O paulistano Vinícius Pernia, de 23 anos, era um criador de conteúdo para redes sociais desde os 11 anos de idade. Ao longo do tempo, ele testou diversas plataformas, do YouTube ao Instagram, conseguindo relativo sucesso. Mas nada comparável ao que aconteceu em dezembro de 2019, quando publicou um vídeo de 15 segundos no TikTok com uma música de sua criação.

Chamada de “Respondendo perguntas”, a canção se tornou um sucesso instantâneo. Em apenas uma semana, ela foi visualizada 10 milhões de vezes. “O TikTok mudou a minha vida”, disse Pernia, ao NeoFeed. “Hoje, eu vivo da internet.”

Pernia, que é conhecido como @vincynite no TikTok, se tornou personagem de um dos maiores sucessos da rede social no Brasil. Sua música de 15 segundos virou uma febre no aplicativo e milhares de pessoas fizeram suas próprias versões, incluindo famosos como a atriz Cinthia Cruz e influenciadores digitais como Camila Loures, Valentina Schulz, Klebio Damas e Luis Mariz.

O TikTok, que pertence à chinesa ByteDance, pode não ser conhecido do grande público. Em especial, daqueles que têm mais de 30 anos. Mas exatamente por atingir um público jovem com vídeos curtos sobre temas que vão de comédia, arte, maquiagem até muita música com adolescentes saltando para todos os lados, ele está ganhando tração no Brasil e no mundo e transformando-se no pior pesadelo do YouTube, do Google, e do Instagram, do Facebook.

O número de usuários brasileiros que acessam o TikTok cresceu 316% em 2019, de acordo com dados obtidos com exclusividade pelo NeoFeed com a comScore, empresa que mede a audiência da internet. Em dezembro do ano passado, foram 7,3 milhões de visitantes únicos. Um ano antes, eram 1,7 milhão.

É verdade que YouTube e Instagram contam com muito mais usuários. Mas crescem bem menos no Brasil. O serviço de vídeos do Google, por exemplo, avançou 1% em 2019, segundo dados da comScore, quando atingiu 116,4 milhões de visitantes únicos. O Instagram, do Facebook, por sua vez, avançou 11% e teve uma audiência única de 91 milhões.

Globalmente, o TikTok tem mostrado sua musculatura. Em 2019, ele foi o segundo aplicativo mais baixado do mundo, segundo a consultoria Sensor Tower. Foram 738 milhões de downloads no ano passado. Está atrás apenas do WhatsApp, mas à frente de Messenger e Facebook, que ficaram na terceira e na quarta posições deste ranking.

“Nosso objetivo é estimular o conteúdo local”, afirmou Rodrigo Barbosa, gerente de comunidade do TikTok Brasil, ao NeoFeed. “Notamos o que funciona, entendemos porque funciona e adaptamos para o aplicativo.”

A subsidiária brasileira está em operação desde agosto de 2018. O escritório fica na região da Avenida Faria Lima, onde estão localizados os principais bancos e gestoras de investimentos do Brasil. No mesmo prédio do TikTok estão empresas como XP, Uber e Embraer.

O número de funcionários locais não é revelado. “Temos crescido bastante”, limita-se a dizer Barbosa. Dois estúdios de tevê foram montados para apoiar os criadores de conteúdo. A equipe local dá ainda suporte aos criadores de conteúdos com cursos online e presenciais.

“O que o Instagram fez com as imagens, o TikTok está fazendo com os vídeos”, afirma André Miceli, coordenador do MBA de marketing e negócios digitais da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Não sei se vai ser um pesadelo ou representar o fim e a derrocada de serviços como YouTube ou Instagram, mas o TikTok vai incomodar bastante.”

Gente grande apoiando

Outra tarefa da operação local do TikTok é buscar parcerias com empresas. A Sony, por exemplo, divulgou com exclusividade a música #CarnavalChegando, do DJ Rennan da Penha, antes do lançamento oficial. Um trecho de 15 segundos da música ficou disponível na plataforma por dois dias.

O Guaraná Antarctica, da Ambev, também fez um acordo com a plataforma e lançou uma série de 27 latas temáticas. As latas traziam uma espécie de QR Code que ao ser escaneado redirecionava os usuários para o perfil da marca no TikTok.

A maneira mais surpreendente de uso do TikTok, até agora, veio da suíça Nestlé, que resolveu usar a rede social para recrutar internamente dois profissionais para a sua área de marketing do achocolatado Nescau.

