A holding Votorantim, da família Ermírio de Moraes, é uma gigante com atuação em diversos setores da economia. Atualmente, tem participações em empresas de materiais de construção (Votorantim Cimentos), de alumínio (CBA), de metais e mineração (Nexa), de suco de laranja (Citrosuco), de energia renovável (Aurem), de investimentos imobiliários (Altre), do setor financeiro (banco BV) e de aços longos (AcerBrag). Em 2021, sua receita líquida atingiu R$ 49 bilhões e o lucro líquido chegou a R$ 7,1 bilhões.

Esse extenso portfólio está ganhando uma nova companhia que está entrando na corrida do “ouro verde”. É a Reservas Votorantim, criada há cinco anos, mas que só agora está deixando sua fase de planejamento para buscar um lugar ao sol no bilionário mercado da chamada economia verde, que inclui venda de crédito de carbono e de compensações ambientais. “O Brasil tem um potencial gigantesco”, diz David Canassa, diretor-executivo da Reservas Votorantim, ao NeoFeed. “Vamos gerar negócios com a floresta de pé.”

A Reservas Votorantim entra nesta corrida com quase 80 mil hectares de florestas. O principal ativo é o Legado das Águas, a maior reserva privada de Mata Atlântica do Brasil, com 31 mil hectares, localizada nos municípios de Juquiá, Miracatu e Tapiraí, no Vale do Ribeira, interior do estado de São Paulo. É um território equivalente ao da cidade de Belo Horizonte.

O segundo ativo é o Legado Verdes do Cerrado, uma área de 32 mil hectares que pertence à CBA (Companhia Brasileira de Alumínio), mas que é administrado pela Reservas Votorantim. Esta reserva, localizada em Niquelândia (GO), é 80% composta por cerrado nativo.

Até o fim deste ano, a Reservas Votorantim vai fazer sua primeira venda de 300 mil toneladas de carbono do Legado Verdes do Cerrado, o que pode gerar uma receita de R$ 25 milhões, segundo estimativas da empresa. Com as compensações ambientais para propriedades com déficit de Reserva Legal (RL), Canassa estima mais R$ 8 milhões.

Em 2023, a empresa espera também lançar créditos de carbono da Mata Atlântica, uma iniciativa inédita. Hoje, a maioria das empresas que atuam nessa área usa reservas na Amazônia para efetuar a venda. O potencial do Legado das Águas é gigantesco. A Reservas Votorantim estima em mais de 10 milhões de toneladas de carbono estocadas nessa região.

Nem todo esse estoque de carbono pode ser vendido – sempre um percentual fica de fora. Para poder ser comercializado, há um longo processo que passa pela certificação de uma auditoria independente, que precisa aprovar o projeto. Só aí, então, os créditos podem ser negociados. “Não basta ter a floresta de pé”, afirma Canassa. “É preciso criar uma metodologia que mostre aquele carbono naquele local.”

Os planos da Reservas Votorantim incluem também fazer parcerias com outras empresas para administrar mais áreas de florestas nativas ou reflorestadas. Algumas conversas, segundo Canassa, estão em estágio avançado e a companhia já administra cerca de 20 mil hectares de terceiros na Mata Atlântica.

“Crescer por aquisição não é também uma coisa que está fora de prospecção”, afirma o diretor-executivo da Reservas Votorantim. Em sua visão, é possível dobrar de tamanho nos próximos quatro ou cinco anos, em uma meta conservadora.

David Canassa, diretor-executivo da Reservas Votorantim

O envolvimento da Votorantim com negócios verdes começou há 10 anos, quando o Legado das Águas foi fundado pelas empresas CBA, Nexa, Votorantim Cimentos e Votorantim Energia. Na área, a Votorantim criou um projeto que envolvia pesquisa científica e turismo ambiental – que existe até hoje. Mas, aos poucos, começou a pensar como explorar melhor esse ativo, que data da década de 1950.

Nessa época, a Votorantim adquiriu uma série de propriedades no sul do Estado de São Paulo, onde construiu sete Usinas Hidrelétricas, fundamental para a produção de alumínio. Os terrenos estavam localizados em floresta nativa da Mata Atlântica, no Vale do Ribeira, cortadas pelo Rio Juquiá. Para garantir a disponibilidade hídrica, a empresa protegeu as nascentes, preservando a vegetação.

Ao longo dos anos, a Votorantim fez uma série de estudos e chegou até a analisar o valor daquela terra, para o caso de uma venda. Mas entendeu que havia um potencial para ser explorado com a mata de pé. Foi quando a Votorantim fez o que Canassa chama de um “plano negócios para a floresta”. “Esperamos o mercado amadurecer e gerar oportunidades”, diz o executivo.

