O Ministério dos Transportes, sob a gestão do ministro Renan Filho desde janeiro de 2023, decidiu dobrar a aposta no pipeline de concessões da pasta para 2025. A pasta está autorizando a recompra de debêntures de infraestrutura incentivadas emitidas pela concessionária para financiar a obra.
A medida foi revelada em primeira mão pelo secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, nesta entrevista ao NeoFeed. A portaria 201, publicada no Diário Oficial da União nesta quinta-feira, 6 de março, deve dar mais flexibilidade às concessionárias para levantar dinheiro novo no mercado de capitais a um custo mais baixo do que o obtido com as primeiras emissões.
“A reemissão permitirá, por exemplo, que títulos emitidos em momentos de juros altos possam ser substituídos por novos títulos quando as taxas estiverem mais favoráveis”, diz Santoro, acrescentando que a recompra de debêntures também poderá ser feita para concessionárias do setor ferroviário. “Fizemos oitiva aos principais players do mercado financeiro, operadores e BNDES e tivemos boa receptividade e algumas sugestões de ajuste na minuta.”
Número dois da pasta, Santoro atualizou o calendário de concessões e repactuações de contratos de rodovias e de ferrovias – estas devem ter outras novidades com o anúncio do Plano Nacional de Ferrovias, com mais de R$ 100 bilhões em investimentos, que deve ser feito nas próximas semanas.
No caso das concessões rodoviárias, nos últimos dois anos, a pasta realizou dez leilões de rodovias federais e planeja outros 14 certames até dezembro – com previsão de que a carteira de concessões e repactuações de contratos atinja R$ 161 bilhões em investimentos, para melhoria de 7,2 mil quilômetros de rodovias federais.
Santoro confirmou que as chamadas concessões inteligentes - leilões de rodovias de menor tráfego, sem pedágio e menos obrigações para o concessionário - foram adiadas para 2026 e rebateu alegações de que a elevada quantidade de leilões previstos para o ano não conseguirá atrair grande número de interessados.
A dúvida surgiu na semana passada, durante o leilão do trecho da BR-364 da chamada Rota do Agro Norte, que liga Porto Velho a Vilhena, em Rondônia, que recebeu proposta única, do consórcio 4UM e Opportunity, com deságio de apenas 0,05% na tarifa de pedágio.
“O leilão da BR-364 foi o primeiro de uma rodovia federal na Região Norte, onde antes não existia pedágio, essa novidade gerou uma certa insegurança e também houve politização”, afirma, referindo-se a ações judiciais de entidades de Rondônia contra o leilão.
Na mesma semana, viralizou um vídeo postado pelo senador Cleitinho (Republicanos-MG) em cima de um trator, abrindo desvio para fugir das cabines de pedágio da BR-040, no trecho conhecido como Rota dos Cristais, agora sob concessão da francesa Vinci Highways, que vai começar a cobrar tarifa este mês.

Santoro diz que, após o primeiro leilão do ano, outros cinco editais já foram publicados e mais dois devem ser anunciados nas próximas semanas. “Vão faltar oito e ainda teremos três repactuações a serem confirmadas em leilão; temos certeza de que a programação vai ser cumprida”, afirma.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de George Santoro:
Como surgiu a ideia de autorizar as concessionárias a recomprarem debêntures emitidas para financiar investimentos?
A alta de juros no Brasil e sua volatilidade nos últimos meses têm pressionado o financiamento de infraestrutura, tornando o acesso a capital mais oneroso para empresas neste momento que estão assumindo contratos com investimentos com riscos e de longo prazo. Nesse contexto, nossa ideia é oferecer às concessionárias do setor de transportes rodoviário e ferroviário opções para mitigar a fixação de custos financeiros elevados no longo prazo.
Como se dará essa operação?
A reemissão de debêntures, na prática, é uma autorização de nova captação de recursos para pagamento de dívida oriunda de debêntures emitidas anteriormente. A reemissão permitirá, por exemplo, que títulos emitidos em momentos de juros altos possam ser substituídos por novos títulos quando as taxas estiverem mais favoráveis. Assim, as empresas do setor terão mais flexibilidade e segurança jurídica para reestruturar as suas dívidas e se adaptar às condições dinâmicas de mercado.
“Nossa ideia é oferecer às concessionárias do setor de transportes rodoviário e ferroviário opções para mitigar a fixação de custos financeiros elevados no longo prazo”
Qual a expectativa com essa nova frente de investimentos?
O Ministério espera que essa mudança reduza o custo de capital para projetos de infraestrutura, tornando-os mais viáveis e atrativos para investidores, assegurando assim o sucesso do pipeline de leilões anunciado. A medida também tem o potencial de fortalecer o mercado de debêntures incentivadas e de infraestrutura, garantindo que esses instrumentos, que contam com incentivos fiscais, continuem sendo eficazes para impulsionar o desenvolvimento da infraestrutura nacional.
