A onda das companhias de cheque em branco, os SPACs (special purpose acquisition company), ajudou a fazer do primeiro trimestre de 2021 o melhor resultado em fusões e aquisições ao menos desde 1980. De acordo com dados da consultoria Refinitiv, o mercado global de M&A movimentou US$ 1,3 trilhão entre janeiro e março de 2021.

Apenas nos Estados Unidos foram US$ 654 bilhões negociados, um aumento de 160% em relação ao mesmo período do ano passado, quando os investidores preferiram pisar no freio, preocupados com o impacto da pandemia.

Muitas das maiores negociações foram feitas por meio de SPACs. De acordo com os dados da Refinitiv, foram anunciadas 103 fusões com essas companhias de cheque em branco, avaliadas em US$ 229 bilhões, um terço de todas as negociações do setor de M&A nos Estados Unidos.

O resultado é ainda maior do que o US$ 1,2 trilhão movimentado no período no fim dos anos 1990, que ficou conhecido como a bolha pontocom. Na época, as então emergentes empresas de internet captaram muitos recursos, mas muitas quebraram alguns anos depois. Foi o que o então presidente do Federal Reserve (Fed), Alan Greenspan, chamou de "exuberância irracional", fazendo um questionamento sobre a supervalorização do mercado de ações.

A pandemia teve um papel importante nessa explosão de negócios em várias frentes. Transformações digitais que estavam acontecendo ganharam velocidade e a realização de reuniões e discussões online facilitaram as negociações, dispensando a necessidade das viagens.

Além disso, empresas vistas como potenciais vencedoras na recuperação econômica pós-pandemia estão aproveitando a grande disponibilidade de capital e as baixas taxas de juros para fazer negócios.

E os SPACs estiveram por trás de diversos desses grandes negócios. Nos EUA, esse ativo disparou. Na ano passado, foram captados US$ 82,6 bilhões em 248 companhias de cheques em branco. Neste ano, já foram levantados US$ 92,6 bilhões em 291 SPACs, mostra levantamento da Dealogic

Um exemplo de negócio envolvendo SPACs é o da Lucid Motors, montadora de veículos elétricos que disputa o mercado com a Tesla. Em fevereiro, ela anunciou uma fusão que a avaliou em US$ 24 bilhões com o SPAC Churchill Capital IV Corp,, do veterano investidor Michael Klein (homônimo do empresário filho do fundador da Casas Bahia no Brasil).

Em março, a israelense eToro, uma das principais plataformas de investimento, anunciou também uma negociação para abrir o capital por meio de uma fusão que a avaliou em US$ 10 bilhões com o SPAC da empresária Betsy Cohen, o FinTech Acquisition Corp V.

Os SPACs são veículos que captam dinheiro de investidores que acreditam na capacidade dos gestores de encontrar um bom ativo nos próximos dois anos para comprar e levá-lo para a bolsa. Como os investidores não sabem qual empresa será comprada, eles são conhecidos também como companhias de “cheques em branco”.

A febre dos SPACs também é vista como uma opção mais rápida rumo ao IPO. Tradicionalmente, empresas que querem abrir o capital precisam se preparar por alguns anos, contratar bancos de investimento e fazer road shows. Os SPACs simplificam esse caminho.

"A atividade tem sido frenética em parte para compensar o receio que se abateu sobre o mercado com a chegada da pandemia", disse Susannah Streeter,
analista de investimentos da gestora britânica Hargreaves Lansdown em entrevista ao site Business Insider. "Mas há uma preocupação crescente sobre os investimentos altamente especulativos feitos nos SPACs, mostrando que parte do mercado se tornou extremamente superficial."

O formato vem também ganhando tração no Brasil. Companhias como HPX, Itiquira, Alpha Capital, Softbank, Waldencast e Valor Capital captaram ou estão levantando recursos para levar uma empresa à bolsa. Somados, elas devem levantar mais de US$ 1,3 bilhão para comprar ativos que vão de empresas de tech até de consumo no Brasil ou na América Latina.

A comparação com a bolha pontocom não é por acaso. Esse entusiasmo desenfreado levanta questionamentos sobre a irracionalidade de certos acordos. “Há uma tonelada de capital procurando desesperadamente por um destino”, diz Farah O'Brien, do escritório de advocacia Latham & Watkins, em entrevista ao jornal Financial Times. “E não há nenhum tipo de precaução do mercado no momento.”