Até o mês passado, se um cliente da SuperSim, uma fintech de microcrédito, acessasse a plataforma da companhia no fim de semana para pedir um empréstimo, o tempo de espera para receber o dinheiro poderia ser frustrante. A empresa só conseguiria dar uma resposta na segunda-feira e, até lá, a pessoa poderia mudar de ideia.
“Pela característica do nosso público (classes C e D), um pedido de crédito costuma ser emergencial. Então, a demora para responder pode afetar a vontade de pedir o recurso”, diz Antonio Brito, CEO e um dos fundadores da fintech, ao NeoFeed.
Situações como essa não eram raras. Os pedidos feitos no fim de semana representavam de 30% a 40% do volume de dias úteis. A empresa, então, viu que havia uma nova dor para ser resolvida. Não precisou, porém, quebrar muito a cabeça para perceber que a solução estava em algo que passou a fazer parte da vida dos brasileiros durante a pandemia: o Pix.
Graças ao meio de pagamento instantâneo, lançado em novembro do ano passado pelo Banco Central (BC) e que permite transações aos sábados e aos domingos, a SuperSim passou a liberar os empréstimos em qualquer dia da semana, a partir deste mês, por meio de uma simples transferência para a conta do cliente.
Esta, porém, é só uma das mil e uma utilidades possíveis para o Pix. Um mar de possibilidades se abriu com a ferramenta do BC e outras empresas. O Mercado Pago, fintech de pagamentos do Mercado Livre, e a Bexs, da área de câmbio, também estão de olho em novas oportunidades. E até quem não é do setor financeiro, como a Clicksign, de assinaturas eletrônicas, tem surfado a onda do Pix.
São casos que ilustram um novo momento vivido pelo Pix. Depois de se popularizar como uma forma prática e rápida de realizar transações entre amigos ou para pagar serviços e produtos, o Pix tem sido cada vez mais explorado por empresas para viabilizar novas soluções, aumentar o relacionamento com os clientes e, indiretamente, abrir outras frentes de receita.
A julgar pelas demandas registradas aos sábados e domingos, a SuperSim acredita que os empréstimos no fim de semana podem representar entre 10% e 15% dos pedidos totais. “Temos feito cerca de mil empréstimos por dia e podemos chegar a algo entre 2 mil e 3 mil até novembro”, diz o CEO da fintech. O tíquete médio da fintech é de R$ 600 e a renda média mensal dos clientes é de R$ 1,6 mil.
A solução só não foi adotada antes porque a fintech queria ver primeiro se o Pix ia ou não cair no gosto das pessoas. “Embora a expectativa fosse alta, sabíamos que outros produtos desenvolvidos pelo BC não haviam tido uma grande adoção”, afirma Brito. Mas o Pix caiu nas graças dos brasileiros.
Em julho, 93,7 milhões de pessoas físicas já haviam realizado alguma transação com Pix, quase a metade da população brasileira e mais que o dobro dos 35,7 milhões de usuários registrados em dezembro do ano passado, o primeiro mês completo desde o lançamento da nova ferramenta, segundo dados do BC.
No mês passado, foram 886 milhões de operações com Pix, superando a soma de TED e DOC, que chegaram a 115 milhões. No total, cerca de R$ 1,6 trilhão passaram pelo Pix desde que a ferramenta foi lançada.
Se depender do BC, novas soluções devem aparecer com mais frequência nos próximos meses. O calendário de ações da instituição prevê, para o segundo semestre deste ano, o Pix Saque, que permitirá o saque de dinheiro em estabelecimentos comerciais, o Pix Troco, por meio do qual o consumidor poderá fazer uma compra com um valor maior que o da transação e receber o troco em espécie do comerciante, e o Pix Agendado, para pagamentos programados.
Também estão previstos o Pix por aproximação e o Pix offline (sem necessidade de estar conectado à internet), no último trimestre deste ano, e o Pix Garantido, que vai viabilizar o pagamento parcelado e deve ser lançado no início do ano que vem pelo BC.
“O uso do Pix como substituição ao TED e ao DOC foi só a ponta do iceberg”, afirma o consultor Fabrício Winter, sócio da consultoria Boanerges & Cia. “Há um caminhão da onda de soluções que vêm por aí”, acrescenta.
O Mercado Pago está atento a todo o calendário do BC. Uma das iniciativas que mais geram expectativa é o Pix Garantido, pelo potencial que tem para substituir o cartão de crédito, um dos instrumentos que até o momento passaram imunes à chegada do Pix. Essa solução poderá mexer com o setor e ganhar espaço da mesma forma como aconteceu com boletos, TED e DOC, e cartão de débito, em especial em pequenos negócios.
O Pix Garantido, aliás, tem esse nome porque, assim como o cartão de crédito, será um tipo de financiamento e precisará ter uma instituição garantidora por trás para viabilizar a transação. O Mercado Pago ainda está estruturando a sua solução, mas pretende permitir, em 2022, que o usuário da fintech use o aplicativo para fazer o Pix parcelado com o QR Code nos estabelecimentos que aceitam a instituição.
