Ferramentas baseadas em Inteligência Artificial (IA), como o ChatGPT, têm o potencial de revolucionar a eficiência e a velocidade do trabalho humano. Isso vale tanto para os mercados financeiros como para setores como assistência médica e manufatura. Ou seja, vale para praticamente todos os outros aspectos de nossas vidas.
Tenho pesquisado mercados financeiros e negociação algorítmica por 14 anos. Embora a IA ofereça muitos benefícios, o uso crescente dessas tecnologias nos mercados financeiros também aponta para potenciais perigos. É só observar os esforços anteriores de Wall Street para acelerar as negociações adotando computadores e IA: eles oferecem lições importantes sobre as implicações de usar a Inteligência Artificial para a tomada de decisões.
No início dos anos 80, impulsionados pelos avanços da tecnologia e inovações financeiras - como derivativos - os investidores institucionais passaram a usar programas de computador para executar negociações baseados em regras e algoritmos predefinidos.
Isso os ajudou a concluir grandes negócios com rapidez e eficiência. Naquela época, esses algoritmos eram relativamente simples e haviam sido usados principalmente para a chamada arbitragem de índice, que tenta lucrar com as discrepâncias entre o preço de um índice de ações – como o S&P 500 – e o das ações que o compõem.
À medida que a tecnologia avançava e mais informações tornavam-se disponíveis, esse tipo de programa de negociação tornou-se cada vez mais sofisticado: algoritmos começaram a ser capazes de analisar complexos dados de mercado e também passaram a executar negociações com base em uma ampla gama de fatores.
Esses operadores de programas continuaram a crescer numericamente nas grandes “estradas comerciais” não regulamentadas - nas quais mais de US$ 1 trilhão em ativos mudam de mãos diariamente. Isso fez com que a volatilidade do mercado aumentasse de forma drástica.
O resultado disso foi o forte crash do mercado de ações em 1987 conhecido como “Black Monday”. O Índice Dow Jones sofreu o que foi na época a maior queda percentual de sua história, e os prejuízos se espalharam por todo o mundo.
Em resposta, as autoridades reguladoras implementaram uma série de medidas para restringir o uso do programa de negociação. Um exemplo dessas restrições foi a inclusão de disjuntores que interrompem a negociação quando há oscilações significativas do mercado e outros limites. Mas apesar dessas medidas, a popularidade do programa continuou a crescer nos anos seguintes ao crash.
"As autoridades reguladoras implementaram uma série de medidas para restringir o uso do programa de negociação. Mas apesar dessas medidas, a popularidade do programa continuou a crescer nos anos seguintes ao crash"
Durante 15 anos houve um avanço rápido, até 2002, quando a Bolsa de Valores de Nova York introduziu um sistema de negociação totalmente automatizado. Como resultado, os programas de traders foram substituídos por automações mais sofisticadas com tecnologia muito mais avançada: negociação de alta frequência.
A High Frequency Technology (HFT) usa programas de computador para analisar dados de mercado e executar negócios em velocidades extremamente altas. Os operadores de alta frequência utilizam computadores poderosos e redes de alta velocidade para analisar dados de mercado e executar negociações em velocidades ultrarrápidas.
Esses operadores de alta frequência podem realizar negócios em aproximadamente 64 milionésimos de segundo, em comparação com os vários segundos que levavam os operadores na década de 1980.
Tudo muito diferente dos operadores de programa que compravam e vendiam cestas de títulos ao longo do tempo para aproveitar uma oportunidade de arbitragem – uma diferença no preço de títulos semelhantes que pode ser explorada para fins lucrativos.
Essas negociações são, por sua natureza, de curto prazo e podem envolver a compra e venda do mesmo título várias vezes em questão de nanossegundos. Os algoritmos de IA analisam grandes quantidades de dados em tempo real e identificam padrões e tendências que não são imediatamente aparentes para os operadores humanos.
Isso ajuda os traders a tomar melhores decisões e executar negociações em um ritmo mais rápido do que seria possível manualmente. Outra aplicação poderosa da Inteligência Artificial em High Frequency Technology é o processamento de linguagem natural.
Essa aplicação envolve a análise e interpretação de dados da linguagem humana, como artigos de notícias e postagens em mídias sociais. Ao analisar essas informações, os traders podem obter dados valiosos sobre o sentimento do mercado, além de terem a chance de ajustar suas estratégias de negociação.
Esses traders de alta frequência, baseados em IA, operam de maneira muito diferente das pessoas. O cérebro humano é lento, impreciso e esquecido. É incapaz de fazer aritmética rápida e de alta precisão o suficiente para analisar grandes volumes de dados com o objetivo de identificar sinais de negociação.
"Os computadores são milhões de vezes mais rápidos, com memória basicamente infalível, atenção perfeita e capacidade ilimitada para analisar grandes volumes de dados em frações de milissegundos"
Os computadores são milhões de vezes mais rápidos, com memória basicamente infalível, atenção perfeita e capacidade ilimitada para analisar grandes volumes de dados em frações de milissegundos.
Assim como a maioria das tecnologias, o HFT oferece vários benefícios aos mercados de ações. Esses traders normalmente compram e vendem ativos a preços muito próximos aos de mercado, o que significa não cobrar altas taxas dos investidores. Isso ajuda a garantir que sempre haja compradores e vendedores no mercado, o que, por sua vez, contribui para estabilizar os preços e para reduzir o potencial de oscilações repentinas de preços.
