Em junho deste ano, Edward Leamer, economista e professor emérito da Universidade da Califórnia Los Angeles (UCLA), foi uma das primeiras vozes a pedir cautela quanto ao então otimismo econômico americano.

E é bom ouvir o que Leamer tem a dizer. Afinal, ele é um especialista em enxergar um quadro recessivo, quando ninguém ainda está vendo sinais de que alguma coisa possa estar errada com a economia.

Foi assim em dezembro de 2000, quando ele previu a recessão de 2001. Um ano depois, em novo paper, Leamer avaliou o que o ataque terrorista de 11 de setembro pouco impacto teve para a queda da economia.

Em 2002, ele começou a alertar sobre o mercado imobiliário superaquecido, que poderia causar problemas no futuro, antevendo a crise de 2008, que levou o mundo a uma das suas mas sérias recessões.

Leamer, agora, está de novo preocupado. Ainda que descarte uma recessão nos Estados Unidos, ele afirma que a guerra comercial entre Estados Unidos e China impacta o crescimento global. “Estamos apenas entrando numa era de lento crescimento”, diz Leamer, nesta entrevista exclusiva ao NeoFeed.

E o Brasil não vai passar imune a essa disputa comercial. “O Brasil vai sofrer pelos dois lados: menos exportação e investimento”, afirma.

Acompanhe a entrevista:

Estamos mesmo à beira de uma recessão? A economia está tão fraca como aparenta?
Essa segunda parte da questão é a que precisamos responder. Indo direto ao ponto, acho pouco provável que tenhamos uma recessão no ano que vem, mas acho que 2021 pode ser preocupante. Historicamente, a fragilidade econômica vinha do mercado imobiliário e automotivo. Os americanos estavam comprando muitos carros, mais de 70 milhões de unidades por ano, e também comprando muitas casas. Então chegamos a uma situação insustentável, porque estávamos concedendo empréstimos imobiliários a pessoas que claramente não conseguiriam honrar com essa dívida. Fizemos isso esperando que a alta no setor imobiliário continuaria. Não estamos, atualmente, neste estado de fragilidade como já experimentamos outrora.

Então não corremos risco…
O temor está atrelado ao mercado de títulos. As taxas de curto prazo vão cair, já sabemos disso. O Fed já confirmou essa informação. Se você se pergunta "porque comprar uma taxa de longo prazo, de 10 anos, se elas vão pagar menos que as de curto prazo?" Bem, se você souber que elas, de curto prazo, vão cair, então você corre para assegurar as de longo prazo, certo? E aí temos a curva de rendimento invertida ("inverted yield curve"), que não é uma recessão, mas uma previsão dessa queda da taxa de curto prazo.

Tanto alarde, portanto, é desnecessário?
O que acontece é que todas as vezes que as taxas de curto prazo caíram foi durante um período de recessão. O Fed deixou as taxas de curto prazo altas demais. Agora eles estão corrigindo isso, na minha opinião, não porque estamos a caminho de uma recessão, mas porque eles erraram ao escolher as taxas de juros. Então agora vamos ter taxas de curto prazo mais barata.

"O Brasil vai sofrer pelos dois lados: menos exportação e investimento"

E você acha que a guerra comercial entre China e EUA prejudica ainda mais esse cenário?
Absolutamente. Isso impacta o crescimento global, na verdade. E o que é complicado nessa história é que não estamos falando de redução de comércio, mas de troca. Isso significa que outros países do sudeste asiático, como Vietnã e Indonésia, talvez peguem um pouco do trabalho que escape da China. Porque os EUA não vão importar menos, eles só vão importar menos da China, entende? Alguns produtos podem até continuar sendo fabricados em território chinês, mas serão escoados para outros países, de forma a camuflar suas origens.

Quais os países que mais vão sofrer com essa disputa entre China e EUA?
Nossas economias andam, de uma forma geral, tão codependentes que é difícil pensar em algum país que não seja afetado por essa briga. Os mais afetados serão aqueles que mais dependem da China e dos EUA, obviamente…

Como o Brasil...
Eu não sei muito sobre todas as exportações brasileiras, mas acredito que a China compre muitos de seus produtos de base natural. Então, uma China mais fraca é ruim para o Brasil. Além disso, a China tem investido muito na América Latina e talvez agora a fonte enfraqueça um pouco. Então, o Brasil vai sofrer pelos dois lados: menos exportação e investimento.

Estamos buscando novos acordos com os EUA…
Não acredito que os EUA consiga suprir, sozinho, a quota de importação chinesa proveniente ao Brasil.

Ou seja, o Brasil tem enormes desafios pela frente.
Olha, a impressão que tenho é que estamos entrando numa era crescimento lento. E o mercado de títulos está nos acordando para isso. Em 1990, tínhamos duas forças poderosas puxando a economia: a liberalização dos mercados emergentes, sobretudo os asiáticos, e a internet. O primeiro garantiu uma comercialização mais integrada e potente, enquanto o segundo, junto ao computador pessoal, transformou radicalmente a forma como produzimos as coisas. Parece que agora estamos diante de uma estagnação, pois não vejo nada que tenha força real para "puxar" a economia de novo. É hora dos governantes olharem para isso. Precisamos traçar políticas que lidem com esse fato.

"Parece que agora estamos diante de uma estagnação, pois não vejo nada que tenha força real para 'puxar' a economia de novo"

Falando nisso, acredita que toda essa questão econômica pese nas eleições presidenciais americanas, no ano que vem?
Se eu fosse candidato, a primeira coisa que me tiraria o sono seria o déficit enorme que temos. Veja, se você está numa era de grande crescimento, está tudo bem, porque você vai conseguir lidar com o déficit. Mas os EUA estão envelhecendo e a necessidade de cuidar dos nossos idosos está pensando mais e mais. Além disso, estamos num período de baixo crescimento, como falamos antes. Então, esses déficits se tornam um fardo pesado demais para os jovens, que têm de lidar com uma carga tributária altíssima – o que, por sua vez, enfraquece a economia. Não encontro em nenhum lado, nem entre os republicanos, nem entre os democratas, alguém que leve essa discussão de forma sensata.

Acredita que o discurso anti-globalização, puxado pelo Trump, em 2016, continue?
Os empregos estão desaparecendo e o crescimento está fraco, então é muito fácil culpar os outros. A verdade é que não tem mais emprego em fábricas, porque não temos mais inovação de produtos. O seu novo iPhone não significa empregos. Ele só substitui o aparelho antigo, feito pelas mesmas pessoas. Diferente de quando a secadora foi inventada, por exemplo. Nossas criações agora são outras, não tem mais nada a ver com fábricas.

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