertas de parceiros, dentro do conceito de ecossistema.”
Nesse contexto, uma alternativa em avaliação envolve produtos de crédito, 100% digitais. Em particular, aqueles voltados a pequenos lojistas dessa carteira. Os executivos não revelam, porém, se essa oferta seria realizada por meio de sócios da operação, como Bradesco e Banco do Brasil.
Apesar de destacar que equalizar essas pontas será um desafio, caso esse seja o caminho escolhido, Fabricio Winter, sócio da consultoria Boanerges&Cia, entende que a estratégia da Alelo com a plataforma própria é positiva.
“A Alelo passa a ter uma visão mais ampla desses lojistas para explorar muitos outros serviços, especialmente, os financeiros”, diz. “Hoje, eles são muito fortes no lado das áreas de RH e dos compradores, mas rentabilizam pouco essa frente dos estabelecimentos.”
Ele destaca ainda o fato de a empresa cortar os laços com a Cielo, que também tem entre seus acionistas o Bradesco e o Banco do Brasil. Especialmente por conta das indefinições vividas pela companhia que há tempos tenta recuperar o prumo diante do aumento da concorrência e que, na semana passada, anunciou a renúncia do CEO Paulo Caffarelli.
“A Cielo está passando por uma série de mudanças e tudo caminha para uma cisão entre os sócios”, observa Winter. “Não fazia mais sentido para a Alelo ficar atrelada, como antigamente, e refém dessa situação.” A empresa não é, no entanto, a única a se mexer nessa arena.
Conforme apurou o NeoFeed junto a fontes de mercado, a francesa Ticket, do grupo Edenred e que tem entre seus sócios o Itaú, é uma das rivais que está se movimentando para montar uma estrutura própria de adquirência e oferecer produtos e serviços financeiros aos lojistas da sua rede de aceitação.
A concorrência também envolve empresas de outros segmentos, mas com boa presença em parte do perfil de cliente atendido pela Alelo e seus pares. É o caso do iFood, que lançou uma conta digital atrelada a serviços como crédito destinada a restaurantes. E que já chegou a marca de 100 mil clientes com essa oferta.
Inspiração chinesa
Coincidência ou não, o fato é que o desenvolvimento da plataforma foi acelerado e antecipado, também em linha com as metodologias que vem sendo adotadas pela Alelo. De um tempo inicial previsto de 30 meses, o projeto consumiu a metade desse prazo.
“Nossa dinâmica de desenvolvimento mudou. Hoje, trazemos novidades a cada 15 dias”, conta Alencar. “Existe uma mudança entre usuários, clientes e lojistas quanto à velocidade que esperam dessas evoluções. E também o nosso próprio plano de construir um ecossistema para todos esses elos.”
Muito dessa visão, diz o executivo, que está à frente da disseminação dessa cultura na empresa, veio da inspiração de uma viagem feita à China, em agosto de 2019. Na bagagem, ele testemunhou a materialização de conceitos como plataforma e superapps, que já vinham guiando os passos da Alelo, que encerrou 2020 com uma receita de R$ 1,63 bilhão, contra R$ 1,54 bilhão, um ano antes. O lucro líquido no período recuou 34,9%, para R$ 186,3 milhões.
Há outros frutos recentes dessa abordagem e que também poderão ser plugados na nova plataforma. A ideia é reforçar tanto a relação com os estabelecimentos quanto com a base de empresas, departamentos de RH clientes e os usuários dos benefícios gerados por meio dos produtos e serviços da companhia.
Um desses exemplos é o Pede Pronto, aplicativo que começou a ser testado em outubro de 2020, como um serviço para digitalizar os pedidos e pagamentos nas praças de alimentação de shopping centers. E que, desde março, vem ampliando seu escopo para se consolidar como uma plataforma de delivery.
“Guardadas as devidas proporções, vamos disputar mercado com iFood, Rappi e Uber Eats”, observa Alencar. Ele ressalta que isso não influenciará a integração de seus cartões para a aceitação nesses aplicativos, anunciada em 2020. “Nós acreditamos muito no coopetition.”
Sob essa ótica, o aplicativo não irá aceitar apenas pagamentos com produtos da Alelo. Mas também, de outros emissores e players. “O Pede Pronto não está limitado ao nosso portfólio”, diz Nakamura. “Entendemos que ele é uma plataforma agnóstica.”
Do lado da oferta, o aplicativo tem uma base de 800 estabelecimentos, especialmente nas capitais e na região Sudeste. Os testes incluem desde a logística feita por parceiros – não revelados – até a própria estrutura dos restaurantes e demais varejistas.
“Estamos em fase de ajustes e definição desse modelo para o app, que será lançado oficialmente em junho”, explica Alencar. “Estamos construindo uma equipe própria do serviço, que já tem 50 pessoas e vamos começar a ampliar o número de parceiros, hoje mais restritos aos shoppings.”
Já na ponta da demanda, o Pede Pronto contabiliza 250 mil usuários nessa fase inicial. Um dos caminhos para escalar esse volume é explorar, claro, a base de usuários dos produtos e serviços da Alelo. Nessa direção, o serviço já pode ser acessado pelo aplicativo da companhia.
Ao mesmo tempo, o Pede Pronto já está disponível como uma aba em plataformas de sócios da operação. São os casos dos apps do Bradesco Cartões, do BB Cartões, e da Bitz, carteira digital do Bradesco. A próxima integração será com o Next, banco digital também do Bradesco.