Com uma inflação anual na casa dos 88% - devendo chegar a 100% em dezembro, pela primeira vez em 30 anos -, um aumento do déficit fiscal de 700% em apenas um ano, juros na faixa de 70%, reservas internacionais em queda e desemprego em alta, a Argentina voltou a mergulhar em um clima de pessimismo e insegurança em relação ao futuro.

A solução para reverter a descida rápida do país ao fundo do poço esbarra na insistência do governo do presidente Alberto Fernandéz, que assumiu em 2019, em adotar medidas populistas que não atacam o problema principal: a busca de equilíbrio fiscal e monetário, além de um choque para conter a escalada de juros e dos gastos públicos.

Indo no sentido contrário, Fernandez anunciou um congelamento de preços de uma cesta de produtos e manteve o desequilíbrio do câmbio, que tem dez cotações diferentes, a ponto de não ter no horizonte uma perspectiva de melhora a curto prazo. Parte da equação, a eleição presidencial, prevista para 2023, inibe a adoção de medidas duras.

“A Argentina está nessa situação porque persistiu no caminho errado”, afirma o economista Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisas macroeconômicas para América Latina do Goldman Sachs.

Para ele, o país optou por uma tentativa de esconder a realidade com várias frentes de controles sobre a economia: de preços, do câmbio, das tarifas públicas e da importação, seguidas de medidas que desdobram esses controles, como as várias taxas de câmbio, por exemplo. Em sua avaliação, não há solução sem a adoção de políticas duras.

“A Argentina passou daquele ponto em que poderia fazer um ajuste convencional sem causar uma crise”, adverte Ramos, acrescentando que o problema tem solução e é conhecido. “É preciso parar de imprimir dinheiro e de adotar níveis crescentes de repressão financeira", diz. "Porque quando se vive num ambiente de pressão financeira, a população não confia na moeda nem nas autoridades, e acaba buscando refúgio no dólar."

Custo social

Carlos Honorato, professor de Economia da FIA Business School, também elenca algumas medidas que precisam ser tomadas para reverter a situação. Entre elas, a melhora da confiança no Estado em reduzir o gasto público e a necessidade de fazer ajustes onde é preciso, mesmo que isso traga um custo social.

Para ele, os entraves são igualmente grandes. “A questão política é dramática, pois o presidente é rompido com a vice, Cristina Kirchner", diz Honorato. "Além disso, tem a força dos sindicatos pressionando o governo, o que tira poder de barganha de Fernandéz."

O cenário ruim, no entanto, não impede saídas possíveis. “É preciso focar no que é importante, como aproveitar o pampa, que tem uma extensa área agriculturável, e reorganizar os incentivos para estimular o superavit primário”, afirma.

Ele ressalta outros pontos positivos que ajudariam a recuperar a economia, como o nível educacional argentino - melhor que o brasileiro. Outro fator é a boa produtividade no campo.

"O país precisa de um pacto nacional com prioridades, sem deixar de acompanhar a questão da pobreza (hoje em torno de 35% da população)”, afirma o professor. “A rigor, a Argentina é um país barato, com mão de obra muito boa e com habilidade econômica, ou seja, um bom país para se investir, mas é preciso um mínimo de previsibilidade."

Honorato também sugere algo que falta ao atual governo: ousadia. “A Argentina já está quebrada, então é melhor abrir de vez o mercado, bater de frente com segmentos que sempre pensam em seus interesses, como o movimento sindical e parte da elite", observa. "Vai ter gente que vai quebrar, mas o país ganha fôlego para buscar estabilidade perante a comunidade internacional."

Poucas opções

Menos otimista, Ramos, do Goldman Sachs, acha difícil que a Argentina arrume a casa antes da próxima eleição presidencial. “A Argentina não vai inovar, o câmbio precisa encontrar seu ponto de equilíbrio e está mais alto do que isso; o curto prazo é de inflação, desemprego e recessão.” diz.

O drama da inflação é que parte dela alimenta o que se chama de inflação reprimida, fruto do câmbio e tarifas públicas represadas. Nesse cenário, como o economista ressalta, “antes de melhorar, precisa piorar”.

“Obviamente que, do ponto de vista político, a estratégia é suicida a menos de um ano de eleição", pontua Ramos. "Por outro lado, não fazer nada também parece suicídio, do ponto de vista político."

Até mesmo a solução apontada por Ramos para começar a resolver o problema é de difícil realização. “A eleição está distante, é um dilema: o governo está paralisado por medo e também por teimosia, pois acha que esse modelo é bom”, diz o economista, que conclui:

“Mesmo que Fernandéz tenha notado que o modelo colapsou, não sei se tem coragem de mudar mesmo porque até a eleição não vai dar tempo. Qualquer escolha daqui para frente é muito ruim.”