Assim como boa parte das empresas listadas em todo o mundo, a brasileira Petrobras vinha sofrendo os efeitos do avanço global do coronavírus. Nada se compara, no entanto, à queda registrada nos papéis da companhia no pregão desta segunda-feira, 9 de março.
Suas ações ordinárias e preferenciais fecharam o dia com recuos de 28,51% e 28,3%, respectivamente. Em apenas um dia, a Petrobras perdeu R$ 91,1 bilhões em valor de mercado. Avaliada em R$ 215,8 bilhões, a empresa foi desbancada do posto de companhia mais valiosa do País.
Quem assumiu o topo foi o Itaú Unibanco, que encerrou o pregão avaliado em R$ 262 bilhões, segundo dados compilados pela Economatica. A Petrobras também foi superada pela Ambev, que fechou a segunda-feira com um valor de mercado de R$ 230,7 bilhões.
Por trás dessa movimentação, está um novo componente, literalmente, explosivo, que contribuiu para alimentar não apenas a derrocada das ações da Petrobras. Mas também a aversão ao risco que já afetava as bolsas de valores de todo o mundo, diante da escalada do coronavírus.
O combustível para um verdadeiro dia de pânico nos mercados de ações veio da decisão da Arábia Saudita de cortar os preços do petróleo e ampliar a sua produção. Fruto de uma disputa com a Rússia, o movimento derrubou a cotação da commodity, que já vinha em queda nas últimas semanas e hoje chegou a cair mais de 30% durante o dia.
“Essa é a maior queda diária do preço do petróleo desde a Guerra do Golfo”, afirmou Álvaro Frasson, economista do BTG Pactual, em transmissão sobre os impactos desse cenário realizada nesta segunda-feira. “Chega a dar saudade quando o problema era o acordo comercial (entre China e EUA). Agora, com essas outras variáveis, o cenário começa a complicar.”
O impacto se refletiu no dia de negociações na B3, que chegou a acionar o circuit breaker, às 10h30, quando o Ibovespa registrava queda superior a 10% e operava a 88.178 pontos. O índice encerrou o pregão com baixa de 12,17%, a 86.067 pontos, a maior queda diária desde setembro de 1998.
Além da Petrobras, a lista das maiores perdas de valor de mercado nesta segunda-feira inclui Vale, com R$ 34,7 bilhões; Bradesco, R$ 18,3 bilhões; Itaú Unibanco, R$ 15,9 bilhões; e Banco do Brasil, R$ 13,3 bilhões.
Somadas, as 285 empresas listadas na B3 perderam R$ 431 bilhões em valor de mercado no pregão de hoje, de acordo com a Economatica. Em 2019, o montante acumulado já supera R$ 1 trilhão. A Petrobras também lidera esse ranking, com um recuo de R$ 191,3 bilhões, seguida por Bradesco, com R$ 82,3 bilhões, e Vale, com R$ 79,3 bilhões.
Juntas, as 285 empresas listadas na B3 perderam R$ 431 bilhões em valor de mercado no pregão de hoje, segundo a Economatica
“No curto prazo, enquanto essa guerra de preços não acabar, a Petrobras vai seguir sofrendo”, diz Fernando Siqueira, gestor de portfólio da Infinity Asset Managment. Ele aponta que o fato de a Arábia Saudita ampliar sua produção agrava ainda mais essas perspectivas. “Isso também coloca uma pressão sobre o petróleo de menor qualidade, caso da Petrobras, e faz com que o seu preço fique ainda mais baixo.”
Risco maior
Apesar dos reflexos substanciais nas bolsas de valores globais, para as fontes consultadas pelo NeoFeed, os impactos da questão do preço do petróleo são contornáveis em curto e médio prazos.
“É uma queda de braço agora, mas ninguém quer perder dinheiro”, diz Cesar Mikail, gestor de renda fixa da Western Asset Management, referindo-se ao imbróglio entre Arábia Saudita e Rússia. “Em algum momento, não tão distante, eles vão ter que se acertar.”
