Daniel Peres Chor costuma brincar que, desde que se conhece por gente, sua família tem três assuntos: política, remédios e shopping center. A frequência com que o último tema surge nesses encontros é facilmente explicada. Seu avô, José Isaac Peres, foi um dos pioneiros dessa indústria no Brasil.

Em 1975, Peres fundou a Multiplan, grupo avaliado em R$ 12 bilhões e dono de um portfólio formado por MorumbiShopping, BarraShopping e outros 17 centros de compra. Para construir esse império, ele ditou tendências, como a inclusão de serviços e lazer nos metros quadrados antes restritos ao consumo.

Aos 27 anos, Chor há muito tempo deixou de ser um mero ouvinte nas conversas do clã sobre a empresa. Desde 2018, ele comanda com o tio, Rodrigo, a área de inovação da Multiplan. E tem voz ativa no desafio de replicar o DNA do avô, que segue como CEO, para acelerar o passo do grupo rumo às transformações do setor.

Chor é Co-Head da unidade de marketing, inovação e negócios digitais da Multiplan. Ou simplesmente MIND, sigla que reúne as iniciativas da empresa para avançar na corrida da digitalização e do conceito de shopping multicanal, braço que conta com 40 profissionais.

“Meu avô foi meu mentor e é uma grande inspiração”, diz Chor ao NeoFeed.  “Somos uma startup com o bônus de estarmos dentro de uma empresa tradicional, dona de uma grande plataforma.”

Transformar os shoppings do portfólio em hubs offline e digitais é a obsessão da área. E o superapp Multi centraliza muitas iniciativas nessa direção. Algumas lançadas a toque de caixa na pandemia, como as vendas via drive-thru. Outras testadas antes da Covid-19, como o Clique & Retire, com lockers.

O aplicativo não é o único atalho para os lojistas digitalizarem seus estoques e vendas. Ao lado da rival BRMalls, a Multiplan é uma das sócias da Delivery Center, startup que monta hubs em shoppings e integra os varejistas a cerca de 20 marketplaces. Do próprio Multi a canais como Rappi, Mercado Livre e B2W.

Em agosto, a Multiplan, via Delivery Center, adicionou duas novas opções de integrações no cardápio disponível para seus lojistas. A primeira delas foi a B2W. E a segunda, o Google, aproveitando o lançamento do serviço de delivery Google Food Ordering.

José Isaac Peres, fundador e CEO da Multiplan

Parcerias à parte, com o Multi, também é possível comprar ingressos de cinema e agendar consultas nos centros médicos instalados nos shoppings, entre outros serviços. A plataforma inclui ainda o MultiVocê, programa de fidelidade que acumula 800 mil benefícios resgatados desde o seu lançamento, em 2019.

“O Multi digitaliza todas as interações com os shoppings”, diz Chor, sobre o aplicativo que tem 200 mil usuários, com a projeção de dobrar esse volume até o fim do ano. “E com a recorrência que o MultiVocê traz, é um canal para que a gente possa aprender mais sobre quem é o nosso consumidor.”

Consumo de dados

Uma das correntes em gestação no MIND é a frente batizada de MINDfull, a aplicação da ciência de dados para extrair insights dessas interações, sejam elas por aplicativo ou nas dependências físicas dos shoppings.

Essa estratégia ainda aguarda as definições da Lei Geral de Proteção de Dados. Mas o time já está mapeando tecnologias e pontos de contato que possam ser a base para identificar hábitos e oferecer serviços mais personalizados aos consumidores.

Além do Multilab, laboratório que testa a aplicação de tecnologias como inteligência artificial, outro braço de inovação é a Startplan, plataforma de conexão com startups.

Para agilizar essa aproximação, o time do MIND se conectou a fundos de venture capital, aceleradoras e ecossistemas de inovação, que sugerem novatas de acordo com as necessidades identificadas pela área.

Na busca por parcerias e eventuais investimentos, a Multiplan já analisou mais de mil startups

“Já analisamos mais de mil startups”, conta Chor, que explica as possibilidades de relacionamento dessas companhias com a Multiplan. “Vai desde parcerias operacionais e de fornecimento de ferramentas até eventuais oportunidades de investimento.”

