Em 10 de janeiro deste ano, dois dias antes do rombo de R$ 20 bilhões da Americanas vir à tona, outra gigante do varejo ganhou os holofotes. Dona da Riachuelo e avaliada em R$ 2,5 bilhões, a Guararapes fechou sua fábrica em Fortaleza, demitindo cerca de 2 mil funcionários.

A medida ganhou ainda mais peso ao ser precedida por outros dois passos. Um deles, dado uma semana antes: a decisão de cobrar o estacionamento no Midway Mall, shopping da empresa em Natal (RN), algo que iria na contramão de uma premissa de Nevaldo Rocha, fundador do grupo, falecido em 2020.

“Há um mito nesse ponto. O ‘seu’ Nevaldo sempre primou pela eficiência. A ideia era sermos os últimos a cobrar e esse foi o momento certo”, diz Oswaldo Nunes, CEO da Guararapes, ao NeoFeed. “E fechar a fábrica era um plano que já vinha em curso desde 2021.”

O pacote foi embalado ainda pelo rumor de que o grupo teria contratado bancos de investimentos para buscar uma fusão. Aqui, o CEO se limita a dizer que a empresa “está sempre avaliando oportunidades que possam fazer sentido”.

À parte do burburinho e da agenda oficial - fruto de um trabalho com a consultoria Bain & Co. -, outros elementos explicam essas movimentações. O mix envolve a preparação para um cenário pouco favorável na economia e novas ameaças na concorrência.

“Temos um cenário com juros e um custo de capital mais elevados. O crédito segue caro e a renda do consumidor pressionada”, afirma Nunes. “Isso reforça a necessidade de ser mais eficiente.”

Nessa nova etapa, o foco é a integração do varejo com a Midway, o braço financeiro da empresa. Além de reduzir o custo de aquisição dos clientes, a ideia é fazer com que eles ampliem seus gastos e a frequência de compras no ecossistema do grupo.

No varejo, isso inclui 396 lojas, das quais 333 são da Riachuelo; 48 da Carter’s, de moda infantil; 12 da Casa Riachuelo, de casa e decoração; e 3 da Fanlab, voltada ao público geek. Na Midway, envolve ofertas como cartões, empréstimos, seguros e uma conta digital, com cerca de 2,3 milhões de clientes.

“Vamos integrar essas duas jornadas para que, cada vez mais, elas se retroalimentem”, diz Nunes, que cita alguns dados para reforçar a oportunidade – e o desafio – à frente.

O grupo tem mais de 32 milhões de clientes cadastrados. Cerca de 18 milhões compraram ao menos uma vez em algum canal nos últimos 12 meses, sendo que 55% fizeram apenas uma transação e, majoritariamente, nas lojas físicas, sem contratar nenhum produto financeiro.

Entre novembro e dezembro de 2022, em uma das primeiras ações dessa conexão, os clientes que compraram com o cartão Riachuelo tiveram acesso a um desconto de 20% para ser usado em uma nova transação.

“O plano é explorar os vínculos de cada marca com seu público”, diz Elio Silva, diretor-executivo de canais e de marketing da Guararapes. “Outro foco é refinar o conhecimento sobre os hábitos de consumo desses clientes.”

A grande aposta é o Xodó, programa de fidelidade que começou a ser pilotado no segundo semestre de 2022, com um universo inicial de 250 mil clientes, selecionados a partir da base de mais de 30 milhões de usuários de cartões do grupo.

Oswaldo Nunes, CEO da Guararapes
Oswaldo Nunes, CEO da Guararapes

Como outros players, a Midway vem adotando uma política de crédito mais cautelosa e encerrou o terceiro trimestre de 2022 com uma carteira de R$ 5,6 bilhões, alta de 27,5% sobre igual período de 2021.

“Desde 2020, a Midway está nesse movimento de tirar os créditos podres do balanço, mesmo abrindo mão de receita”, diz uma fonte do setor. “É uma estratégia acertada, mas um pouco atrasada. Eles demoraram demais para aprender a dar crédito.”

Essa mesma fonte estende essa visão a outras iniciativas do grupo. “Riachuelo e C&A estão fazendo um bom trabalho, mas são mais conservadoras”, afirma. “A Renner também comete erros, mas reage mais rápido.”

