No começo de janeiro desde ano, a Rappi anunciou um corte de 6% de sua força de trabalho na América Latina. As demissões foram uma surpresa.

Afinal, a startup que nasceu na Colômbia, em 2015, para oferecer de tudo, de compras de supermercados e refeições de restaurantes a medicamentos e entrega de dinheiro, dava todos sinais de que crescia de forma acelerada no Brasil.

Aproximadamente 300 pessoas perderam o emprego, segundo estimativas de mercado na época – a Rappi nunca confirmou o número. O motivo alegado foi uma reestruturação para melhorar a eficiência da empresa, que meses antes havia recebido US$ 1 bilhão do Softbank, o maior aporte do fundo de Masayoshi Son em uma startup da América Latina.

Agora, três meses depois das demissões, a Rappi está dando um cavalo de pau nos cortes e voltou a contratar. Desde março, o aplicativo reforçou sua estrutura para conseguir dar conta da demanda. “Em um mês, crescemos o equivalente a seis meses”, disse Sergio Saraiva, presidente da Rappi no Brasil, em entrevista ao NeoFeed.

Com as pessoas em casa em meio à pandemia da Covid-19, o aplicativo de entregas cresceu mais de 300% só na última quinzena de março, comparado com o início do mesmo mês. Em abril, houve um novo salto – a Rappi não divulga os dados –, que mantiveram a demanda em alta.

“Hoje, já temos mais funcionários do que antes dos cortes”, diz Saraiva, que assumiu a operação brasileira no começo de janeiro deste ano, vindo da Cielo, onde era vice-presidente. O executivo, no entanto, fez carreira na Ambev e AB Inbev, onde passou mais de 20 anos.

Antes dos cortes, estimava-se que a Rappi contava com mais de 5 mil funcionários espalhados por várias cidades da América Latina – o aplicativo está no Brasil há mais de dois anos.

Saraiva não divulga o número dos novos contratados. Mas, segundo o executivo, a Rappi contratou profissionais para atuar internamente no atendimento a restaurantes e supermercados, em cargos como os de gerente de contas e analistas.

A startup triplicou também o número de shoppers, como são chamadas as pessoas que ficam dentro de farmácias e supermercados para fazer a coleta dos itens pedidos pelos clientes no aplicativo. De acordo com Saraiva, esses dois profissionais são contratados da Rappi.

Se for levado em conta o número de entregadores, que são os profissionais que não têm uma relação trabalhista com a Rappi, o número quase que quadruplicou nesse período e cresceu 280%. “Há mais pessoas que estão buscando uma alternativa de renda extra por conta da crise”, afirma o executivo.

O Brasil terminou o primeiro trimestre de 2020 com 12,85 milhões de desempregados, segundo a Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A tendência, segundo os especialistas, é esse número subir por conta do impacto do coronavírus sobre o mercado de trabalho.

Sergio Saraiva, presidente da Rappi no Brasil

No meio da pandemia, as áreas que mais cresceram foram as de supermercados e de farmácias. A Rappi informa que aumentou em 30% o número de estabelecimentos cadastrados nesse segmento. Atualmente, 85% dos supermercados listados na plataforma têm opção de entrega no mesmo dia. Apenas 4% passam de um dia.

A divisão de restaurantes também avançou, mas numa taxa de crescimento menor. Entraram na plataforma restaurantes como Nino Cuccina, Makondo e Arturito.

O perfil dos entregadores da Rappi também passou por alterações. Antes, a maioria deles usava motos ou bicicletas para as entregas. Agora, entregadores com carros têm crescido na plataforma. “Passou a ser um número relevante”, diz Saraiva.

A hipótese para esse crescimento é a migração de motoristas de Uber e 99 e até mesmo de taxistas, que estão com demanda em baixa por conta da pandemia da Covid-19 e da quarentena, para outros aplicativos, como o da Rappi.

“A tendência de crescimento dos aplicativos de entrega tende a continuar”, afirma André Miceli, coordenador do MBA de marketing digital da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Mais do que uma situação de contingência isso está imprimindo novos hábitos de consumo.”

