Rodolfo Hrosz, CEO da área de consumer health da Sanofi no Brasil, levanta a mão direita e desenha, no ar, o comportamento de vendas de alguns segmentos da indústria farmacêutica durante a pandemia de coronavírus.

A mão sobe, faz a parábola e desce para mostrar a demanda por complexos vitamínicos, por exemplo. As pessoas buscaram se fortalecer no auge das tristes estatísticas de contágio e depois voltaram ao uso habitual do medicamento, ele conta.

Hrosz também repete o movimento pendular ao falar de relaxantes musculares, alívio para as longas horas de home office em cadeiras impróprias – até que a população estruturasse a mobília e a percepção da nova tendência de trabalho.

Mas a mão aponta sempre para cima quando se fala em distúrbios do sono, um mercado que a Sanofi não explorava no Brasil. Até agora.

Trata-se de um segmento que movimenta R$ 386 milhões, segundo a consultoria IQVIA. O dado leva em conta apenas medicamentos, sem incluir aplicativos, travesseiros, colchões e demais “softwares e hardwares” para os insones.

Dados da IQVIA mostram também que durante a pandemia, o velho problema das noites mal dormidas atingiu picos inéditos. A compra de medicamentos para combater a insônia cresceu mais de 6% entre julho de 2019 e julho de 2020, no auge da pandemia.

Somadas as drogas contra a ansiedade, depressão e insônia, o aumento bate em 19%, segundo informações da e-pharma. A combinação de ansiedade e estresse durante o isolamento social acabaria no travesseiro, claro.

E dá-lhe números: uma pesquisa do Instituto Ipsos – encomendada pela Sanofi – revelou que 7 em cada 10 brasileiros declaram não ter uma boa noite de sono, que 70% dormem menos de seis horas e que 4 em cada 10 não tratam do problema por não saberem ou não se sentirem seguras com os medicamentos.

Junte as estatísticas, o crescente uso de psicotrópicos, a recente aprovação, pela Anvisa, do uso de melatonina no Brasil, e o caminho ficou aberto para os sonhos da farmacêutica francesa: replicar por aqui a estratégia de sucesso que obteve no “mercado do sono” da Itália e da França, a de combinar fitoterapia e melatonina com educação comportamental.

O Nova Noite, da Sanofi

O primeiro passo foi trazer a linha Nova Noite, suplemento em duas versões: um composto à base de ervas e outro de melatonina. O líder em mercados importantes da Sanofi pelo mundo vai dividir as prateleiras brasileiras com outros laboratórios, a Catarinense Pharma, por exemplo, e até mesmo com as marcas próprias do varejo.

O Grupo Raia Drogasil, por exemplo, aproveitou o aval da Anvisa para inundar suas gôndolas com duas versões do suplemento de melatonina. Levando-se em conta que o grupo tem 15% de market share no varejo e que os demais concorrentes não vão ficar parados vendo a melatonina francesa se movimentar, o jogo talvez fique um pouco mais duro para a Sanofi.

Por isso, a segunda parte da estratégia. Que é, nas palavras de Hrosz, “chacoalhar o mercado”, embora ele não revele os investimentos no chacoalhão.

O que ele conta é que serão basicamente duas frentes de atuação no desejo de atingir a liderança: agressividade no ponto de venda e muito marketing educacional em cima dessa estreia no segmento.

Rodolfo Hrosz, CEO da área de consumer health da Sanofi no Brasil

Divide-se então as duas frentes em sete ondas, nas palavras de Marília Zanoli, diretora de marketing Consumer Health na Sanofi Brasil. Começando por uma massiva campanha em TV, passando pela onipresença em mídias digitais e pela contratação de influenciadores como os atores Bruno Gagliasso e Isis Valverde para falar da importância da higiene do sono.

As ondas seguem com a realização de um evento com “experiências sensoriais e educação comportamental sobre o sono”, nos dias 15 e 16 de março, no Sampa Sky, o mirante de vidro localizado no 42º andar do edifício Mirante do Vale, o mais alto da capital paulista.

E avançam em terra firme, num caminhãozinho que vai percorrer vários pontos de São Paulo entre março e abril, com as mesmas orientações sobre a higiene do sono. “Teremos também a presença de nossos influenciadores nessa estratégia itinerante com forte apelo educacional”, diz Marília.

Por fim, haverá uma atuação constante no ponto de venda para colocar em evidência o produto e treinamento de farmacêuticos. “A ideia é educar os consumidores, orientar distribuidores, falar dos benefícios do produto e mostrar que ele não causa dependência, o que é bem importante no mercado do sono”, diz Hrosz ao NeoFeed.

Eis um ponto importante nessa indústria: os riscos da dependência. A indústria do sono anda de mãos dadas com a química viciante desde os primeiros barbitúricos em 1864 até o Lemborexant, aprovado em 2019 pelo FDA (agência americana equivalente a Anvisa brasileira), passando pelo benzodiazepínicos (como o clonazepam ou Rivotril) e as chamadas drogas “z”, como o Zolpidem.

Em entrevista para a revista Forbes em dezembro de 2019, Sérgio Tufik, fundador do Instituto do Sono e um dos maiores estudiosos do tema, lembrou. “A cada três medicamentos vendidos no mundo, um é psicotrópico. Dos psicotrópicos, entre os mais vendidos estão os feitos para dormir”.

Por aqui, os números não deixam dúvidas: entre março e abril de 2020, as vendas de Clonazepam, segundo a Anvisa, cresceram 22%, saltando de 4,6 milhões para 5,6 milhões de caixas. A Sanofi terá trabalho para virar essa chave.