Durante a Expert XP, em julho deste ano, Guilherme Benchimol, o fundador e CEO da XP Inc, recebeu o NeoFeed para uma entrevista exclusiva. Na ocasião, indagado sobre a abertura de capital da plataforma de investimentos nos Estados Unidos, respondeu que estava nos planos e que, nos últimos anos, os movimentos da companhia tinham sido muito bem pensados.

“Fomos jogando xadrez. Primeiro, no estágio inicial, entrou a Actis (empresa de investimentos inglesa). Depois entrou a General Atlantic (empresa americana de private equity), depois veio o Itaú”, disse na época sobre os sucessivos aportes que a companhia recebeu ao longo do tempo. O xeque-mate veio na manhã de ontem, quarta-feira 11 de dezembro, com a abertura de capital da empresa na Nasdaq.

De uma pequena salinha em Porto Alegre, no não tão longínquo ano de 2001, a XP se tornou um colosso com 1,5 milhão de clientes, R$ 350 bilhões sob custódia e um valor de mercado de US$ 19 bilhões, quase R$ 80 bilhões. O xeque-mate, é bom salientar, é referente a essa “partida” jogada até aqui.

De agora em diante, o jogo será outro e a XP, com todos os olhos voltados para si, sob o escrutínio do mercado, passará a enfrentar vários competidores mais aguerridos nesse tabuleiro do setor financeiro. Trata-se de um jogo cheio de oportunidades, é verdade, mas também de muitos desafios.

A empresa precisará entregar o que prometeu e Wall Street costuma não perdoar quem não cumpre com as promessas. Além disso, os rivais devem partir para cima da companhia criada por Benchimol com força total. Mas terão de percorrer um longo caminho para chegar no patamar da XP.

O lucro da XP deve bater em quase R$ 1 bilhão até o fim deste ano e, durante o road show com investidores, seus executivos disseram que o lucro tem tudo para alcançar R$ 1,6 bilhão em 2020 e superar os R$ 2 bilhões em 2021, podendo chegar a R$ 4 bilhões em 2024.

Não é difícil atingir o crescimento de sua receita numa média de 35% ao ano diante das perspectivas para o setor no País. De acordo com dados da consultoria Oliver Wyman, apresentados no prospecto da XP, 93% dos R$ 8,6 trilhões em recursos investidos por brasileiros estão nas mãos dos cinco grandes bancos (Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Santanter e Caixa).

Estima-se que, em 2024, serão R$ 14 trilhões em recursos e, deste total, 25% estarão nas mãos de plataformas abertas e corretoras. Detalhe: ainda é pouco. Nos Estados Unidos, 92% dos investimentos estão fora dos bancos.

A empresa precisará entregar o que prometeu e Wall Street costuma não perdoar quem não cumpre com as promessas

O Brasil já está vivendo em um ambiente nunca visto antes. Taxa de juros baixa e inflação baixa. Isso já tem obrigado o investidor acostumado a comodidade da renda fixa e da poupança a tomar mais risco e a buscar investimentos como renda variável.

Essa transferência de recursos pode chegar a R$ 500 bilhões entre três e cinco anos e beneficiaria, principalmente, as plataformas abertas de investimentos.

De atacante à atacada

Desde o seu nascimento, a XP adotou a postura de “bater” nos bancos, acabar com o famoso oligopólio. Esse discurso, por mais que seus executivos digam que permanece, perdeu força quando Benchimol vendeu metade da empresa para o Itaú Unibanco.

Há um bom tempo, a XP deixou de ser a “empresa dos garotos”, como era jocosamente chamada. Sobretudo agora, nessa nova fase, de capital aberto, valendo dezenas de bilhões de reais.

Os grandes bancos, por sua vez, acordaram. O Santander montou recentemente a plataforma Pi Investimentos. O Bradesco, que vive em uma eterna disputa com o Itaú Unibanco, relançou a corretora Ágora, com 150 mil clientes ativos e R$ 50 bilhões sob custódia.

O Santander montou recentemente a plataforma Pi Investimentos. O Bradesco, que vive em uma eterna disputa com o Itaú Unibanco, relançou a corretora Ágora

Os bancos digitais também se ligaram nesse movimento. O Inter, por exemplo, conta com a Plataforma Aberta de Investimentos (PAI), com 350 mil investidores, e tem tentado interceptar investimentos direcionados à XP. Como? Ao saber que um cliente seu está enviando uma TED para a XP, o banco aborda o correntista e mostra que tem a PAI, com mais de 70 fundos, CRIs, CRAs, entre outros produtos.

Justamente por esses fatores que a XP vai investir parte do montante captado no Banco XP, autorizado pelo Banco Central a operar como um banco completo, e dessa forma manter o dinheiro dos investidores sob o seu domínio.

A meta é alcançar R$ 1 trilhão sob custódia dentro de três anos, aumentando assim o seu monopólio no setor de plataformas abertas onde compete com Easynvest, Órama, entre outras.

Isso mesmo, um monopólio. E, por mais que muita gente critique, não há uma só empresa que não queira criar um negócio em que surfe sozinha na crista da onda. Foi como a XP chegou até aqui.

Benchimol conseguiu enxergar que, para quebrar a barreira de distribuição de investimentos, antes calcada nas agências bancárias, seria necessário formar um exército de agentes autônomos. E, assim, conseguiu capturar milhares de clientes.

Mas o mesmo modelo que o levou ao sucesso também é o modelo que bota pressão no seu negócio. Sua operação ainda depende muito dos agentes autônomos. A XP não é vista como uma companhia tecnológica, a exemplo de competidores como Easynvest, Vitreo e Warren, esta última criada, quem diria, pelo cofundador da XP Marcelo Maisonnave.

O negócio da empresa de Benchimol está umbilicalmente ligado aos agentes autônomos e cada tentativa de um concorrente de cortar esse cordão é uma ameaça

O negócio da empresa de Benchimol está umbilicalmente ligado aos agentes autônomos e cada tentativa de um concorrente de cortar esse cordão é uma ameaça. Não à toa, a companhia entrou na Justiça contra o BTG Pactual, que criou uma plataforma aberta concorrente.

A XP alega que o banco de André Esteves teria usado informações confidenciais de quando foi contratado, em 2017, para coordenar a sua abertura de capital, o que acabou não acontecendo por conta da entrada do Itaú Unibanco como sócio.

Em dezembro do ano passado, a empresa de Benchimol acusou o BTG de concorrência desleal e conseguiu na Justiça uma liminar que proibia o banco de abordar seus agentes autônomos e pagar luvas para eles. Essa liminar foi derrubada em abril e, desde então, as duas empresas discutem o mérito entre recursos e mais recursos.

Nos últimos tempos, a XP, que sempre atacou os bancos por oferecerem apenas seus próprios produtos aos clientes, passou a ser questionada também pelo conflito de interesses que ronda o seu negócio. Seus agentes autônomos têm incentivo para vender produtos financeiros e recebem comissões para as vendas.

A maioria das plataformas trabalha com o famoso 2 com 20. Cobram uma taxa de administração de 2% e 20% de taxa sobre a performance do investimento. Além disso, ainda há o chamado rebate sobre a recomendação do investimento que as gestoras pagam para elas.

São pontos importantes que a agora multibilionária XP terá de equacionar para manter o discurso que a fez chegar até aqui: a quebra do status quo que impera no mercado.

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