De acordo com o professor da FGV, todos os concorrentes da Rappi, como iFood e Uber Eats, estão se beneficiando desse mesmo cenário. Com isso, novos consumidores, que não tinham o hábito de usar o serviço ou de fazer compras online, estão hoje experimentando a modalidade.

A Rappi, por exemplo, observou um crescimento de mais de 250% no volume de compras vindo de pessoas acima de 61 anos em abril.

Superaplicativo

Avaliada em US$ 3,5 bilhões, a Rappi está presente em nove países da América Latina. No Brasil, a startup atua em 70 cidades, com forte presença no interior de São Paulo e nas capitais de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza. O plano é acelerar essa expansão, mas Saraiva não dá detalhes alegando que são dados estratégicos.

A Rappi enfrenta forte concorrência neste mercado. Além dos tradicionais rivais iFood e Uber Eats, até a 99, controlada pela chinesa Didi Chuxing, criou, neste ano, um serviço de entrega, o 99 Food. “Tem muita gente querendo comer uma fatia desse bolo, mas ele está crescendo para todo mundo”, afirma Miceli, da FGV.

De acordo com pesquisa do Instituto Food Service Brasil, os serviços de delivery movimentaram R$ 18,6 bilhões em 2019. No ano passado, os pedidos por telefone representaram 56% dessa fatia. Os via aplicativos, 27%. A pandemia deve intensificar o uso dos smartphones para as entregas.

Sabendo disso, a Rappi quer acelerar sua estratégia de se tornar um superaplicativo para tentar ganhar a dianteira diante de seus rivais.

Antes da pandemia, a Rappi lançou sem alarde o Rappi Mall. Com a nova categoria, a startup passou a entregar eletrônicos, eletrodomésticos, vestuário, produtos de beleza, para casa, brinquedos, papelaria, entre outros itens.

“É um marketplace, mas com prazo de entrega em uma hora”, diz Saraiva. Marcas como Fast Shop, L’Occitane, Multicoisas, Shop2gether, Saraiva, Vivo, Imaginarium, Decathlon, Gimba, GrandVision by Fototica, Adidas, L’Oréal e Ikesaki aderiram à plataforma. Hoje, são 50 empresas, mas o  plano da Rappi é ter mil até o fim deste ano.

Outra área que a Rappi apostou foi no setor de cozinhas compartilhadas, as chamadas dark kitchens. Essa modalidade reúne restaurantes dispostos a atender especificamente à demanda gerada por aplicativos de delivery de comida.

Saraiva disse também que deve acrescentar novos serviços financeiros ao aplicativo. Hoje, a startup conta com a Rappi Pay, que é uma carteira digital. A área de jogos online, que já roda em outras operações fora do Brasil, também deve estrear por aqui em 2020. Só a parte de turismo, que começou na Colômbia, foi postergada – o setor é um dos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus.

Apesar desse avanço, a Rappi ainda é um serviço que não dá lucro. Hoje, a startup ganha um percentual em cada transação dos lojistas que usam sua plataforma. Os entregadores ficam com a taxa de entrega e a gorjeta, cujo valor é definido pelo consumidor.

No meio dessa crise, muitos restaurantes que tiveram que recorrer aos serviços de delivery reclamaram das altas taxas cobradas pelos aplicativos de entrega, que, em alguns casos, pode chegar até a 30%.

Questionado a respeito, Saraiva diz que a política de comissões não mudou durante a pandemia e que a Rappi, inclusive, reduziu as comissões de pequenos restaurantes, para ajudá-los na crise.

A companhia, desde sua fundação, já recebeu US$ 1,4 bilhão em investimentos de fundos de venture capital. O cheque mais gordo foi o de US$ 1 bilhão do Softbank, citado no começo dessa reportagem.

Mas o número de fundos que apostam na Rappi é grande. Vai desde gestoras do Vale do Silício como a Andreessen Horowitz e a Sequoia Capital, a asiática DST Global até as brasileiras Monashees e Redpoint eventures.

O desafio da Rappi agora é transformar todo esse crescimento em lucro. Do contrário, a conta chega. Como chegou no começo deste ano no ajuste feito para buscar mais eficiência.

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