Quando os argentinos Nicolas Szekasy e Hernan Kazah deixaram o Mercado Livre, empresa que tinham cofundado, para criar a gestora de venture capital Kaszek, em 2011, eles tinham uma convicção: era evidente que havia muitos Mercados Livres em potencial na América Latina que iam precisar de capital.
Dez anos depois e com cinco fundos que somados captaram mais de US$ 1 bilhão, os criadores da mais importante gestora de venture capital da América Latina têm, mais uma vez, uma certeza. “Há mais Mercados Livres agora na América Latina do que há dez anos”, diz Nicolas Szekasy, em entrevista ao NeoFeed.
O investidor, que assumiu a presidência do conselho de administração da Associação Latino-Americana de Private Equity & Venture Capital (Lavca) no começo deste ano, fala com propriedade de quem tem acompanhado de perto o desenvolvimento das startups latino-americanas nos últimos 20 anos.
Na última década, Szekasy construiu, em conjunto com Kazah, Nicolas Berman (outro ex-Mercado Livre), Santiago Fossatti e Andy Young, sócios do Kaszek, a maior coleção de unicórnios da região. Até agora, são oito startups bilionárias: Nubank, QuintoAndar, Loggi, Creditas, Gympass , MadeiraMadeira, Kavak e Bitso (as duas últimas são do México).
O que esperar, então, dos próximos 10 anos? Szekasy, mais uma vez, não tem dúvida. “Há muitos Mercados Livres para nascer na América Latina”, afirma Szekasy, que foi escolhido como um dos principais investidores do mundo, no ranking The Midas List 2021, da Forbes.
Nesta entrevista, Szekasy fala também sobre as aberturas de capital das empresas de tecnologia. Em sua visão, sem citar nomes, boa parte dos unicórnios da região vai fazer IPO nos Estados Unidos.
“Quando você fala com os fundadores dessas startups, a ambição é fazer um IPO nos Estados Unidos. O timing, caso a caso, não posso falar de maneira específica, mas, nos próximos três a cinco anos, a maioria dessas companhias vai abrir o capital”, afirma Szekasy.
O investidor comentou também o aumento de interesse de fundos internacionais por startups latino-americanas. “Quando você tem um caso de sucesso, você tem um pouco de interesse. Quando tem cinco casos de sucesso, é um pouco mais”, diz ele. “Com 20 casos de sucesso, o investidor que está sentado no Vale do Silício, Nova York e na Ásia, diz: ‘Uau, alguma coisa está acontecendo aqui’. E eles precisam prestar atenção.”
Questionado se está captando um novo fundo de US$ 400 milhões, Szekasy não quis comentar. Mas teceu elogios aos SPACs (special purpose acquisition company), conhecidas também como companhias de cheque em branco. “Não estamos com um plano concreto. Mas estamos muito positivos com o conceito, que tem muito potencial”, afirma.
Do Uruguai, onde está vivendo, Szekasy concedeu a seguinte entrevista ao NeoFeed. Confira os principais trechos:
Como você enxerga a evolução do mercado de venture capital na América Latina, já que o Kaszek está completando dez anos?
Essa não é uma história de 10 anos, mas sim de 20 anos, porque somos parte também do time fundador do Mercado Livre. Depois de mais de 10 anos no Mercado Livre, eu fui o primeiro a sair. O Hernan Kazah saiu um pouco depois. E o Nicolas Berman, que também é sócio do Kaszek, saiu um ano mais tarde. Em 2011, decidimos começar essa nova etapa pois era evidente para nós que havia muitos Mercados Livres em potencial que iam precisar de capital. Mas, mais do que isso, iam precisar de um investidor que poderia dar suporte em muitas dimensões e que podiam aproveitar a nossa experiência de tantos anos em termos de estratégia, operações, crescimento, produto, tecnologia, recrutamento de equipe e fund raising.
E como foi esse começo?
Era uma época muito incipiente do ecossistema, mas estava claro que havia uma série de forças que iria permitir desenvolver muitos negócios disruptivos. Começamos com um primeiro fundo de US$ 100 milhões. E já levantamos cinco fundos que somam mais de US$ 1 bilhão: quatro deles de early stage e um de opportunities para investir em companhias mais avançadas.
Você comentou que quando criou o Kaszek estava claro que existiam outros Mercados Livres na região. Hoje, seu portfólio é composto de sete unicórnios. Ainda existem Mercados Livres para serem encontrados na América Latina?
Há mais Mercados Livres agora na América Latina do que há dez anos. Quando o Kaszek surgiu, em 2011, o Nubank, o QuintoAndar, a Loggi, a Creditas, a Gympass e a Kavak não haviam sido fundadas (nota: dos unicórnios do portfólio do Kaszek só a MadeiraMadeira já exitia). Mas sabíamos que havia um mercado que iria permitir que fundadores ambiciosos, brilhantes, com muita energia e liderança, identificassem oportunidades para construir essas companhias. Mirando para frente, nos próximos dez anos, vai haver muito mais unicórnios. Sem dúvida, há muitos Mercados Livres para nascer na América Latina.