Por esse motivo, apesar de ter sido criada há cinco anos, a Reservas Votorantim só agora se lança oficialmente ao mercado. Neste período, estruturou todas as suas linhas de negócios e organizou os seus ativos, o que consumiu um investimento de R$ 95 milhões, nos últimos dez anos.

A empresa já conta com 250 funcionários. “A maioria está nas áreas florestais fazendo monitoramento ambiental, garantindo que a floresta está em pé e não está sofrendo processos de invasão”, afirma Canassa.

Descarbonização da economia

A entrada da Reservas Votorantim no mercado acontece em meio a discussões sobre o aquecimento global e a necessidade de descarbonização da economia. E os créditos de carbono, apesar de não serem a bala de prata para evitar as mudanças climáticas, são um pilar importante para minimizar o caos ambiental no médio e longo prazo.

O lançamento da empresa da holding da Votorantim ocorre também em um momento que o governo federal publicou um decreto para regulamentar o mercado de carbono no fim de maio. O documento possui como base a Política Nacional de Mudança do Clima, criando um sistema único de registro chamado Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SINARE).

Na prática, o decreto cria as bases para um mercado regulado de crédito de carbono no Brasil. Mas há ainda um longo caminho, pois as metas precisam ainda ser definidas por cada setor da economia. Os especialistas acreditam que, só no fim de 2025, empresas poderão comprar créditos de carbono no mercado regulado no Brasil.

O que não significa que o mercado ficará parado até lá. Ao contrário. O potencial do mercado voluntário é gigantesco. E os dados que são divulgados por diversas consultorias mostram estimativas divergentes – embora sempre apontando para um cenário de grande potencial.

A consultoria McKinsey, por exemplo, acredita a demanda por créditos de carbono voluntário pode atingir de US$ 1,4 bilhão a US$ 2,3 bilhões até 2030 no Brasil. Hoje, o País emite menos de 1% desse potencial estimado. As soluções baseadas na natureza do Brasil poderiam representar 15% do potencial total da oferta global, segundo a McKinsey. Só a Indonésia poderia competir com o Brasil.

A Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), por sua vez, estima que o potencial do Brasil na geração de créditos de carbono de até 1 bilhão de toneladas de CO2 para 2030. Isso significa uma receita de até US$ 100 bilhões, dependendo do preço. Atualmente, no mercado voluntário, um crédito de carbono gira entre US$ 10 e US$ 12. Em 2020, era cotado a US$ 3,50.

A Câmara de Comércio Internacional estima que o potencial do Brasil na geração de créditos de carbono de até 1 bilhão de toneladas de CO2 para 2030, o que pode gerar uma receita de US$ 100 bilhões

Os chamados Créditos de Descarbonização (CBios), que são negociados na B3, dão outra ideia do potencial de negócios. Na média, em 2021, eles foram negociados a R$ 30. Em maio deste ano, o preço médio ficou na faixa dos R$ 120. Os créditos equivalem a uma tonelada de emissão de carbono evitada em termos de substituição de combustível fóssil por renovável e são vendidos por produtores de biocombustíveis.

O mercado já conta também com diversos competidores que vendem projetos de crédito de carbono. Um deles é a startup Moss.Earth, que já levantou mais de US$ 10 milhões de investidores, e que compra e revenda créditos de carbonos. Ela atua de forma direta para clientes como Gol, Hering e iFood. Mas também “tokeniza” os créditos para vender em exchanges de criptomoedas como Mercado Bitcoin e Coinbase.

A empresa de gestão ambiental Ambipar, que vale R$ 2,9 bilhões na B3, entrou também nesse mercado com a compra da Biofílica, em julho do ano passado. Em março, fez um joint venture com a British Petroleum (BP) no Peru para operar projetos de compensação de carbono.

O Santander, por sua vez, comprou, em março deste ano, 80% da WayCarbon, uma das mais tradicionais empresas da área que começou a atuar na originação e comercialização de crédito de carbono. Com o dinheiro do banco espanhol, a empresa deve escalar essa área.

Até gigantes internacionais querem um pedaço desse mercado bilionário. A Amazon, fundada por Jeff Bezos, lançou o aplicativo Sabiá, com metas de reflorestar e gerar créditos de carbono, usando a tecnologia da brasileira BovControl.

Com plano de envolver três mil fazendas da Amazônia nos três primeiros anos de operação, o app mapeará o inventário da área que sequestra (com fotossíntese) e da atividade (produção e logística) que emite carbono usando dados coletados pelo aplicativo no campo, cruzando com dados de satélites.

A chegada da Reservas Votorantim traz mais um competidor de peso ao mercado, uma corrida em busca do “ouro verde” que está apenas começando no Brasil.