Mesmo ressaltando que são dois países, historicamente, instáveis do ponto de vista geopolítico, Álvaro Villa, assessor de investimentos da Messem Investimentos, segue a mesma linha. “É preciso lembrar que também são países extremamente dependentes do petróleo”, afirma. “E que sofrerão pressões internas para chegar a um acordo.”
O maior risco para as economias e mercados de capitais globais, diz ele, reside no coronavírus, dada a extensão ainda incerta de seus efeitos. “Em um eventual prolongamento dessa crise, as empresas diretamente ligadas ao consumo, como shoppings e varejistas, podem ser impactadas”, diz Villa.
As ações do varejo não ficaram imunes ao dia de estresse na B3. Os papéis da Via Varejo recuaram 17,13%. Já os do Magazine Luiza caíram 10,96%. No primeiro caso, em especial, as fontes ouvidas pelo NeoFeed citam uma correção diante da forte valorização das ações da empresa desde o ano passado.
“Boa parte da valorização da Via Varejo estava não no que ela gera hoje. Mas sim no que poderia produzir no futuro, com a reestruturação em curso”, diz Siqueira, da Infinity. “E o mercado está precificando agora esse futuro, que começa a ficar mais crítico nesse cenário.”
Já as empresas aéreas que, teoricamente, poderiam se beneficiar da queda no preço do petróleo, também seguem no centro desse contexto. “Se elas não estiverem voando, por conta do coronavírus, a questão do petróleo é irrelevante”, completa o analista. Nessa direção, Gol e Azul viram suas ações caírem 17,43% e 17,01%, respectivamente, no dia.
Porto seguro
Mesmo depois de um dia de negociações que atingiu, indiscriminadamente, empresas de todos os segmentos da economia, há quem tenha perspectivas menos críticas no curto prazo. “Há algumas empresas que são boas pagadoras de dividendos e consideradas um porto seguro em momentos como esse”, afirma Mikail. Ele coloca nessa lista nomes como Vivo, Ambev, Renner e Ultrapar.
Mikail inclui outros papéis nessa relação, ressaltando que houve um certo exagero nas movimentações do mercado de capitais dessa segunda-feira, o que se refletiu no recuo acima do normal de ações premium, caso de companhias como Magazine Luiza e Natura. “São ações que, historicamente, entregam e têm resiliência no resultado”, diz. “E que em momentos de correção como esse, são oportunidades para o investidor.”
Em transmissão hoje à tarde sobre o dia no mercado de capitais, Carlos Sequeira, head de Research do BTG Pactual, também citou empresas que tendem a se beneficiar nesse contexto. Além da própria Renner, ele colocou nesse grupo representantes do setor de tecnologia, como Totvs e Linx.
Ações como Renner, Natura, Totvs e Ultrapar são apontadas como alguns dos papéis mais atrativos nesse momento de maior volatilidade
“Em momentos de volatidade maior, é hora de estar em companhias com boas histórias, bem geridas e acostumadas a passar por crises”, afirmou Sequeira. Seu colega de BTG Pactual, Álvaro Frasson, destacou outro ponto: o fato de que muitas empresas locais saíram mais fortes da crise dos últimos anos. E boa parte delas tem apresentado resultados relativos ao quarto trimestre acima das expectativas.
“Por mais que não reflitam o coronavírus, esses balanços pegaram dados da economia brasileira não tão bons. E ainda assim apresentaram bom desempenho”, disse. “As empresas brasileiras parecem mais preparadas para momentos como esse.”
Sequeira, reforçou essa visão. “Comparado há três anos, a situação geral das empresas listadas é muito mais confortável para superar ambientes de crise”, afirmou. Ele ressaltou, porém, outro aspecto que considera de maior risco dentro do cenário que está se desenhando.
“As quedas de hoje assustam, mas, a princípio, são elementos de curto prazo, e globais”, disse. “O que preocupa é essa situação ter impacto no ambiente político e, por consequência, na aprovação das reformas em andamento. Essa é, de fato, a grande questão.”