Corriam os primeiros anos do século XVIII. Após a morte do pai, o jovem Nicolas Alexandre de Ségur se viu obrigado a assumir os negócios da família. O clã já era dono de duas das principais propriedades de Bordeaux, as vinhas de Lafite e Latour. E, nos anos seguintes, estendeu suas fronteiras.
Seus vinhos ganharam fama e chegaram às cortes inglesa e francesa. Como sinal desse prestígio, Nicolas recebeu do rei Luís XV a alcunha de “Príncipe das Vinhas”. Após sua morte, porém, em 1755, as terras foram vendidas e deram origem a outras vinícolas de renome. Entre elas, a Baron Philippe de Rothschild.
Três séculos depois, no entanto, a família Ségur está resgatando seus laços e negócios no mundo dos vinhos. E um dos responsáveis pelo retorno é um brasileiro que carrega justamente esse sobrenome.
“Foi uma feliz coincidência”, diz o carioca Louis de Ségur de Charbonniéres, ao NeoFeed. Assim como seu antepassado, ele também cuida dos negócios do seu clã. Nesse caso, o Enseada Family Office, que gere os investimentos da família fundadora e controladora da SulAmérica.
O family office é o nome por trás da Ségur Estates, que reúne as vinícolas portuguesas Encostas de Estremoz e Ségur Estates Redondo Winery, na região do Alentejo, e Quinta do Sagrado, no Vale do Douro. O grupo tem mais de 100 rótulos próprios e produz 10 milhões de garrafas por ano.
A construção dessa operação teve início em 2014, quando o Enseada escolheu Portugal como a próxima escala em sua estratégia de diversificação de investimentos e analisou mais de 60 negócios no país.
A escolha recaiu sobre o mercado de vinhos, que preenchia todos os critérios buscados: produtores com boa reputação, representatividade local e capacidade de exportação, mas com uma gestão ineficiente. Em meio às pesquisas, a descoberta da conexão familiar com o setor só reforçou a decisão.
A aposta não ficou restrita, porém, ao sobrenome. “É importante ter o brasão da família, isso conta uma história”, diz de Charbonnières. “Mas minha cabeça é de negócios. Precisávamos ir além para fazer o turnaround dessas operações.”
O escolhido para liderar essa tarefa foi o português João Barbosa. “Pegamos essas empresas abaixo de zero, com Ebtida negativo e um nível de endividamento monstruoso”, diz Barbosa, CEO da Ségur Estates.
Uma de suas primeiras iniciativas foi identificar quais vinícolas do país estavam sob o guarda-chuva de bancos, pelo fato de não quitarem suas dívidas. Depois de identificar quais fariam sentido dentro da tese, Barbosa propôs ficar com os ativos e ainda teve acesso a financiamento dessas instituições.
Já em 2019, a Ségur Estates foi uma das selecionadas em um programa do Banco de Desenvolvimento de Portugal, que resultou na entrada da instituição como acionista da empresa. Desde então, o banco já fez três aportes na companhia. O Enseada, por sua vez, injetou cerca de € 12 milhões na operação.
Alguns números traduzem o que foi feito desde então. A dívida total estava em mais de € 8 milhões na época. Hoje, está em cerca de € 3 milhões. Em 2020, o grupo reportou uma receita de € 10 milhões, contra os € 6 milhões de 2019.
“Hoje, temos uma série de marcas, recuperamos a credibilidade dos rótulos e um negócio que para em pé”, afirma de Charbonnières. “Nosso desafio agora é como dar mais escala a esse modelo.”
Além de Portugal
Para isso, a Ségur Estates quer replicar sua estratégia em outros países. A começar pela Espanha, onde negocia a compra de uma vinícola oito vezes maior do que a sua própria operação.
“Temos muitas relações com outros family offices e estamos conversando para coinvestir”, diz de Charbonnières. “Eu sigo aquela máxima de que, para ganhar dinheiro, primeiro você concentra. Depois, dilui e diversifica. Se preciso, vamos diluir em prol da empresa.”
Além de outros negócios na Espanha, a Ségur Estates já tem ativos mapeados na Itália. E, no médio prazo, a próxima escala será buscar vinícolas no mercado francês, selando a reconexão da família com suas origens.
