Em entrevista recente ao Yahoo, um jornalista me fez uma pergunta inusitada: se eu achava que 2020 seria o ano da sustentabilidade! Respondi que sim, claro. E para justificar minha convicção, juntei um conjunto de evidências frescas, seguramente o mais superlativo em 20 anos de atuação na área: manifesto pró-sustentabilidade das 181 grandes empresas globais do Business Roundtable e dos 230 investidores ligados à Ceres; expansão no número de empresas certificadas pelo Sistema B; aumento de 34% nos investimentos sustentáveis em dois anos (Aliança Global de Investimentos Sustentáveis); nova carta de Larry Fink, CEO da BlackRock, apresentando compromissos mais rigorosos em favor do ESG; o Fórum Econômico de Davos mais verde de todos os tempos no qual se discutiu propósito antes do lucro e novo capitalismo; compra da Avon pela Natura com o compromisso da empresa brasileira de espalhar os seus valores de sustentabilidade pelo mundo; e anúncio público da Ambev de zerar o uso de plásticos até 2025. Como eu não parava mais de citar fatos relevantes, o repórter, claramente satisfeito, mudou para uma segunda pergunta.

Em evento no qual fiz palestra, também recentíssimo, um dos participantes me dirigiu outra pergunta inusitada: se a atual ênfase à sustentabilidade, para ele exagerada, não seria mais um dos muitos “voos de galinha” de um tema que nunca alcançou status estratégico nas empresas. Respondi ao jovem e cético profissional discordando duas vezes. Não, não acho que sustentabilidade teve “muitos” voos de galinha — termo cunhado por economistas para designar um crescimento econômico que não se sustenta. Não, definitivamente não acho que o movimento atual seja, nem de longe, um voo de galinha. Parece-me mais um voo de falcão peregrino — constante, estável e longo. Elenquei os mesmos fatos apresentados ao jornalista do Yahoo.

E ainda por cima arrisquei a previsão de que estamos, na verdade, no início de uma curva ascendente de valorização do conceito na gestão, na estratégia, na cultura e na marca das empresas. Faço questão de sublinhar: estamos no começo de uma curva com tendência de alta linear, alimentada, em grande medida, por uma combinação de quatro fatores: a pressão dos millennials e das gerações posteriores X, Y e Z (a turma que quer trabalhar, investir e comprar de empresas mais sustentáveis), a derrubada da última trincheira de resistência representada pelos investidores (a turma do “show me the money”), a consciência entre os agentes de mercado (a turma que sempre colocou o dinheiro acima de tudo) de que vivemos uma estado de “emergência climática”, e a ascensão ao poder de uma liderança rodando com software dos valores deste século 21 (para não dizer a aposentadoria da turma dos velhos líderes com mindset do século 20.)

Sobre a visão e influência desse novo tipo de liderança, recorro a um estudo interessante feito, em 2019, pela Accenture com o Pacto Global, das Nações Unidas, denominado “A década da entrega: uma chamada para os negócios”. Para saber o que pensam, agora e no futuro próximo, a respeito da sustentabilidade e do seu impacto sobre os negócios, a Accenture ouviu maios de 1.000 CEOs de 22 setores em 99 países. Expressivos 99% dos que dirigem companhias com mais de um bilhão de dólares de receita/ano acreditam que a sustentabilidade será importante para o sucesso futuro do seu negócio.

Para entender exatamente o valor atribuído pelos CEOs à sustentabilidade, a consultoria irlandesa perguntou a eles até que ponto o conceito cria valor para o negócio hoje e seguirá criando valor num futuro de cinco anos a considerar quatro aspectos. Entre os ouvidos, 71% creem (58% hoje) que sustentabilidade resultará em valorização da marca; 57% (40% atuais) não têm dúvidas de que desdobrará em crescimento de receita; 52% (37% atuais) enxergam maior impacto na mitigação de risco; e 51% (35% hoje) esperam redução de custos de operação. É exatamente a diferença entre os percentuais de hoje e os de expectativa para o futuro que sustenta a minha posição sobre o início de uma curva ascendente. Mas há ainda outros elementos a ponderar.

Uma das conclusões do estudo, por exemplo, é que estão perdendo força barreiras habituais à implantação de uma abordagem mais estratégica da sustentabilidade na empresa. Em 2013, 37% dos CEOs não conseguiam enxergar uma relação clara do conceito com valor para o negócio. Este número caiu para 31% em 2016. E para 26%, em 2019. Há sete anos, 21% alegavam falta de conhecimento no assunto. Em 2016, eram 11%. Agora, apenas 8%. Com os últimos acontecimentos, incluindo as novidades verdes de Davos, minha aposta é de que a curva de queda nesses tende a se acentuar neste e nos próximos anos.

“Não existe mais uma diferença entre nossas estratégias de negócio e nossas estratégias de sustentabilidade. Elas estão totalmente integradas”, afirmou Alan Jope, CEO da Unilever

Quais públicos de interesse exercerão maior influência no movimento de integração da sustentabilidade à estratégia central dos negócios?  O estudo fez essa pergunta. Mais especificamente, solicitou aos líderes entrevistados ranquear os três stakeholders com maior poder de pressão. E a resposta confirma, em parte, nossa experiência no Brasil, exceção ao peso de importância conferido aos governos, muito maior em países europeus. Consumidores e empregados aparecem no topo da lista (53%), seguidos de governos e reguladores (41%), comunidades (27%), investidores (20%) e mídia (12%). Lembrando o que já escrevi em outros artigos, o aumento do poder de consumo consciente, de investimento e de influência dos millennials e demais gerações posteriores explica, como importante fator demográfico, a ascensão de consumidores, colaboradores e investidores muito mais críticos em relação ao comportamento sustentável de empresas.

Indagados sobre que fatores podem acelerar os esforços empresariais por sustentabilidade, os entrevistados destacaram a degradação ambiental, mudanças climáticas e diminuição de recursos (54%), a necessidade de fortalecer a confiança nos negócios (48%), novos modelos de governança local e global e o crescimento da classe média no mundo (39%). Em resumo: a água já está batendo na altura do pescoço, há riscos evidentes de escassez de recursos naturais e, portanto de insumos, e cada vez mais pessoas, em todos os cantos do planeta, começam a se mobilizar contra as empresas sem propósito, irresponsáveis no controle de seus impactos socioambientais e orientadas exclusivamente para acionistas.

O relato de um dos entrevistados, Alan Jope, CEO da Unilever, publicado no estudo, reforça o que tenho pregado há alguns anos aqui no Brasil: “Não existe mais uma diferença entre nossas estratégias de negócio e nossas estratégias de sustentabilidade. Elas estão totalmente integradas”. Outras grandes empresas seguirão na mesma direção da Unilever. Disso não tenho dúvidas. Resta saber a velocidade com que os procrastinadores de sempre partirão para a ação. Afinal em tempos de emergência climática, depois de 40 anos de negociações fracassadas para conter o aumento da temperatura global, o relógio corre contra a as próximas gerações. A humanidade tem pressa.

Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável, consultor master, escritor, palestrante e conselheiro de empresas. Criador da Plataforma Liderança com Valores, escreveu dez livros, entre os quais “Conversas com Líderes Sustentáveis” (SENACSP/2011). É professor da Fundação Dom Cabral e do ISAE-FGV.

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