A negociação de alta frequência também pode ajudar a reduzir o impacto das ineficiências do mercado, identificando e explorando rapidamente preços incorretos no mercado. Por exemplo, os algoritmos HFT são capazes de detectar quando uma determinada ação está subvalorizada ou supervalorizada e assim executar negociações para tirar proveito dessas discrepâncias. Ao fazer isso, esse tipo de negociação pode ajudar a corrigir as ineficiências do mercado e garantir que os ativos sejam precificados com mais precisão.
No entanto, velocidade e eficiência também podem causar danos. Os algoritmos HFT são capazes de reagir tão rapidamente a notícias e outros sinais de mercado que conseguem causar picos ou quedas repentinas nos preços dos ativos.
Além disso, as empresas financeiras HFT podem usar sua velocidade e tecnologia para obter uma vantagem injusta sobre outros comerciantes, distorcendo ainda mais os sinais do mercado. A volatilidade criada por essas sofisticadas “feras negociadoras” vitaminadas com a Inteligência Artificial levou ao chamado “flash crash”, em maio de 2010. Naquele momento, as ações despencaram e depois se recuperaram em questão de minutos – apagando e restaurando cerca de US$ 1 trilhão em valor de mercado.
Desde então, mercados voláteis transformaram-se em o novo normal. Em uma pesquisa realizada em 2016, eu, juntamente com mais dois coautores, descobrimos que a volatilidade aumentou de forma significativa após a introdução do High Frequency Technology. Volatilidade é uma medida de quão rápida e imprevisivelmente os preços sobem e descem.
A velocidade e a eficiência com que os operadores de alta frequência analisam os dados significam que mesmo uma pequena mudança nas condições do mercado é capaz de desencadear um grande número de negócios, levando a oscilações repentinas de preços e a uma maior volatilidade.
Além disso, em 2021, publiquei pesquisas - realizadas com vários outros colegas - mostrando que a maioria dos traders de alta frequência usa algoritmos semelhantes, o que aumenta o risco de falha do mercado. Isso ocorre porque, à medida que o número desses traders aumenta no mercado, a similaridade desses algoritmos pode levar a decisões de negociação semelhantes.
"A maioria dos traders de alta frequência usa algoritmos semelhantes, o que aumenta o risco de falha do mercado. Isso ocorre porque, à medida que o número desses traders aumenta no mercado, a similaridade desses algoritmos pode levar a decisões de negociação semelhantes"
O significado disso é que todos os operadores de alta frequência tem possibilidade de negociar no mesmo lado do mercado se seus algoritmos liberem sinais de negociação similares. Ou seja, todos podem tentar vender em caso de notícias negativas ou comprar diante de notícias positivas. Se não houver ninguém para assumir o outro lado da negociação, os mercados podem falhar.
Isso nos leva a um novo mundo de algoritmos de negociação com tecnologia ChatGPT e programas semelhantes. Eles seriam capazes de piorar ainda mais os problemas de muitos traders do mesmo lado de um negócio.
Em geral, os humanos naturalmente tendem a adotar um variado cardápio de decisões. Mas se todos eles tomem suas atitudes a partir de uma inteligência artificial semelhante, corre-se o risco de limitar a diversidade de opinião.
Vamos considerar uma situação extrema, não financeira, na qual todos dependem do ChatGPT para decidir sobre o melhor computador para comprar: os consumidores já estão muito propensos ao comportamento de manada, no qual tendem a adquirir os mesmos produtos e modelos. Por exemplo, comentários no Yelp, Amazon e outros motivam os consumidores a escolher entre algumas das melhores opções.
Como as deliberações tomadas pelo chatbot gerado por IA são baseadas em dados de treinamento anteriores, haveria uma similaridade nas decisões sugeridas por este instrumento tecnológico. É muito provável que o ChatGPT sugira a mesma marca e modelo para todos. Isso pode direcionar a manada de consumidores a uma só direção e resultar em escassez de certos produtos e serviços, além de provocar fortes picos de preços.
O cenário torna-se mais problemático quando a Inteligência Artificial que toma as decisões é alimentada por informações tendenciosas e incorretas. Os algoritmos de IA podem reforçar os vieses existentes quando os sistemas são treinados em conjuntos de dados tendenciosos, antigos ou limitados. O ChatGPT e outras ferramentas tecnológicas semelhantes já foram criticados por cometer erros factuais.
Além disso, as quedas do mercado são relativamente raras e por isso não há muitas informações sobre elas. Como as IAs generativas dependem do treinamento de dados para aprender, sua falta de conhecimento sobre quebras de mercado elas, há mais propensão de isso acontecer.
"Parece que a maioria dos bancos não permitirá que seus funcionários tirem proveito do ChatGPT e outras ferramentas deste tipo. Citigroup, Bank of America, Goldman Sachs e vários outros já proibiram seu uso em pregões, alegando questões de privacidade"
Por enquanto, pelo menos, parece que a maioria dos bancos não permitirá que seus funcionários tirem proveito do ChatGPT e outras ferramentas deste tipo. Citigroup, Bank of America, Goldman Sachs e vários outros já proibiram seu uso em pregões, alegando questões de privacidade.
Mas acredito profundamente que os bancos acabarão adotando a Inteligência Artificial generativa assim que sanarem suas preocupações com essa tecnologia. Isso porque os ganhos potenciais são muito altos para ignorá-la. Além disso, há o risco de os bancos que não o fizerem sejam deixados para trás pelos rivais que a adotarem.
No entanto, os riscos para os mercados financeiros, para a economia global, enfim, para todos, também são significativos. Por isso espero que eles ajam com cuidado.
*Pawan Jain é professor assistente de finanças na West Virginia University
Este artigo foi originalmente publicado em inglês no The Conversation.