Quando o Bradesco anunciou, na noite da última sexta-feira, que estava assumindo 100% do banco digital Digio pouca gente entendeu a estratégia por trás da aquisição. Ao pagar R$ 625 milhões por 49,99% que estavam com o Banco do Brasil, o banco da Cidade de Deus se tornou dono de três marcas digitais para disputar o mercado com as fintechs.
Além do Digio, que conta com 2,7 milhões de clientes, o Bradesco tem o banco digital Next, com 7 milhões de clientes, e a carteira digital Bitz, com 1,1 milhão de contas ativas. São três marcas que, de certa forma, competem pelo mesmo tipo de cliente e que, no fim do dia, terão de oferecer os mesmos produtos e serviços.
Indagado sobre isso, Marcelo Noronha, vice-presidente executivo do Bradesco, tem outra visão. “É como a Unilever, que tem várias marcas e você nem sabe que aquela determinada marca é deles”, afirma ao NeoFeed. E prossegue. “O Bradesco está se transformando e fazendo apostas em vários cavalos na vertical digital”, diz ele.
As negociações da compra do Digio, que nasceu como CBSS em 2014, e passou a oferecer cartão de crédito sem anuidade e sem cobrança do rotativo, levaram quase um ano. “O nosso sócio tinha uma visão diferente do negócio e resolvemos ficar com ele”, diz Noronha. Agora, o executivo diz que vai acelerar o crescimento do banco.
Noronha não diz o número de clientes que pretende alcançar e afirma que vai fechar o plano definitivo com Carlos Giovane Neves, o CEO do Digio. Mas arrisca o palpite de que, em um ano, vai crescer, no mínimo, 50% a sua base e agregar novos produtos e serviços ao banco.
Hoje, o Digio oferece conta bancária, cartão de crédito e empréstimo pessoal. Sua carteira de crédito é de R$ 2,5 bilhões e lucrou R$ 37,6 milhões no primeiro semestre. A ideia é criar uma plataforma de investimentos, entrar em crédito imobiliário e até em seguro. “É um banco que já está funcionando, tem um time de 276 profissionais e é escalável”, afirma Noronha.
Um profissional de mercado ouvido pelo NeoFeed diz que a lógica desse negócio seria unir com o Next. “Nem os acionistas do Bradesco devem ter entendido essa compra do Digio”, diz ele. “Uma hora a lógica vai prevalecer”, diz ele. Perguntado se esse não seria o melhor caminho, Noronha diz que, por enquanto, não.
“Se eu fizer uma fusão com o Next agora, teria de dar um freio de arrumação”, afirma o executivo. “Teria de integrar equipes, tecnologia e perderia clientes. É muito melhor pisar no acelerador agora. Temos capital para isso.” Mas ele não descarta uma união no futuro. Até porque, os grandes bancos privados que dominam o mercado brasileiro, como o próprio Bradesco, Itaú e Santander, são fruto de uma série de fusões e aquisições.
Uma fusão entre Next, Digio e Bitz faria com que o Bradesco ganhasse mais destaque e poder de fogo na corrida com as fintechs. E não é uma prova fácil. Usando a metáfora de Noronha, dos seus vários cavalos, os incumbentes largaram com atraso.
O Nubank, por exemplo, conta com 40 milhões de clientes. O Neon surge com mais de 15 milhões; o Banco Inter, com 14 milhões; o Banco Pan, com 12,4 milhões; e o C6 Bank já ultrapassou a barreira dos 10 milhões de correntistas.
Além disso, o Itaú, que antes trabalhava a sua própria marca numa transformação digital, passou a apostar suas fichas no iti, hoje com 10 milhões de clientes. O BTG Pactual também passou a destravar o seu valor na bolsa ao avançar nesse segmento, com o BTG Digital e BTG+.
Paralelo a movimentação no universo das fintechs, a compra do Digio trouxe outra questão à tona. Essa seria o primeiro de outros negócios envolvendo as empresas da Elopar, a sociedade entre Bradesco e Banco do Brasil? “Esse foi um negócio isolado”, diz Noronha.
O grupo hoje mantém a Alelo, Veloe, Livelo, Cielo e Elo Cartões. A Cielo, por exemplo, já foi alvo de especulações, de uma possível saída do BB. O banco estatal chegou a sinalizar que pretendia se desfazer de sua participação. Mas até hoje os dois acionistas não se entenderam sobre o assunto.
No caso da Elo Cartões, uma das joias da coroa do grupo, o plano é abrir o capital na Nasdaq até o fim do ano. Fontes ouvidas pelo NeoFeed disseram em mais de uma ocasião que existe um desalinhamento dos sócios. Noronha diz o contrário. “Nos damos bem e as empresas estão gerando riqueza para os acionistas. Distribuímos R$ 1,1 bilhão em dividendos na virada do primeiro semestre.”