Há no mundo do vinho uma regra de que os grandes tintos nascem a partir de grandes safras. Um rótulo de um ano considerado especial, por exemplo, é capaz de tornar uma garrafa de Bordeaux ou da Borganha muito mais valiosa. Vide os Bordeaux de 1982 e os Borgonhas de 1978, cujas safras são consideradas históricas.

Mas a assinatura e o estilo do vinho estão acima da expressão de uma única safra para alguns vinicultores. E o exemplo máximo entre tintos de alta gama feito a partir de uma mistura de diferentes safras é o espanhol Vega-Sicilia Reserva Especial.

A produção do Vega Reserva Especial, como é mais conhecido entre os enófilos, não foi aleatória. Os vinhos feitos a partir de misturas de diferentes safras eram a regra antes do século XVIII em Ribera del Duero, parte norte da Espanha.

Mas o objetivo na época era buscar consistência a cada lote ou ano. Eles dificilmente representavam a excelência em termos de qualidade. Mesmo em Vega-Sicilia, o conceito de Único Reserva Especial foi sendo polido ao longo dos anos.

Inicialmente, o vinho não trazia a descrição do ano de lançamento ou as safras que compunham cada edição. O nome era a única referência para saber do que se tratava o vinho. Por isso, é também difícil estabelecer o marco inicial do Vega Reserva Especial, a maior referência entre os tintos espanhóis.

Entre 1981 e 2000, o Vega-Sicilia Único Reserva Especial apenas mencionava o ano de lançamento em seu rótulo e desde 2001 também traz a informação de quais safras entram na composição.

No caso do Vega, normalmente são mescladas três safras, sendo que a mais jovem sempre com mais de 10 anos. Na edição 2017, que custa R$ 7.986,89 na importadora Mistral, são mesclados os vinhos das safras 2003, 2004 e 2006. Seu preço é cerca de 40% superior ao Único Gran Reserva, a versão “safrada” de Vega.

Os vinhedos da Vega-Sicilia

O Vega-Sicilia Único Reserva Especial ganhou esta aura pelo trabalho desenvolvido pelos seus enólogos, em especial Mariano Garcia, que trabalhou entre 1968 e 1998 na vinícola, e seu sucessor, Xavier Ausás, de 1998 até 2005.

A época coincidiu com a criação da denominação de origem Ribera del Duero e a compra da vinícola pela família Alvarez, que investiu por décadas no replantio dos vinhedos, reforma e a construção de uma nova adega.

Outro capítulo à parte que explica a personalidade de Vega-Sicilia está no trabalho com as barricas de carvalho. A vinícola é uma das poucas no mundo que conta com a própria tanoaria, isto é, produz as próprias barricas. Seguindo a escola de Bordeaux e Rioja, tanto carvalho francês quanto americano são utilizados.

O G3, da Penfolds

Inspirados pelo sucesso de Vega-Sicilia, outros produtores apostaram em vinhos com diferentes safras nas suas linhas mais ambiciosas. Um exemplo é a australiana Penfolds, que lançou uma edição especial de seu Grange (a maior estrela entre os vinhos australianos), chamada G3, em 2017.

Trata-se de uma mescla de três safras, 2008, 2012 e 2014, que chegou ao mercado com apenas 1.200 garrafas, com preço de R$ 11,5 mil, 400% mais alto que o “normal" Penfolds Grange.

No Chile, a vinícola Valdivieso, desde a década de 1990, mescla seu principal vinho, o Caballo Loco, com essa proposta. A edição 2017 custa cerca de R$ 900 nos marketplaces brasileiros.

Até mesmo um dos produtores mais renomados da Borgonha aposta nesta forma de vinificação.É o caso do Lalou Bize-Leroy (a família Leroy também sócia em Romanée-Conti), que fez um vinho especial para comemorar o novo milênio, em 2000.

Em uma Cuvée especial (R$ 2.490, na Club des 9) mesclou uma série de vinhos Villages e 1er. Cru de safras entre 1990 e 2000 e disponibilizado ao mercado em 2019.

Entre outros estilos de vinhos, o Champagne é também um grande caso de excelência feito a partir da mescla de diferentes safras. Mesmo caminho seguido por vinhos fortificados, como o Porto, o Madeira ou o Jerez, que em suas linhas trazem a indicação de idade (10, 20, 30 ou 40 anos) no rótulo e não o ano da safra da uva.

Retornando a Vega-Sicilia, outra particularidade que faz o vinho ser tão desejado é sua forma de venda bastante restrita e limitada. A vinícola não vende diretamente ao consumidor. Ele é comercializado como título de um clube, apenas para associados, e estão esgotados há décadas.

Alguns associados, especialmente proprietários de lojas de vinhos e restaurantes, possuem títulos há mais de uma geração e há uma lista de espera de mais de 10 mil interessados, segundo o diretor-geral da vinícola, Antonio Menéndez.