A indiana Oyo era uma das mais startups mais reluzentes do portfólio do fundo de investimento japonês Softbank.

No ano passado, ela recebeu US$ 1,5 bilhão do fundo liderado por Masayoshi Son e foi avaliada em US$ 10 bilhões.

Pouco depois do aporte, a companhia gastou US$ 135 milhões para comprar o hotel Hooters Cassino, um dos mais tradicionais de Las Vegas, em parceria com a empresa de imóveis americana Highgate.

Fundada pelo indiano Ritesh Agarwal, em 2013, a Oyo faz parcerias com hotéis que passam a adotar o seu “padrão de qualidade” e ofertam quartos de baixo custo sob a marca da startup indiana.

É um modelo de negócios que fica no meio do caminho entre sites de reserva e comparação de preços, como Booking e Trivago, e o Airbnb e que chegou a mais de 80 países e empregou mais de 20 mil pessoas.

Mas, nos últimos meses, as coisas começaram a dar errado. A Oyo perdeu mais de 65 mil quartos de hotéis e deixou mais de 200 pequenas cidades na Índia, segundo documentos obtidos pelo jornal americano The New York Times.

No começo deste ano, a Oyo demitiu 1,8 mil profissionais na China e na Índia, dois de seus principais mercados, alegando redundância de cargos entre os dois países e profissionais com desempenho ruins, segundo informou a Bloomberg.

A Oyo não é um caso isolado. Ela é mais uma das startups do Softbank que está cortando funcionários e apertando os custos, depois do fracasso da abertura do capital da WeWork, nos Estados Unidos, no ano passado.

Na América Latina, o aplicativo colombiano de entregas Rappi, que recebeu um aporte de US$ 1 bilhão, cortou 6% de seus empregados na região.

A Zume, pizzaria americana que contava com pizzaiolos robôs e que recebeu US$ 375 milhões, está cortando 360 funcionários, mais de 50% de sua força de trabalho.

A startup, que foi avaliada em mais de US$ 2 bilhões, agora planeja se concentrar em embalagens feitas a partir de fibras vegetais, de acordo com um memorando interno no qual o jornal britânico Financial Times (FT) teve acesso.

A Getaround, startup de compartilhamento de carros americana, está também demitindo 150 pessoas, aproximadamente 25% de seu staff, segundo o FT.

Além dessas, a Uber, que abriu o capital em maio do ano passado, e luta para ser lucrativa, anunciou cortes de 1,5 mil funcionários no ano passado. Sem se esquecer da WeWork, que também precisou demitir 2,5 mil funcionários em seu plano para se manter em atividade.

Afinal, o que está acontecendo com essas startups, que até pouco tempo atrás receberam bilhões de dólares do Softbank e agora estão cortando profissionais e apertando os cintos?

“É uma diretriz global para acertar as contas das startups”, diz um investidor. “Depois do WeWork, eles ficaram em uma situação bem desconfortável e viram que não adiantava só colocar dinheiro para resolver o problema.”

Até então, o mantra das startups apoiadas pela maioria dos fundos de venture capital – e não só pelo Softbank – era crescer a todo custo. Perder dinheiro, em geral, sempre foi parte da equação.

No começo de qualquer negócio, a startup precisa focar em crescer sua base de clientes, aumentar sua penetração geográfica e melhorar o desenvolvimento de seus produtos.

Por esse motivo, os investidores de venture capital sempre entenderam que a melhor métrica para avaliar uma empresa, em especial as de cunho tecnológico, não deve ser a última linha do balanço.

E nunca é demais lembrar: o que seria de Amazon, Facebook, Google e até mesmo Microsoft se os investidores pressionassem para que elas dessem lucro desde o início?

Mas parece que até mesmo para quem está disposto a correr muito risco (aliás, essa é a essência da indústria de venture capital), há um limite. Esse limite, ao que tudo indica, chegou, depois de uma temporada decepcionante de IPOs de empresas de tecnologia nos Estados Unidos.