"Quando o Kaszek surgiu, em 2011, o Nubank, o QuintoAndar, a Loggi, a Creditas, a Gympass e a Kavac não haviam sido fundadas"
Você era o CFO do Mercado Livre quando o capital foi aberto na Nasdaq em 2007. Hoje, a bolsa se tornou uma alternativa para empresas de tecnologia. Como você enxerga esse caminho?
Nós, do Mercado Livre, fomos pioneiros. Tiveram alguns exemplos (de empresas da América Latina) que abriram o capital em 1999 e 2000, na época da bolha da internet. Mas, depois de muitos anos, nenhuma companhia fez IPO. Agora, há muitas companhias que estão preparadas, sob o ponto de vista da solidez do negócio e com fundamentos robustos: com crescimento da receita, com margem, com lucro, com geração de caixa e com uma posição do mercado muito forte. Muitas delas estão prontas para o passo seguinte.
Você acredita que cada vez mais startups da América Latina vão se tornar públicas?
Sim, há uma primeira geração, que foi praticamente o Mercado Livre sozinho. Depois veio uma segunda onda com Globant, Stone, PagSeguro, XP e algumas mais. Agora está por chegar a terceira rodada, que são essas companhias mais jovens que estão fazendo um trabalho incrível de desenvolver um negócio com fundamentos sólidos. Nos próximos dois, três, quatro anos, você vai ver muitas dessas empresas irem ao mercado para abrir o capital. Há apetite dos investidores para ter participação nessas histórias de sucesso.
Você vislumbra os unicórnios de seu portfólio, como Nubank, Creditas e outras, seguindo esse caminho?
Não vou falar de companhias individuais. Mas, quando você fala com os fundadores dessas startups, a ambição é fazer um IPO nos Estados Unidos. O timing, caso a caso, não posso falar de maneira específica, mas, nos próximos três a cinco anos, a maioria dessas companhias vai abrir o capital nos mercados internacionais.
"Quando você fala com os fundadores dessas startups, a ambição é fazer um IPO nos Estados Unidos"
Para ficar claro: você está se referindo aos unicórnios da América Latina?
Sim, não tenho autoridade para falar sobre as empresas em específico. Mas, pensando mais como conceito, há um grupo de muitas companhias, que são essas que falamos, que estão absolutamente com essa visão de fazer o IPO, quando for o momento mais oportuno.
A pandemia afetou positivamente os investimentos em startups na região?
Esse é um tema delicado, porque a pandemia teve um impacto muito negativo em todo o mundo do ponto de vista da saúde e da economia, com a queda do PIB e o aumento do desemprego. Foi tudo muito difícil e ainda estamos no meio da tormenta. Agora, há luz no fim do túnel com as vacinas, mas ainda estamos na tempestade. Especificamente, o que a pandemia demonstrou é que experiências, serviços e produtos podem ser desenvolvidos de forma digital. Ela acelerou todas essas tendências. E deixou mais evidente que não tem muito sentido pagar um boleto em uma agência bancária. Havia muitas pessoas que eram early adopters, mas havia outras que seguiam com o comportamento tradicional em produtos financeiros, em compras, em educação e em consulta médica. No mundo digital, essas experiências podem ser muito melhores, mais fáceis e mais eficientes para a nossa vida. O consumidor que teve uma experiência melhor no digital do que no físico vai continuar fazendo no digital.
Poucas gestoras internacionais de venture capital olhavam para a região. A partir de 2019, o Softbank, com seu fundo de US$ 5 bilhões, ajudou a mudar essa percepção sobre a América Latina?
Eu respeitosamente discordo. As companhias do nosso fundo I, de 2011, levantaram bilhões de dólares de capital depois do nosso investimento. Havia muitos fundos que já olhavam a América Latina. O que aconteceu é que, a partir de 2017, toda essa curva se acelerou. Há mais fundos e mais interesse. Muitos fundos de venture capital que não investiam na América Latina começaram a investir. Quando uma companhia ia ao mercado levantar uma série C ou D, em 2015, tinha de três a cinco conversas. Agora, pode ter 15 conversas relevantes com interessados em investir. Quer dizer, aumentou o interesse. Mas o interesse cresceu pelo resultado das companhias. Quando você tem um caso de sucesso, você tem um pouco de interesse. Quando tem cinco casos de sucesso, é um pouco mais. Com 20 casos de sucesso, o investidor que está sentado no Vale do Silício, Nova York e na Ásia, diz: ‘Uau, alguma coisa está acontecendo aqui’. E eles precisam prestar atenção.
"Havia muitos fundos que já olhavam a América Latina. O que aconteceu é que, a partir de 2017, toda essa curva se acelerou"
Há rumores de que vocês estão levantando um novo fundo de US$ 400 milhões. Pode comentar?
Não falamos de notícias que não se conhece a fonte. Quando fazemos um fund raising, só falamos quando ele está fechado. Mas não posso falar se estamos fazendo ou não. Prefiro falar do presente, não de planos futuros.
O SPAC virou uma nova febre nos Estados Unidos. O Kaszek tem interesse?
O SPAC é um instrumento superinteressante de financiamento para as companhias. É uma alternativa a mais e interessante (de investimento). É também um caminho para fazer um IPO. Não estamos com um plano concreto. Mas estamos muito positivos com o conceito, que tem muito potencial.