A atividade econômica dos principais países da América Latina tem se mostrado surpreendentemente resiliente no início de 2023, com exceção da Argentina, tornando o processo de desinflação mais lento. Os bancos centrais da região estão próximos do fim do ciclo de aperto monetário, mas as taxas de juros tendem a permanecer elevadas por bastante tempo.
O diagnóstico faz parte do estudo inédito “Como andam nossos vizinhos”, que o NeoFeed teve acesso com exclusividade, preparado por Francisco Nobre, economista da XP. O relatório faz uma análise da situação econômica de Brasil, México, Colômbia e Chile, mas exclui a Argentina - considerado um caso extremo na região, com desequilíbrios monetários e fiscais acentuados, hiperinflação e incerteza com a eleição presidencial no segundo semestre.
De acordo com o estudo, os principais países da região devem seguir a tendência da economia global nos próximos meses, com desaceleração em meio a condições financeiras restritivas. “Todos passaram por inflação alta por um tempo, sendo que os bancos centrais foram obrigados a elevar os juros”, disse Nobre ao NeoFeed. “Como ainda estão com inflação acima da meta, é preciso aguardar a política monetária fazer efeito.”
Segundo ele, diferentemente dos países do Primeiro Mundo, incluindo Estados Unidos e União Europeia, que correm o risco de ter recessão, os da região devem enfrentar apenas uma desaceleração da economia.
O setor de serviços puxou o crescimento nos países latino-americanos. As taxas de aumento do PIB previstas reforçam essa tendência. A XP revisou o crescimento do Brasil em 2023 de 1,0% para 1,4%. As economias de México (2,7%) e Colômbia (1,4%) também devem crescer. Chile (-0,5%) é exceção.
Nobre ressalta que os bancos centrais da região já aumentaram as taxas de juros consideravelmente para combater a inflação, embora o início do ciclo de flexibilização exija sinais mais claros de acomodação de preços.
“A inflação já atingiu seu pico na maioria dos países, porém o processo de desinflação tem se mostrado mais lento do que o esperado”, disse o economista.
De acordo com o estudo, os próximos países a iniciar seus ciclos de flexibilização dos juros serão o Chile (julho) e o Brasil (agosto), enquanto os cortes podem demorar mais na Colômbia (outubro ou dezembro) e no México (novembro).
Surpresa com o Brasil
O possível crescimento do PIB do Brasil em 2023, maior do que inicialmente previsto pela XP, é atribuído às surpresas positivas na atividade de serviços e na produção agrícola. Para o México, de acordo com o relatório, os dados recentes indicam um crescimento sólido este ano, com menor divergência entre os setores.
Na Colômbia, a atividade continua forte, mas a XP projeta uma acomodação. O Chile, único país analisado com previsão de crescimento negativo do PIB, a média móvel de três meses dessazonalizada do indicador de atividade econômica IMACEC voltou ao território positivo em fevereiro e março, sustentada por uma resiliência no setor de serviços e maiores gastos fiscais.
No Chile, a rejeição de uma nova Constituição em setembro, combinada com a recente vitória da direita com representação majoritária no Conselho Constitucional, reduziu consideravelmente o risco político. “Mas o Chile fechou 2022 com déficit alto de conta corrente, desvalorização elevada do câmbio e inflação acima de 10%”, disse Nobre.
O estudo adverte que as incertezas políticas estão mantendo os prêmios de risco dos ativos da América Latina elevados. No Brasil, o novo governo está implementando uma política fiscal mais expansionista, tornando desafiadora a meta de superávit primário em 2025, e o debate de elevação da meta de inflação também preocupa.
No México, o foco seriam as eleições locais de junho, que provavelmente servirão de pano de fundo para as eleições presidenciais de 2024. A possível vitória do situacionista Movimento Regeneração Nacional (Morena) no estado do México - bastião da oposição – deve facilitar a reeleição do atual presidente, Andrés López Obrador.
Na Colômbia, as perspectivas sobre a política fiscal e estabilização da dívida do publica continuam sendo um desafio para o atual governo expansionista.
Mesmo sem incluir a Argentina na análise do bloco, o estudo faz menção ao país vizinho. “Há pressões sobre reservas escassas e preocupações crescentes de que a inflação aumentará (ainda) mais. Além disso, o processo eleitoral começará no segundo semestre”, diz o relatório.
De acordo com Nobre, a situação atual da Argentina não vislumbra uma solução a médio prazo. “O que a Argentina precisa é de estabilidade política, cambial e monetária, o que só será atingido a longo prazo.”