A maneira mais surpreendente de uso do TikTok veio da suíça Nestlé, que resolveu usar a rede social para recrutar internamente dois profissionais

“A ferramenta é muito utilizada pelos jovens e Nescau é uma marca que conversa fortemente com essa geração”, afirmou Abner Bezerra, head de marketing de Nescau e bebidas da Nestlé Brasil, ao NeoFeed. “Buscamos o perfil de uma pessoa curiosa, criativa e aberta ao novo.”

A Nestlé já recebeu 20 vídeos de interessados às duas vagas. A análise vai levar em conta a forma como os candidatos exploram a ferramenta para contar a história e justificar o porquê do interesse pela vaga, o quanto souberam usar os recursos do TikTok, observando as facilidades e dificuldades que encontraram para lidar com um novo aplicativo. O resultado deve ser divulgado em breve.

Essa proximidade com grandes marcas até agora não tem gerado recursos à operação brasileira. No Brasil, ainda não há nenhum modelo de negócio. As empresas não pagam para impulsionar os posts, nem há publicidade na plataforma. Produtores de conteúdos também não são remunerados.

Pernia, por exemplo, está aproveitando sua popularidade no TikTok – são mais de 700 mil seguidores – para prestar serviços a marcas, como o Guaraná Antarctica e o chiclete Trident. “As visualizações geram interesse das marcas”, afirma ele. “Consigo inserir as marcas dentro do conteúdo.”

Fora do Brasil, no entanto, o TikTok tem um modelo baseado em publicidade e na venda de emojis e stickers para seus usuários. A Sensor Tower estima que isso gerou US$ 176,9 milhões em 2019. Mas a receita vem crescendo de forma acelerada. No quarto trimestre do ano passado, foram US$ 88 milhões, o dobro do trimestre anterior e seis vezes mais do que o mesmo período de 2018.

Crescimento exponencial

O crescimento acelerado do TikTok não aconteceu por acaso. O serviço de vídeos curtos pertence a chinesa ByteDance, avaliada em US$ 78 bilhões e com investimentos de fundos de venture capital como Sequoia Capital e Softbank.

A ByteDance ganhou projeção com a plataforma Toutiao, um agregador de notícias que usa inteligência artificial para adaptar seus conteúdos aos usuários. Mas seu fundador, Zhang Yiming, resolveu adaptar o conteúdo apostando em vídeos. Em 2016, ele lançou o Douyin, um aplicativo de vídeos curtos que alcançou 100 milhões de usuários na China,

O empreendedor Zhang Yiming, fundador da ByteDance

No fim de 2017, a ByteDance comprou o Musical.ly, um aplicativo de vídeo de Xangai com boa penetração fora da China, por aproximadamente US$ 900 milhões. Um ano depois, surgia o TikTok, que só pode ser acessado no exterior. O Douyin não desapareceu e segue sendo usado na China.

O TikTok nasceu da costela do Musical.ly e com mais de 200 milhões de usuários globais. Hoje, estima-se que mais de 500 milhões de pessoas usem o aplicativo de origem chinesa, que está em mais de 150 países. Acredita-se que dois terços de seus usuários tenham menos de 30 anos. Só o Snapchat atinge público semelhante.

O maior mercado do TikTok é a Índia, onde estão aproximadamente 30% de seus usuários. Mas o aplicativo vem crescendo em diversos mercados, não só nos países emergentes.

O maior mercado do TikTok é a Índia, onde estão aproximadamente 30% de seus usuários

Um desses mercados é os Estados Unidos, onde a companhia fez um anúncio durante o Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano – vencido pelo Kansas City Chiefs, no início de fevereiro. A ideia é promover a marca por lá em eventos esportivos, segundo uma reportagem do The Wall Street Journal.

O sucesso do TikTok é apoiado numa fórmula simples. Ele tem nativamente uma ferramenta de edição de vídeos cheia de recursos e de fácil manuseio. Além disso, o serviço conta com trilhas de diversas músicas, de apenas 15 segundos, para serem acrescentadas às imagens. Os usuários podem criar suas próprias canções, que, por sua vez, podem ser usadas nos vídeos de outras pessoas na própria rede social.

Uma pesquisa da comScore com jovens de 18 anos a 24 anos no Brasil descobriu que eles gastam, em média, oito minutos por dia no aplicativo. De janeiro a junho de 2019, quando foi feita a pesquisa, a média de minutos diários aumentou 161%.

