Quando o cliente puxa o cartão e indica que vai pagar no débito, o empresário Rafael Araújo, de 29 anos, dono de um pet shop no centro de São Paulo, já pergunta logo: “não prefere fazer um Pix?”. O preço não muda para o consumidor, mas Araújo economiza na taxa que pagaria pela transação com cartão e recebe o dinheiro no mesmo instante, em vez de esperar o dia seguinte para ter na sua conta o valor passado na maquininha.

O hábito adquirido pelo dono da Rafa Pet Shop - que estima ter mais de 50% das vendas pagas por meio do Pix – confirma uma tendência antecipada pelo setor financeiro: o meio de pagamento instantâneo, lançado em novembro do ano passado pelo Banco Central (BC), tem deixado de ser apenas uma forma mais fácil e rápida de efetuar uma transferência bancária entre conhecidos e tem cada vez mais despontado como uma opção para pagar produtos e serviços, em especial para os pequenos negócios, como o de Araújo.

“Além de eu economizar na taxa do débito, o Pix também é mais prático para mim. Como sou eu mesmo que faço os banhos e as tosas, muitas vezes estou na correria e prefiro que o cliente já faça o Pix e me mande o comprovante pelo WhatsApp, em vez de eu ter que pegar a maquininha e passar o cartão”, conta o empresário, que também tem como critério só oferecer o Pix aos clientes já conhecidos, por uma questão de confiança.

É difícil estimar com precisão qual tem sido o volume de compras feitas com o novo meio de pagamento instantâneo no Brasil, uma vez que parte dos comerciantes, entre eles Araújo, oferece o próprio CPF como chave, o que faz com que a transação seja registrada como uma mera transferência entre duas pessoas físicas.

Ainda assim, dados do Banco Central (BC) mostram que tem crescido o volume de pagamentos feitos por pessoas físicas para uma empresa. Enquanto a quantidade de transações totais com Pix, de qualquer natureza, cresceu três vezes entre janeiro e maio, para 617 milhões, aquelas feitas de uma pessoa física para um negócio subiram mais de quatro vezes na mesma comparação, para 64,7 milhões, saltando de uma participação de 8% para 12%.

E a expectativa do setor é que os números sigam em alta. Segundo uma pesquisa feita pelo Ipec (antigo Ibope) e divulgada em maio, 67% dos brasileiros têm intenção de pagar com Pix as compras que fazem em estabelecimentos comerciais.

“Ao que tudo indica, o BC aposta em serviços novos para aumentar o uso em estabelecimentos comerciais, que é onde ainda há bastante espaço para crescimento”, afirma Bruno Magrani, diretor de Relações Institucionais do Nubank e presidente da Zetta, associação de empresas de serviços financeiros digitais. “Uma novidade prevista para 2022 é a possibilidade de realizar pagamentos sem estar conectado à internet, o que é fundamental para a inclusão, pois nem todos os brasileiros têm acesso a um plano de dados móveis que permita o uso da internet à vontade.”,

A experiência conta

Por ora, a adoção ao Pix tem sido mais rápida por parte dos microempreendedores e pequenos comerciantes, que, como Araújo, podem oferecer a própria chave para receber o pagamento, enquanto lojas mais estruturadas precisam de uma tecnologia para integrar o Pix ao caixa e tornar a venda mais fluida e sem gerar filas.

“Isso (tecnologia para integrar o Pix ao caixa) se reflete na experiência para o consumidor, que pode só abrir o celular, escanear um QR Code e pagar, de forma simples e rápida, sem a necessidade de fazer uma transferência com a chave Pix ou ter de apresentar um comprovante no caixa”, diz François Martins, diretor de Relações Governamentais do Mercado Pago.

É o que grandes varejistas já têm feito, mas ainda de forma tímida. O Pão de Açúcar (GPA), que oferece o Pix nas lojas físicas desde o lançamento feito pelo BC em novembro, conta com a integração nos caixas, mas ainda observa uma baixa representatividade do Pix em relação ao total de pagamentos. Mesmo assim, vê um “grande potencial” de crescimento.

“Acreditamos que haverá um aumento da participação e uma grande possibilidade de o Pix substituir boa parte dos pagamentos que hoje são realizados com dinheiro e cartão de débito”, afirma Frederico Alonso, diretor de Tesouraria do GPA.

A substituição do cartão de débito pelo Pix ainda não é expressiva no varejo, mas já começa a ser sentida. A Justa, uma fintech de pagamentos mais focada em pequenas e médias empresas, estima que, entre seus clientes, houve uma migração de 6% das transações com débito para o Pix, principalmente em estabelecimentos onde o tíquete médio é menor e em locais onde os clientes voltam com frequência, gerando a tal confiança que o dono da Rafa Pet Shop põe como pré-requisito para disponibilizar o Pix como opção de pagamento.

Se há uma migração significativa, é no dinheiro em espécie. Uma comparação feita por Pedro Coutinho, presidente da Getnet e da Abecs, a associação das empresas de cartões, aponta que as transações com Pix têm substituído mais as cédulas de papel do que qualquer outro meio de pagamento.

“Entre novembro e abril, os pagamentos com boleto caíram 5% e as transferências com DOC e TED, juntas, recuaram 43%, enquanto o Pix teve aumento de 1.400%. Seguramente, o dinheiro em espécie está sendo substituído, mas ainda não sabemos precisar quanto”, afirma o executivo, que espera que o BC publique dados atualizados sobre o tema.

E-commerce tem caminho mais livre

Enquanto o varejo físico se mexe para melhorar a experiência do Pix, o comércio online tem encontrado menos barreiras para avançar. Plataformas de marketplace - como Americanas, mercado livre e Buser - e de e-commerce, como Nuvemshop, têm oferecido a tecnologia para que os lojistas realizem suas vendas, com a vantagem de ser uma experiência mais fácil para o consumidor, que não precisaria mais digitar os dados do cartão para efetuar a compra no site.

Martins, do Mercado Pago, afirma que tem observado um crescimento de 20% a cada semana no uso do Pix no e-commerce, com o meio de pagamento chegando a representar mais de 10% das vendas daqueles que já aceitam. “No mercado livre, vemos o Pix substituir mais da metade das compras por boletos, que antes da chegada do Pix representavam 2 em cada 10 compras na plataforma”, compara.

A Nuvemshop, que aderiu ao Pix em março, acelerou o processo de adoção após sentir uma demanda crescente por parte das lojas integradas à plataforma. “Nós havíamos percebido que os lojistas já usavam o Pix de maneira informal e amadora, enviando a chave por e-mail para os clientes. Quem faz duas ou três vendas por dia consegue lidar, mas o nosso time de suporte começou a receber uma demanda grande pela solução”, conta Luiz Natal, head de Desenvolvimento e Plataforma.

Em maio, as transações com Pix na plataforma subiram 60% em relação a abril e, em junho, já há um avanço parcial de 75% em comparação a maio. Apesar da expansão acelerada, o Pix ainda não chega a 5% das transações totais da Nuvemshop, mas a plataforma está otimista para os próximos meses. “Quando o meio de pagamento estiver mais democratizado, isso vai estourar”, diz Natal.

Quem sai imune desse movimento no varejo físico é o cartão de crédito. Seja no pequeno, no médio ou no grande estabelecimento, não há ainda como o Pix substituir o crédito, uma modalidade de pagamento culturalmente enraizada no varejo brasileiro.

“Os comércios com tíquetes maiores, que favorecem o pagamento parcelado, e o fato de o dinheiro não sair imediatamente do bolso do consumidor fazem com que o crédito não tenha impacto”, afirma Eduardo Vils, CEO da Justa.