Esse segundo caminho foi percorrido pela Delivery Center. Primeiro, em abril de 2019, com um aporte de R$ 12 milhões. Posteriormente, em janeiro deste ano, a Multiplan voltou a investir na operação, com uma rodada de R$ 69 milhões, em parceria com a BRMalls.

Outra startup que passou por esse crivo foi a Fullab, de ferramentas para e-commerce. Em fevereiro de 2018, o grupo investiu uma quantia não revelada para comprar 20% da operação. Chor ressalta quatro segmentos de startups no radar de eventuais novos acordos: varejo, construção, consumo e fintechs.

Mas será que todas essas iniciativas serão suficientes para colocar a Multiplan na vanguarda digital entre os shopping centers? “O Daniel é uma figura inquieta, criativa, que cresceu no shopping e sabe exatamente para onde essa indústria está caminhando”, diz Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria Gouvêa Malls. “Mas ainda há um bom caminho para a Multiplan alcançar, no digital, a posição visionária que o Peres trouxe nessa indústria, no shopping físico.”

Esse DNA do offline ainda tem seu peso. Em relatório recente, Bruna Pezzin, analista da XP, destacou que o portfólio de shoppings da Multiplan é “forte e mais resiliente que a média do setor”. Dessa forma, ela manteve, mesmo sob o impacto da pandemia no segmento, a recomendação de compra das ações da empresa, com preço-alvo para 2020 de R$ 27.

No primeiro semestre, a Multiplan reportou uma receita de R$ 583 milhões, queda de 7,9% na comparação com igual período de 2019

Parte dos efeitos da Covid-19 foram contabilizados no resultado da Multiplan. No primeiro semestre deste ano, o grupo reportou uma receita de R$ 583 milhões, queda de 7,9% na comparação com igual período de 2019. Nesse intervalo, o lucro líquido cresceu 20%, para R$ 248,5 milhões. Já no mercado de capitais, as ações da empresa acumulam uma queda superior a 38% no ano.

Em um cenário em que o coronavírus está impulsionando o digital, a Multiplan não é a única empresa do setor se movimentando. Todas as principais administradoras de shopping aproveitaram o momento para dar velocidade às iniciativas que já vinham tocando e testar novos modelos, como drive-thru e clique e retire.

Com uma abordagem semelhante à Multiplan, a BRMalls lançou, por exemplo, o aplicativo dos seus empreendimentos, que também dão acesso ao VIVA, seu novo programa de relacionamento. Além de expandir as parcerias e integrações do seu marketplace por meio da Delivery Center.

A Aliansce Sonae também priorizou a evolução do seu marketplace, por meio de um projeto-piloto no Parque D. Pedro Shopping, em Campinas (SP), que será expandido a outros seis empreendimentos até o fim deste ano. Em 2021, o plano é cobrir todos os centros de compra do seu portfólio.

O Iguatemi foi outro grupo que aproveitou a pandemia para escalar seu marketplace, o Iguatemi 365, lançado em outubro do ano passado, inicialmente, apenas em São Paulo. Nos últimos meses, a plataforma chegou a praças como Brasília, Curitiba, Porto Alegre e Goiânia.

Legado

Para ajudar a Multiplan nessa disputa, Chor, apesar de jovem, já conta com uma bagagem no setor e também no plano digital. Ele começou a trabalhar aos 15 anos, quando foi Jovem Aprendiz no BarraShopping e, posteriormente, na Multiplan. No grupo, passou ainda pela área comercial, antes de decidir sair, em 2016, para fundar seu próprio negócio, o Bazzah, um marketplace de moda.

Dois anos depois, ele retornou à velha casa, a pedido do avô, para ajudar a estruturar o MIND. Durante um período, dividiu os dias e as noites entre o grupo e o Bazzah, que fechou as portas em 2019.

Hoje, Chor ainda encontra tempo para se dedicar a outras atividades. Ele é conselheiro da VoaHotéis, plataforma de digitalização de hotéis independentes; da VocêComanda, uma carteira digital para eventos; e da LeeTag, um aplicativo gerador de hashtags. E prepara suas primeiras incursões como investidor, de olho em startups com modelos alavancados por “efeitos de rede”.

Boa parte da sua energia seguirá sendo reservada, porém, à Multiplan. “Eu tenho um sentimento muito forte de legado com a empresa”, diz. “E meu maior desafio é mostrar que ainda tem muita coisa que podemos, devemos e vamos fazer.”

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