“Globalmente, das dez maiores empresas do setor, nenhuma é europeia, o que é espantoso”, diz Barbosa. “Isso abre a perspectiva de pegar todo o conhecimento do vinho europeu, mas que tem uma estrutura industrial ainda muito fragmentada, e desenvolver essas marcas.”
Em paralelo a essa expansão, a empresa segue reforçando a exportação de seus vinhos portugueses. Hoje, seus rótulos atendem mercados como China, Coreia do Sul, Europa e Angola. O destino número um, porém, é o Brasil, com cerca de 25% da produção.
O País ilustra bem a estratégia do grupo. Um dos pilares é o investimento em uma oferta abrangente, com opções para todos os bolsos. Ao mesmo tempo, a companhia oferece exclusividade para os parceiros selecionados em cada canal de venda.
O vinho de entrada do grupo é o Ossa Private Selection Regional Alentejano 2019 (R$ 109,90). Já o rótulo mais premium é o Sagrado Vinhas Velhas Tinto 2015 (R$ 681,90).
Um dos planos no Brasil é ampliar o portfólio distribuído pela Wine, parceiro exclusivo do grupo nos canais online. No offtrade, a empresa também quer buscar mais parcerias com redes de supermercados e outros canais.
Uma terceira via da distribuição vai começar a ganhar fôlego agora, com a reabertura da economia. Ela envolve o desenvolvimento de acordos de distribuição focados em hotéis, restaurantes e bares do País.
Segundo a Ideal Consulting, de janeiro a agosto deste ano, foram importadas 1,8 milhão caixas de 9 litros de vinhos portugueses no País, o que conferiu a esses rótulos uma fatia de 16,3% e a terceira colocação no ranking de importados, atrás apenas dos vinhos chilenos e argentinos.
“Os vinhos portugueses vêm disputando a segunda posição no ranking de importação com a Argentina”, diz Felipe Galtaroca, CEO da Ideal Consulting. “Isso coroa o bom trabalho feito pelos produtores e importadores na construção de marcas no Brasil.”
Investir mais nessa frente é outro pilar da Ségur Estates no Brasil. Com esse plano, o grupo é um dos patrocinadores do 31º Internacional e Nacional Indoor da Sociedade Hípica Paulista, que será realizado em São Paulo entre os dais 28 de setembro e 3 de outubro.
“O público conhece nossos vinhos, mas não nos conhece. Precisamos nos mostrar mais”, diz de Charbonnières. “Acredito que isso pode inspirar, inclusive, outros investidores locais a se aproximarem da gente.”
Praticante de hipismo e sócio da Hípica, de Charbonnières não poderá comparecer ao evento, em virtude de compromissos em Londres, onde mora. É da capital britânica que ele comanda os rumos do Enseada.
Um de seus nortes é trazer discussões novas para a mesa. Uma delas é o universo de criptomoedas. Desde 2018, o Enseada investe na Hashdex, gestora de ativos digitais cujo fundador, Marcelo Sampaio, é seu amigo de infância.
“Não ficamos só no que é habitual. É como diz o (Jorge Paulo) Lemann, é preciso botar o pé na água e participar do que está sendo feito”, diz. “No caso da Hashdex, além do Marcelo ser fora da curva, era um caminho óbvio aprender mais sobre esse tema.”
A combinação dos laços de amizade com a busca por se atualizar também levaram o Enseada a investir na Fuse Capital, gestora carioca de venture capital fundada por João Zecchin, Guilherme Hug, Alexis Terrin e Dan Yamamura.
A relação com o Rio de Janeiro não está restrita às amizades de infância. Nem tampouco ao típico bom-humor carioca e à paixão pelo Flamengo. Mas, como não poderia deixar de ser, também envolve a sua “cabeça de negócios”.
É o caso do envolvimento no ReStart Rio, movimento que busca incentivar o ecossistema de inovação e empreendedorismo na capital fluminense. E que reúne nomes como Daniel Peres (Multiplan), André Street (Stone) e Roberto Medina, criador, entre outros projetos, do Rock In Rio.
“Fui convidado pelo pessoal da Fuse e é mais do que óbvio estar junto nessa iniciativa”, diz de Charbonnières, que finaliza, bem ao seu estilo: “Mas meu apoio não será em dinheiro. Meu negócio é pensar, trazer gente para a mesa, ir para o front de batalha. E fazer acontecer.”