À parte desse ritmo, outro indicador justifica os passos da Guararapes. De janeiro e setembro de 2022, o grupo reportou um salto de 24% em sua receita líquida, para R$ 5,8 bilhões. Mas teve um prejuízo de R$ 50,7 milhões, contra um lucro de R$ 148,5 milhões, um ano antes.

Em 2023, as ações da companhia acumulam uma desvalorização de 20,3%. Já nos últimos 12 meses, a queda supera o patamar de 55%. Na última sexta-feira, 27 de janeiro, os papéis encerraram o pregão na B3 com um recuo de 4,07%, cotados a R$ 5,19.

Reação e diferenciação

Além da eficiência, a velocidade é outro motor por trás do fechamento da produção em Fortaleza e da centralização na fábrica instalada em Natal (RN). “Uma das alavancas é a reatividade de poder adaptar rapidamente as coleções às demandas dos consumidores”, afirma Nunes. “Precisamos reduzir tempos e movimentos e estar com todas as áreas no mesmo local.”

Além da migração do time de desenvolvimento para Natal, o esforço incluiu a terceirização de parte da produção antes feita em Fortaleza. Em dois anos, o grupo saltou de 60 para 116 oficinas parceiras em 32 cidades do Rio Grande do Norte, que respondem por cerca de 25% das peças produzidas diariamente.

“Todas essas iniciativas buscam reduzir o tempo entre a fabricação e a entrega”, diz Danniela Eiger, analista de varejo da XP. “E, claramente, eles querem ajustar a percepção de qualidade dos produtos.”

Para Leonardo Cyreno, head de estratégia e inovação da consultoria AGR, essa busca se insere em uma dinâmica mais recente do varejo de moda. “Muitas marcas estão trabalhando o branding, a qualidade e a durabilidade dos produtos, até por uma questão de diferenciação”, afirma.

Isso dialoga com outro ponto de atenção: a Shein, gigante online chinesa que, em 2022, investiu pesado no Brasil, com um time local e a abertura de lojas pop-up. Conforme apurou o NeoFeed, no fim de 2022, o grupo chegou a movimentar um volume diário de 2 milhões de pacotes no País.

“A Shein é um risco a ser monitorado e o impacto vai depender do quão agressivos eles serão, especialmente em um cenário de renda mais comprimida”, diz Eiger.

Cyreno acrescenta: “A Shein pressiona o setor, mas a concorrência chinesa não é novidade. Eles são a bola da vez e vão ter problemas à medida que ganham mais visibilidade.”

A Shein já coleciona polêmicas. Entre outras questões, ela foi acusada de plagiar peças da Zara e de outras marcas, além de contratar fornecedores que mantêm trabalhadores em instalações sem condições adequadas de saúde e segurança.

“Esse é um dos nomes que precisamos prestar atenção, mas são focos diferentes. O nosso é um público mais maduro e que busca qualidade, não preço”, diz Nunes. “E os modelos não são comparáveis. Esses players precisam mostrar que conseguem construir uma cadeia transparente e sustentável.”

De janeiro e setembro de 2022, a Guararapes reportou um prejuízo de R$ 50,7 milhões, contra um lucro de R$ 148,5 milhões, um ano antes

Se há um consenso de que a Shein não pode ser ignorada, o mesmo não se pode dizer sobre uma eventual movimentação da Guararapes rumo a uma fusão com outra varejista.

“Eu sou bastante cético em relação a esse movimento”, diz uma fonte do setor. “Entre as poucas opções, a Renner teria uma complementaridade geográfica, mas é uma corporation, enquanto a Guararapes é familiar. E a C&A, até pelo timing das duas, de reestruturação, também não faria sentido.”

Outra fonte diverge: “Apesar de ser uma empresa familiar, quando você olha para a Guararapes, não há uma nova geração assumindo qualquer área e um movimento claro de sucessão”, afirma. “O fato é que, onde há fumaça, há fogo.”

Esse caldeirão não está restrito ao grupo. Na primeira quinzena de janeiro, circulou no mercado a informação de que a Renner estaria negociando a compra da C&A. Em comunicado, a rede negou qualquer plano nesse sentido. Mas o rumor só reforçou que, no varejo de moda, o balcão está cada vez mais aquecido.