A chinesa Shein se transformou no pesadelo das principais varejistas de vestuário do Brasil, mostra uma pesquisa realizada pela Aster Capital, uma gestora long-only com mais de R$ 600 milhões de ativos sob gestão
Ao lado da Shein está outro concorrente indigesto e surpreendente, mas que de forma silenciosa vem também ganhando terreno no mercado de moda online: o Mercado Livre.
No ano passado, Shein e Mercado Livre movimentaram via suas operações online, respectivamente, R$ 7,1 bilhões e R$ 6,5 bilhões. O Magazine Luiza, transacionou R$ 3 bilhões, valor que inclui a Netshoes. Na sequência aparece a Dafiti, com R$ 2,5 bilhões. E, na quinta posição, a Shopee, com R$ 2,1 bilhões.
O relatório da Aster Capital usou dados oficiais do balanço de empresas abertas (resultado do terceiro trimestre de 2022, levando em conta os últimos 12 meses). Quando a informação não estava disponível, ela foi estimada com base em consultas às companhias e em entrevistas com funcionários.
Os cinco maiores players online de moda do Brasil também viram suas receitas crescerem de forma acelerada – boa parte por conta do desempenho dos dois líderes. Em 2020, eles movimentavam R$ 9,3 bilhões. No ano passado, R$ 21,1 bilhões.
Para se ter uma ideia de como Shein e Mercado Livre estão à frente dos players tradicionais, a soma de suas vendas é maior do que as realizadas por Dafiti, Renner (R$ 1,5 bilhão), Soma (R$ 1,2 bilhão), Arezzo (R$ 1 bilhão), Guararapes/Riachuelo (R$ 619 milhões) e C&A (R$ 511 milhões) somadas.
Na ponta do lápis: R$ 13,5 bilhões para a dupla que está na liderança contra R$ 7,3 bilhões dos varejistas tradicionais. Se for incluído Magazine Luiza e Shopee, os dois líderes (Shein e Mercado Livre) ainda seguem vendendo mais em moda online que todos os seus rivais somados.
“Empresas como Renner, Guararapes e C&A têm um desafio pela frente por conta da situação de crédito e da Shein, que atende um público semelhante e tem uma força assustadora”, diz Rodrigo Nasser, sócio e managing partner da Aster Capital, responsável pelo estudo.
Sobre o Mercado Livre, Nasser diz que a maioria das empresas de varejo não enxerga, à primeira vista, a companhia como um competidor. “Mas o Mercado Livre tem uma quantidade de sellers tão grande que em qualquer vertical é importante”, afirma Nasser.
A Soma pode também sofrer com a Shein, por conta da exposição da Hering a um público classe C. A Arezzo, por sua vez, por conta de seu posicionamento com um consumidor de alta renda deve passar ilesa, acredita Nasser.
Um exemplo de como a Shein está ameaçando os varejistas tradicionais pode ser observado em um relatório do Bank of America (BofA), que rebaixou o preço-alvo das ações da Renner de R$ 35 para R$ 25.
O banco fez uma pesquisa com 18 itens da Renner e descobriu que os preços da varejista de origem gaúcha são 2,7 vezes maiores do que os de produtos similares da Shein.
“Ainda que a gente atribua uma parte da fraqueza nas vendas de hoje a fatores climáticos e dificuldades de crédito dos consumidores, não vemos nenhuma solução de médio prazo para as ameaças crescentes do e-commerce de vestuário cross-border,” diz um trecho do relatório do BofA, em referência à Shein.
Nos últimos anos, a Shein vem ganhando musculatura no mundo e no Brasil. Em dezembro de 2020, o fundador da Shein, Chris Xu (que também é conhecido como Yangtian Xu), esteve no Brasil, onde se encontrou com alguns dos principais fornecedores de roupas do varejo de moda brasileiro.
Nesta viagem, ele conheceu como funciona a cadeia de fornecimento de roupas no Brasil, que é extremamente pulverizada em pequenos fornecedores. Seis meses depois, contratou Felipe Feistler, ex-diretor do Shopee, para ser o gerente-geral da operação local.
De uma forma inédita no mundo, a Shein montou um marketplace no Brasil e já está atuando com fornecedores locais, uma estratégia que permite reduzir os prazos de entregas dos produtos – que antes demorava meses para chegar ao País.
Além disso, a companhia está disponibilizando para os fornecedores locais de seu marketplace o software que usa para produzir roupas de forma acelerada, de acordo com uma fonte com conhecimento dos planos da Shein no Brasil.
A tacada mais recente da Shein, que mostra seu apetite pela América Latina foi a nomeação de Marcelo Claure, um ex-executivo do Softbank e responsável por trazer o fundo de Masayoshi Son à América Latina, como chairman da empresa para a região latino-americana. Além disso, ele investiu US$ 100 milhões na varejista chinesa.
“O patamar das empresas chinesas vai mudar na região”, diz uma fonte próxima a Shein, ao NeoFeed. “Dificilmente, eles contratam alguém do peso do Claure localmente.”
Mas esse crescimento da Shein não acontece sem polêmica. A companhia é acusada pelos concorrentes de plagiar roupas desde pequenos fornecedores até de fabricantes maiores, como americana Levi’s.
Varejistas brasileiras ligadas ao IDV, que representa mais de 70 empresas, como Riachuelo, Renner, Marisa, Magazine Luiza e Casas Bahia, reclamam também que a baixa fiscalização na alfândega brasileira tem ajudado a produtos que chegam de fora a entrarem no País sem o pagamento de impostos.
A empresa chinesa é acusada também de contratar serviço de fornecedores que mantêm trabalhadores em instalações sem condições adequadas de saúde e segurança, com jornadas de trabalho de 11 horas por dia e pagamento por peça produzida.
Esse cenário foi descrito, em novembro de 2020, em um relatório da ONG Public Eye, que registrou depoimentos de trabalhadores terceirizados da Shein na Vila de Nancun, onde existem diversos fornecedores da empresa.
Apesar do crescimento no Brasil e na América Latina, a Shein não enfrenta um voo de cruzeiro ao redor do mundo. A companhia está em negociações para levantar US$ 3 bilhões, reduzindo seu valuation de US$ 100 bilhões para US$ 64 bilhões.