O cenário promete ser festivo e de aparente normalidade para a 93.ª cerimônia do Oscar em Los Angeles, que acontece em 25 de abril. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood se esforça em fazer jus ao glamour de um dos espetáculos mais populares o mundo.

Mas um clima de apreensão tem dominado a indústria que, no passado, recebeu o apelido de “fábrica de sonhos”. O golpe maior contra ela se deu com a pandemia do coronavírus, que fechou todas as salas de exibição do planeta e encerrou operações de empresas antigas do setor.

Mesmo que alguns espaços de projeção estejam voltando, a velocidade se revela lenta para equilibrar receitas e despesas, sem mencionar gerar lucros. Será a morte do cinema? Ou a do negócio do cinema?

O medo dos realizadores e empresários da área é de que o cinema deixe de ser um negócio viável em grande escala e se torne uma mera curiosidade de outros tempos, como o circo e as touradas.

“É o que queremos evitar”, afirma o presidente da Academia, David Rubin. “Vamos demonstrar que o cinema ainda é pujante e prova disso está em que suas histórias fornecem o melhor conteúdo para os serviços de streaming”.

Há mais de cinco décadas, centenas de milhões de espectadores assistem à transmissão ao vivo que reúne os astros de Hollywood. Antes das transmissões ao vivo (e o Oscar foi um das primeiras lives da história), a presença física de atrizes e astros no palco recebendo estatuetas já exercia fascínio.

Foi certamente o primeiro acontecimento global da indústria do entretenimento, impulsionado por bilheterias milionárias de salas de cinema em constante proliferação, patrocinado por conglomerados de produtoras, distribuidoras e redes de exibição.

Tudo, no entanto, desandou com a Covid-19, que se espalhou pelo mundo em março de 2020. Não há números divulgados para o Brasil, mas somente nos Estados Unidos, em 2020, houve um prejuízo de US$ 15 bilhões em bilheterias nos cinemas, e a demissão de 120 mil trabalhadores da área.

Somente nos Estados Unidos, em 2020, houve um prejuízo de US$ 15 bilhões em bilheterias nos cinemas, e a demissão de 120 mil trabalhadores da área

O temor dos empresários de grandes redes de exibição é de que as salas de cinema não resistiam ao cenário de pós-pandemia. Em outras palavras, a catástrofe sanitária marcaria o fim do cinema como entretenimento popular, em benefício dos serviços de streaming, capazes de levar longas e curtas metragens diretamente às casas dos consumidores, naturalmente sem risco de contágio.

O desafio da Academia, que reúne 9 mil profissionais do cinema, é restaurar o vigor da chamada “sétima arte”. Daí a festa servir como plataforma de um retorno digno junto à estima do público. Isso mesmo que muitos críticos estejam descrevendo pejorativamente o evento de entrega do prêmio mais importante do cinema como “Oscar pandêmico”.

Em junho de 2020, a Academia anunciou o adiamento da cerimônia do ano seguinte em oito semanas. Do habitual início de fevereiro, foi transferida para abril. “Esperamos, estendendo o período de elegibilidade e a data de entrega de nossos prêmios, fornecer a flexibilidade que os cineastas precisam para terminar e lançar seus filmes sem serem penalizados por algo fora do controle de qualquer um", disse Rubin.

Ele ambiciona impedir a repetição do fracasso da festa do ano passado, com queda de receitas e ausência quase total de bilheteria. A redução da audiência na televisão também foi retumbante. Se, no ano 2000, o número de espectadores americanos para o show era de 46,3 milhões, no ano passado caiu pela metade, tendo alcançado 23,6 milhões, de acordo com o site Statista.

Curiosamente, o Oscar não explorou as oportunidades oferecidas pelas redes sociais e tecnologias de ponta. Tudo isso alterou o perfil dos filmes indicados neste ano. Com a redução dos orçamentos, as superproduções deram lugar a produções mais modestas, patrocinadas por serviços de streaming como Netflix , Amazon Prime Video e Hulu, além da participação de estúdios independentes, muitos deles estrangeiros.

O filme "Os 7 de Chicago", da Netflix, um dos favoritos ao Oscar 2021

Um dos filmes mais cotados é “Os 7 Chicago”, um modesto filme de tribunal da Netflix, mas que teve um grande impacto sobre o público mundial. Ele mostra a revolta de sete jovens ativistas americanos de Chicago que são contra a Guerra do Vietnã e a favor dos direitos civis. Eles são presos e acusados pelo governo americano de conspiração e incitação à violência.

“Será uma cerimônia atípica”, diz o empresário e cineasta paulistano André Sturm, fundador da distribuidora Pandora Filmes, dono do cinema Belas Artes e do serviço de streaming Belas Artes À la Carte, especializado em filmes cult. “Foi uma concorrência desleal, porque quem lançou os filmes de impacto foram as grandes plataformas de streaming. E foram estes os mais indicados. Foram poucos os filmes principais e de impacto que tiveram estreias nos cinemas.”

Sturm discorda daqueles que afirmam que finalmente os serviços de streaming substituíram e enterraram o cinema. Ele prevê uma volta aos eventos presenciais. “Vivemos um momento transitório”, diz. “As pessoas vão continuar a ir aos cinemas, como vão a shows e jogos em estádios.”

A Academia também acredita que é preciso mostrar que pouco ou nada mudou na criatividade dos seus artistas e equipes técnicas. A sede principal do programa “Academy Awards Cerimonies 2021” ainda é o Dolby Theatre, um teatro curto e com pé-direito alto, de dimensões diferentes dos espaços habituais, erguido no interior de um shopping center comum e turístico no Hollywood Boulevard.

Neste ano, porém, a pandemia exigiu adaptações. “Vamos mostrar que estamos vivos, mas não alienados ao que acontece à nossa volta”, diz o cineasta Steven Soderbergh, convidado para dirigir o show.

Steven Soderbergh, convidado para dirigir o show em 2021

Com a meta de adaptar a cerimônia aos tempos difíceis, a transmissão continuará a ser presencial. Zoom e aplicativos assemelhados e teleconferência estão proibidos. Ela também não contará com um anfitrião, e está planejada para ocorrer em quatro locais.

Além do Dolby Theatre, onde devem comparecer poucos convidados após o desfile do tapete vermelho, a sede secundária será o prédio em estilo colonial da Union Station de Los Angeles, estação ferroviária onde pode acolher um número maior de público em seu salão principal, coberto de um imenso teto de madeira.

Dois estúdios, um em Paris e outro em Londres, receberão indicados em trânsito ou em isolados longe de casa, também com a presença de um público, embora reduzido.

Uma inovação adicional é que os internautas podem ter acesso às festas que abrilhantam a madrugada depois da cerimônia, consideradas pelos jornalistas que cobrem o evento e pelos convidados como a ocasião quase tão importante quanto a da entrega de estatuetas.

Canais de YouTube e de outros serviços estão oferecendo acesso virtual a essas festas. É o caso da revista Vanity Fair, que convida seus assinantes a participar virtualmente de uma das festas mais concorridas de Hollywood. Mas o internauta precisa contar com a imaginação, pois os convidados foram orientados a usar máscaras.