Túlio Oliveira, vice-presidente do Mercado Pago e responsável pela operação no Brasil, acredita que há espaço para convivência entre o Pix Garantido e o cartão de crédito. “O cartão de crédito é uma solução bastante consolidada e muito flexível, permitindo parcelamento de tíquetes maiores, além de agregar programas de fidelidade e compras internacionais”, disse o executivo, ao NeoFeed. “Mas vale destacar que, com a agenda do Pix Garantido, o Pix pode ser uma solução alternativa ao cartão de crédito para o parcelamento de compras”.
Embora o lançamento da solução ainda esteja distante, o Mercado Pago já se mostra um entusiasta do Pix e tem incentivado o uso. Com 18,7 milhões de pagadores únicos e 8,3 milhões de vendedores únicos no segundo trimestre, a fintech zerou a taxa para quem vende e nota que as transações com o meio de pagamento representam 20% do total, já superando o tradicional boleto. Além disso, cerca de 70% dos vendedores estão habilitados a usar o Pix e a fintech percebe que eles conseguem ter, em média, resultados 10% superiores aos dos que ainda não aderiram.
Winter, da consultoria Boanerges & Cia, porém, ressalta que não é o Pix que vai gerar novas receitas às empresas do setor financeiro, mas sim o que se pode criar a partir dele. A SuperSim, por exemplo, não vai cobrar do cliente para que ele receba um empréstimo via Pix, mas vai conseguir gerar novas operações, que lhe renderão mais ganhos com juros. “Você rentabiliza o Pix em cima de outros serviços financeiros e o utiliza para aumentar o volume, conhecer mais o cliente e seu comportamento de pagamento”, diz o consultor.
Outra iniciativa do BC aguardada pelo mercado é a do Pix internacional, para que seja possível realizar transações com o exterior. Embora ainda esteja sem previsão, já há quem esteja testando para se antecipar, como a Bexs, banco que atua com câmbio e pagamentos digitais e que tem clientes como a Ebanx, responsável pelo processamento de pagamentos de serviços como AliExpress e Spotify.
“Nossa ideia é ter o câmbio 100% digital, mas a regulação ainda não permite isso”, disse Luiz Henrique Didier Jr., CEO do Bexs, ao NeoFeed, em junho. “Então, temos usado a evolução do setor de pagamentos para oferecer parte dessa experiência. E, nesse contexto, o Pix traz uma grande oportunidade.”
No caso da companhia, o Pix é utilizado dentro dos limites da regulação, quando o dinheiro ainda está ou já chegou ao Brasil. Fora dessa fronteira, a transação segue os ritos e trâmites tradicionais do mercado de câmbio.
A solução começou a ser testada, no fim de 2020, com dois clientes: o TikTok, para o pagamento de usuários locais pelas visualizações de seus vídeos e indicação do app a amigos; e a corretora Avenue, para a remessa ou resgate de valores de brasileiros que investem no exterior. A solução está disponível a todos os seus clientes desde abril. Mais de 15 empresas já usam a alternativa e 75% das operações de remessas internacionais do Bexs já são realizadas via Pix.
Para Winter, da consultoria Boanerges & Cia, a ação do BC que mais deve mexer com o mercado é o Pix agendado. “Isso vai mudar um campo que temos hoje de pagamentos recorrentes e de assinatura”, disse. “É o principal item que vai fazer o Pix entrar de fato no dia a dia das pessoas, no mercado de consumo”, afirma.
Fora do setor financeiro, a Clicksign, de assinaturas eletrônicas de documentos, tem permitido que os clientes usem suas chaves do Pix para assinar a papelada pela internet. Para que isso seja possível, há uma transação financeira por trás. Quem assina paga um valor simbólico de R$ 0,01 e em seguida é ressarcido, como ocorre quando se cadastra um cartão de crédito em um aplicativo de transporte, por exemplo.
“O Pix é uma autenticação segura porque passa pelos auspícios do sistema bancário, uma vez que, para ter uma chave do Pix, é preciso ter uma conta em alguma instituição”, afirma Marcelo Kramer, CEO da Clicksign, ao NeoFeed.
Segundo ele, a alternativa ainda é incipiente e não chega ter uma representatividade significativa no total de assinaturas registradas pela empresa, mas está otimista quanto à adoção, dado que, para transações financeiras, já há uma popularização. “É um método muito elegante e tem uma ótima usabilidade”.
Se a popularização do Pix como um simples meio de transferências foi somente a ponta do iceberg, as empresas terão de mergulhar muito mais fundo para conhecer o real tamanho dessa pedra de gelo e explorá-la à exaustão. “Todo o sistema financeiro só tem a ganhar”, disse Oliveira, do Mercado Pago.