“O TikTok é mais uma plataforma que estimula o efêmero, não oferecendo sustentação das informações”, diz Beth Saad, professora titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). “É boa para o jovem que tem pressa, mas não contribui para ele estar mais informado. Contribui apenas para ele estar conectado e sentir-se pertencente a um grupo.”

O efeito Snapchat

A rápida expansão do TikTok não passou despercebida, principalmente, pelo Facebook, dono do Instagram. No ano passado, Mark Zuckerberg resolveu colocar em prática uma estratégia que deu muito certo para brecar o avanço do Snapchat: copiar recursos.

Explica-se: o Snapchat era uma rede social que crescia de forma acelerada nos Estados Unidos, principalmente entre o público jovem. O Facebook, por sua vez, via seu público envelhecer e temia perder usuários no Instagram para a rede social fundada por Evan Spiegel.

O recurso de maior sucesso do Snapchat era o “Stories”, vídeos que eram publicados pelos usuários, mas que desapareciam depois de 24 horas, sem deixar registros na rede social.

Zuckerberg fez a sua própria versão do “Stories” e o disseminou para o Facebook, para o WhatsApp e, claro, para o Instagram. A estratégia deu certo e o Snapchat segue estagnado nos Estados Unidos. O Instagram, ao contrário, decolou.

Parece que Zuckerberg usará da mesma estratégia para tentar combater o TikTok. No ano passado, o Facebook lançou sem grande alarde o aplicativo Lasso, que traz uma experiência similar ao TikTok, permitindo ao usuário fazer vídeos curtos, dublar e utilizar ferramentas de criação, incluindo filtros de imagem e efeitos de edição.

No ano passado, o Facebook lançou sem grande alarde o aplicativo Lasso, que traz uma experiência similar ao TikTok

Será que dessa vez vai funcionar? “Eu temo que eles tenham perdido o timing por achar que os Stories, do Instagram, eram parecidos e suficientes para barrar as funcionalidades de vídeo do TikTok”, diz Miceli, da FGV. “Não sei se dará tempo de frear a ponto de acontecer o que aconteceu com o Snapchat.”

O fundador do Snapchat, Evan Spiegel, que sentiu na pele os efeitos dessa estratégia, acredita que o TikTok tem potencial para ser maior do que o Instagram.

“O TikTok é uma rede social baseada em talento e não em status”, afirmou Spiegel, durante o Digital Life Design, que aconteceu na Alemanha, em meados de janeiro. “As pessoas passam algum tempo na rede tentando aprender uma nova dança ou uma nova maneira de contar uma história, estão fazendo conteúdo para entreter.”

Ao contrário de outros competidores, o TikTok usa de uma estratégia engenhosa. Ele permite que todo o seu conteúdo possa ser compartilhado em outras redes sociais, do YouTube ao Instagram, do Twitter ao WhatsApp. E quando isso acontece, a marca sempre fica em evidência. “Tudo é fácil de ser copiado”, diz Barbosa, do TikTok Brasil. “Mas todo mundo que associa vídeos curtos, memes, criatividade e comédia, pensa no TikTok.”

Polêmicas

Mas mesmo com vida tão curta, o TikTok já coleciona polêmicas. No Brasil e lá fora. Por aqui, a criação de um perfil do ator pornô Kid Bengala causou controvérsia, pois o aplicativo é bastante popular entre o público mais jovem – muitos menores de idade. Na ocasião, a empresa respondeu, por meio de nota, que “usamos aprendizados como esse para lapidar nossos filtros e esforços de moderação.”

Ao NeoFeed, Barbosa, do TikTok Brasil, disse que existem diversos filtros, automáticos e manuais, que controlam o conteúdo. E que as equipes que fazem essa avaliação são regionais. “É uma equipe que segue as regras do Brasil”, afirmou.

Nos Estados Unidos, a preocupação é outra. Em dezembro do ano passado, o exército americano proibiu o uso do aplicativo. A alegação era que seu uso poderia representar uma ameaça à segurança nacional.

Dois senadores, o democrata Tom Cotton e o republicano Chuck Summer, também se preocuparam com o TikTok e chamaram os serviços de inteligência para avaliar as atividades da rede social. O receio era de que ele poderia ser obrigado a apoiar e colaborar com operações de inteligência controladas pelo governo chinês.

Nada disso, até agora, parece impedir o avanço do TikTok no Brasil e no mundo. É cedo ainda para saber se a rede social chinesa deixará de ser um pesadelo para Instagram ou YouTube e se tornará, de fato, uma realidade assustadora.

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