Um time formado por profissionais com ampla experiência na área de varejo está se unindo para montar um fundo venture capital (VC) setorial de R$ 100 milhões para investir em startups que põem a “barriga no balcão” com um componente tecnológico, as chamadas retail techs.

A nova gestora nasce da HiPartners, uma venture builder criada por Walter Sabini Jr., um empreendedor que já vendeu duas vezes suas empresas (a Virid para a Serasa Experian e a e-Smart para a B2W), e montou um portfólio de seis startups como pessoa física (Precifica, FX, Eu Entrego, Equilibrium, Harmo e F360º).

Estão se unindo a Sabini Jr. três profissionais tarimbados do varejo. Um deles é Germán Quiroga, fundador da Omni55, e com passagens por Americanas.com, Nova Pontocom e Cnova (estas duas últimas operações online eram do grupo Pão de Açúcar).

O grupo inclui ainda Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), e Alberto Serrentino, vice-presidente da SBVC e fundador da Varese Retail. “Tudo o que é tech que varejista usa, nós vamos olhar”, diz Sabini Jr., com exclusividade ao NeoFeed.

O trio vai participar ao lado de Sabini Jr. do comitê de investimentos e da originação dos negócios, bem como irá atuar como advisors das startups investidas. Juntos, eles têm presença em mais de 20 conselhos e comitês de grandes varejistas, como Cobasi, Arezzo&Co, Ultra, C&A, Centauro, brMalls, Grupo Boticário e Petz, entre outros.

“O que pode fazer a diferença é a capacidade do grupo de entender as dores do varejo e identificar as startups que tenham consistência e capacidade de gestão”, afirma Serrentino. “E, claro, não só capitalizá-las, mas também ajudá-las na estratégia de crescimento e acesso ao mercado.”

Até agora, a HiPartners já conseguiu compromissos que representam 40% do fundo de venture capital. Sabini Jr., Quiroga, Terra e Serrentino se comprometeram com 10% do total. Pessoas influentes no mundo do venture capital como Edson Rigonatti, sócio da Astella Investimentos, e a Gustavo Heilberg, sócio da HIX Capital, estão também entrando como investidores do fundo.

“A rede de relacionamento do Sabini Jr. com o varejo é incrível”, afirma Rigonatti. “Ele tem uma experiência única como founder e um acesso ímpar aos fundadores de retail techs.”

Sabini Jr. diz que conversa com três marcas de varejo para entrar como limited partners do fundo. “Ninguém quer perder os grandes negócios. A ideia é estar conosco para acompanhar e viver a cultura das startups e fazer coinvestimentos nos follow ons”, diz o investidor. “Além de testar, para ver se essas startups têm qualidade de entrega.”

A ideia da HiPartners é investir em, pelo menos, 15 startups. O cheque começa em R$ 1 milhão e pode chegar a R$ 10 milhões

A ideia é investir em, pelo menos, 15 startups, participando de rodadas de seed money e série A. O cheque começa em R$ 1 milhão e pode chegar a R$ 10 milhões. Para follow ons, serão reservados 40% dos recursos.  “Nossa tese passa por avaliar os fundadores, a solução, o mercado e a  tecnologia”, diz Sabini Jr.

De acordo o Distrito, ecossistema independente de startups, existem 861 retail techs no Brasil. Até agosto deste ano, as empresas desse setor receberam US$ 1,5 bilhão em investimentos, mais do que o dobro do que todo o ano de 2020.

VC setorial

A entrada da HiPartners como um VC especializado no varejo reforça uma tendência que está se acelerando no mercado brasileiro: a dos fundos que são setoriais.

“Quando o mato estava alto, os VCs pegavam as oportunidades de qualquer tipo”, diz Marcus Anselmo, cofundador da Terracota Ventures, especializada em construtechs. “A partir do momento que o mercado começa a se tornar competitivo, é preciso diferenciação.”

À medida que o capital começa a ser uma commodity, o diferencial para atrair um negócio deixa de ser o dinheiro e passa a ser fatores intangíveis. O atrativo dos VCs setoriais podem ser resumidos no melhor conhecimento do setor em que atuam e na capacidade de conexão ao ecossistema da área.

Há poucos exemplos ainda no Brasil, além da Terracota Ventures. Um deles é a SP Ventures, que se especializou em investimentos em agtechs. A Mandi Ventures, de Antonio Moreira Salles e Julio Benetti, atua também na área de startups agrícolas. A Techtools Ventures é focada em healthtechs, assim como a Aggir Ventures, um VC liderado por Nádia Armelin, uma ex-executiva da Oxiteno e da Dow Chemical.

“O venture capital é o maior risco da cadeia alimentar dos fundos. Porém, o maior retorno”, diz Jeff Plentz, fundador da Techtools, que está lançando três fundos que pretendem captar R$ 1 bilhão para investir em healthtechs. “O especialista gerencia melhor o risco daquele setor.”

Por esse motivo, muitos fundos de corporate venture capital alocam recursos em VCs setoriais, como uma forma de se aproximar das startups. A Terracota Ventures, por exemplo, tem entre seus cotistas Gerdau, Cyrela e Vedacit.

A SP Ventures atraiu a Basf Venture Capital e a Syngenta Ventures, bem como Adisseo, da área de nutrição animal, e a Mosaic, do segmento de fertilizantes, em seu segundo fundo, que captou R$ 130 milhões.

“Trazemos mais valor para os empreendedores. É smart money de verdade”, diz Francisco Jardim, sócio da SP Ventures. “E, na hora de um deal, não sou comparado com um Kaszek ou uma Monashees. Estou na caixa dos especializados: é um oceano azul.”

Existem 861 retail techs no Brasil, que receberam US$ 1,5 bilhão em investimentos até agosto deste ano

Por muito tempo, faltou capital aos empreendedores. Nos últimos anos, isso deixou de ser um problema. Em especial, para aqueles que têm boas ideias e capacidade de execução.

O anúncio do Softbank, que confirmou o Latin America Fund II com US$ 3 bilhões (mas com uma ambição bem maior), é um indício de que a liquidez seguirá alta para investimentos em venture capital por um bom tempo.

O megainvestidor Warren Buffet tem uma frase que ficou famosa por mostrar que nos momentos de exuberância e de extrema liquidez, os investimentos podem se tornar irracionais. "Você só descobre quem está nadando pelado quando a maré baixa."

Em um momento como agora, os VCs setoriais não vão conseguir evitar esse risco. Mas, ao menos, eles têm uma chance, por serem especializados, de fazerem apostas mais certeiras. “Agora, é a vez dos VCs setoriais”, diz Sabini Jr. O tempo dirá se ele tem razão.