Em 2018, o empresário Jorge Paulo Lemann fez uma declaração que ecoou pelos quatro cantos do planeta. “Eu sou um dinossauro apavorado”, disse ele, ao participar do painel "Estratégia e Liderança em Uma Era de Disrupção", na conferência anual do Instituto Milken, em Los Angeles.
A declaração era uma referência às dificuldades de seus negócios tradicionais, como a AB Inbev e a Restaurant Brands, dona do Burger King e do Tim Hortons, se adaptarem aos novos tempos digitais. E, em certa medida, dele próprio de entender a nova lógica digital dos consumidores.
Mais de dois anos depois, o “dinossauro” Lemann está se mexendo e investindo em negócios digitais, como a Stone, de meios de pagamentos, e a Brex, que desenvolveu um cartão de crédito para startups nos Estados Unidos. Mas o próprio Lemann admite que ainda tem uma dificuldade enorme ao investir nessas empresas de alto crescimento.
“Cadê o lucro? Não tem lucro. Eu tenho uma dificuldade enorme com essa conversa de que vai crescer 20% em comparação ao ano passado. Mas cadê o lucro?” disse Lemann, em uma conversa com o empreendedor Henrique Dubugras, fundador da Brex, durante o Encontro Anual de Líderes da sua Fundação Estudar, que dá bolsa para estudantes brasileiros estudarem no exterior.
Lemann, no entanto, fez questão de ressaltar que isso não impede que ele faça o investimento. “Entendemos que a época mudou e temos de nos adaptar”, disse o bilionário brasileiro, dono de uma fortuna estimada em US$ 18,7 bilhões e acionista também da Lojas Americanas e da B2W, dona das marcas Submarino e Americanas.com. “Passamos 10 anos procurando o lucro da Amazon e ela não tinha lucro. Mas veja onde ela chegou.”
A conversa entre Lemann e Dubugras mostrou a visão de dois empreendedores de gerações diferentes. Lemann tem 80 anos e é um dos mais bem-sucedidos empresários brasileiros dos últimos tempos. Dubugras, um jovem de 24 anos, está por trás da Brex, uma das startups mais quentes do Vale do Silício avaliada em US$ 3 bilhões.
Para Lemann, apesar da dificuldade de entender a lógica de empresas que não dão lucro, ele diz que o seu racional de investimento é sempre a mesmo, independentemente do setor. “Continuamos gostando do empreendedor, do que ele fez antes, da equipe que ele tem e do tamanho de seu sonho grande”, disse. “Essas coisas são mais ou menos as mesmas.”
Durante a conversa, Lemann revelou que começou a investir em startups a partir dos contatos que tinha com pessoas no meio digital. Foi assim que ele apostou na Stone, na Movile, dona do iFood, e na Brex.
Mas, de acordo com ele, nos últimos dois anos, ele, em conjunto com Marcel Telles e Beto Sicupira, o trio de empresários que está por trás também do 3G, criou o LTS Investments para organizar esses investimentos.
“Agora, olhamos tudo quanto é coisa, de cinco a dez por semana”, afirmou Lemann. “Estamos olhando muita coisa mas fazendo menos (investimentos). O importante é olhar. Olhar mais.”
Na conversa com Dubugras, Lemann não deu detalhes sobre a LTS Investments. O único investimento conhecido da empresa é em uma empresa que não é do setor de tecnologia.
Trata-se da Duty Cosméticos, marca de cosméticos do empresário Daniel de Jesus, que vendeu a marca Niely para L'Oreal, por R$ 1 bilhão há seis anos. Apesar disso, Lemann acrescentou que, com a LTS Investments, espera “encontrar mais Stones e Brexs pela frente.”
Otimista com o setor de tecnologia, o bilionário brasileiro disse também acreditar que, nos próximos anos, pelo menos cinco empresas brasileiras devem estar entre as dez maiores da bolsa brasileira. “Temos aí o exemplo do Mercado Livre, que se tornou a maior empresa em valuation da América Latina. Vão ter várias outras", disse Lemann.
Mas Lemann não quis fazer previsões. Ao contrário: transferiu para Dubugras essa questão. O jovem empreendedor brasileiro resolveu não arriscar e citou empresas já estabelecidas como candidatas a se tornarem gigantes na bolsa, como a Stone, a Wildlife (de jogos para celulares), o Nubank e o Mercado Livre. “Existem muitas empresas que nem levantaram capital e que vão ser grandes”, afirmou o Dubugras.
O empreendedor brasileiro, que foi um dos bolsistas da Fundação Estudar, também comparou o modelo de negócios do Vale do Silício com o que consagrou Lemann, baseado numa disciplina de custos rígida e na compra de grandes empresas para crescer e ganhar escala.
“A principal diferença é a questão dos custos”, afirmou Dubugras. “O pessoal não controla muito os custos (no Vale do Silício). O foco é em criar novos produtos e em ser mais eficiente a cada dia.”
Ele também ressaltou o fator humano. Nas empresas de Lemann, é comum muitos profissionais começarem de baixo até atingirem os mais altos níveis hierárquicos. No Vale do Silício, Dubugras diz que a rotatividade é muito alta. “O normal é um engenheiro passar por várias empresas”, disse.
Outra diferença é a questão de fusões e aquisições. De acordo com Dubugras, há muitos negócios, mas, em geral, eles não são gigantes como os feitos por Lemann & Cia. (Só para lembrar, Lemann é acionista da maior cervejaria do mundo, a AB Inbev, a partir de uma série de negócios bilionários).
Questionado por Lemann sobre qual é o seu sonho grande, Dubugras foi direto ao ponto. “Meu sonho é comprar a Amex”, disse ele. Ao que sorrindo, Lemann retrucou lembrando que Warren Buffett é dono de 10% da empresa. “Vou convencê-lo a vender”, disse, brincando.