O fundador do Softbank, Masayoshi Son

O fundador do Softbank, Masayoshi Son, disse recentemente em call de resultados do Vision Fund que as companhias devem ser "autofinanciadas", chamando o pacote de resgate de US$ 9,5 bilhões da WeWork de "exceção".

Massa, como é conhecido o chefão do Softbank, tem razão ao reclamar. Em novembro, o grupo japonês apresentou prejuízo de US$ 6,5 bilhões, a primeira perda trimestral em 14 anos por conta do rombo no seu fundo de investimento Vision Fund.

Antes do resultado, ele deu uma entrevista à revista japonesa Nikkei Business em que se dizia “frustrado e impaciente” pelo seu histórico de investimentos. “Quando olho para o crescimento de empresas americanas e chinesas, sinto fortemente que não é bom o suficiente”, disse Son, em outubro do ano passado.

O ajuste de contas do Softbank com suas startups está respingando por todos os lados no Vale do Silício. Dado ao tamanho do fundo japonês, quando ele resolve mudar de rota, é capaz de provocar tremores por onde passa.

Observe o exemplo da Lime, startup californiana de patinetes elétricos que já recebeu mais de US$ 700 milhões de fundos como Bain Capital Ventures, Andreessen Horowitz, Fidelity Ventures, GV e IVP.

No começo de janeiro, a startup anunciou que estava deixando o Brasil, seis meses depois de iniciar sua operação no mercado local.

Em um comunicado, a companhia afirmou que a decisão era parte da estratégia global para alcançar a sustentabilidade financeira. No Brasil, ela operava em São Paulo e Rio de Janeiro. A decisão afetava também 12 cidades ao redor do mundo, sendo sete delas na América Latina.

De acordo com um investidor com quem o NeoFeed conversou, muitas startups não conseguem atingir as metas de crescimento apresentadas no business plan. “E isso dificulta conseguir mais capital para financiar o crescimento”, diz ele.

Outra questão são as avaliações altíssimas que algumas startups conseguiram. Agora, a conta pode estar chegando. Os investidores colocam cláusulas para se protegerem da diluição em caso de algo dar errado.

Não há, portanto, notícia pior aos empreendedores do que quando as avaliações são reduzidas. “Muitos deles preferem cortar na carne a serem diluídos”, afirma o investidor.

Ação e reação

A terceira lei de Newton estabelece que “a toda ação sempre há uma reação oposta e de igual intensidade.” Após anos de capital farto para crescer, as startups do Softbank – e até mesmo de outros fundos – precisarão sobreviver com recursos próprios por mais tempo.

Há ainda muito capital disponível para financiar as startups de tecnologia. Mas ao que tudo indica os investidores serão mais cautelosos nos projetos em que alocarão o dinheiro.

Os investidores serão mais cautelosos nos projetos em que alocarão o dinheiro

É o caso do Sequoia, um dos mais tradicionais fundos do Vale do Silício, que levantou US$ 8 bilhões há 18 meses, o maior fundo já captado nos Estados Unidos. Até agora, ele investiu apenas 20% dos recursos.

Uma fonte ouvida pelo The Wall Street Journal disse que os gestores mudaram a estratégia para investir valores menores em startups de capital menos intensivo. O maior cheque assinado até agora pelo Sequoia foi o de US$ 384 milhões para a chinesa Bytedance, dona do aplicativo de compartilhamento de vídeos TikTok, uma das principais ameaças ao domínio do Facebook. Até agora, parece uma aposta certeira.

Crescer sempre será fundamental para qualquer empresa, de startups de tecnologias a siderúrgicas e mineradoras da Velha Economia. Mas não mais a qualquer custo. E, principalmente, sem que se observe no horizonte a estrada que levará para o pote de ouro no fim do arco-íris.

Procurado, o Softbank não fez comentários a essa reportagem. A Rappi, em nota, disse que “a empresa optou por reduzir algumas áreas e ampliar outras para atingir seus planos”. E acrescentou que o “Softbank é um dos nossos investidores mais importantes e eles estão envolvidos na decisão como parte do nosso conselho. No entanto, essa decisão foi feita pelo nosso time interno de líderes”.

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