Vocês chegaram a sondar o mercado para ver se a proposta teria aderência?
Fizemos oitiva aos principais players do mercado financeiro, operadores e BNDES e tivemos boa receptividade, com algumas sugestões de ajuste na minuta.
O número de leilões de concessões rodoviárias previstos para este ano - 14, além da concorrência da BR-364, realizada na semana passada – é bem elevado, mas a pasta assegura que todos são competitivos e terão ofertas. O que justifica esse otimismo?
Nesses dois anos sob a nossa gestão dos Transportes houve uma melhoria significativa em termos de segurança jurídica, com a adoção de debêntures e a entrada de novos investidores. A mudança de modelagem dos editais foi importante, ficou aderente ao que os investidores do mundo inteiro estão acostumados: um ciclo só de investimento, prazo adequado para pagar o capital investido, matriz de risco definida, o que faz com que projeto passe a ser considerado como de concessão no recourse, que utiliza como garantia os direitos da concessão, como as tarifas de pedágio.
Qual o impacto dessa mudança?
Isso muda tudo, a taxa de juros, o carregamento disso no balanço e até os tipos de fundos de investimentos que conseguimos atrair. Com debêntures mais modernas, faseadas [em que o desembolso do investimento é feito ao longo do tempo], obtemos tipos de solução financeira que não tínhamos no passado. Com isso, passamos a acessar dinheiro de fundos soberanos e de fundos de infraestrutura da OCDE – isso é possível porque preenchemos os projetos com as exigências ambientais da OCDE, todos os projetos são carbono zero. Ou seja, incorporamos alvos normativos dos principais fundos de infraestrutura do mundo. Isso faz com que se interessem em participar, já tivemos projetos com fundos soberanos, com aplicação de recursos de fundos de pensão, isso vira uma indústria muito maior.
“Com a mudança na modelagem das concessões passamos a acessar dinheiro de fundos soberanos, de fundos de pensão e de infraestrutura da OCDE”
A despeito desses avanços regulatórios, haverá interesse para tantos leilões?
Dos 15 leiloes deste ano, já realizamos um e tivemos outros cinco editais publicados. Nas próximas duas semanas, vamos lançar mais dois editais. Vão faltar oito e temos certeza de que a programação vai ser cumprida. Remodelamos o calendário e as chamadas concessões inteligentes ficaram para o ano que vem, mas faremos uma licitação este ano como teste. O próximo leilão, marcado para 4 de abril, é o da Ponte Binacional São Borja-São Tomé, na fronteira com a Argentina. É um modelo novo de leilão, com uma solução diferente, com receita em dólar, por isso não tende a ter muitos participantes.
O primeiro leilão do ano, da BR-364, em Rondônia, gerou muita reclamação quanto ao edital e acabou atraindo apenas um concorrente. Teme que isso possa ocorrer daqui para frente?
Cinco grupos estudaram o edital. Dois deles pediram para adiar o leilão por mais um mês. Temos uma governança padrão junto com o BNDES de não adiar leilão para evitar decisões não isonômicas. Esse é o critério. O leilão foi o primeiro de uma rodovia federal na Região Norte, onde antes não existia pedágio. Outra questão: o investidor provavelmente vai adotar o free flow, o que gera uma novidade e uma certa insegurança. Até consolidar, tem preconceito, demora um pouco.
Então os demais leilões não devem ter tanto ruído?
Esse leilão da BR-364, em especial, foi politizado – tivemos uma guerra ao longo da semana, com ações judiciais, com tentativa de inviabilizar o processo. Estamos vivendo um momento perigoso, de polarização. Teve senador pegando trator e abrindo desvio em rodovia federal com esse discurso político de não pagar pedágio. O vídeo desse senador rodou a Europa inteira. Tive de fazer reunião com investidores de fora do Brasil para esclarecer o que estava acontecendo. Acabamos de ter uma empresa francesa entrando justamente nesse ativo alvo do processo, a Rota dos Cristais [a Vinci Highways, empresa francesa, venceu o leilão da concessão da BR-040/GO/MG, também conhecida como Rota dos Cristais, em setembro de 2024, e deve abrir praças de pedágio em breve].
No caso do edital da BR-364, houve reclamação da tarifa elevada de pedágio, pois uma carreta com duplo reboque pagará R$ 1 mil entre Porto Velho e Vilhena...
Conversamos com operadores logísticos. O volume de carga do agro para exportação em direção aos portos do Arco Norte que será transportado nessa rodovia é muito grande e tende a crescer ao longo dos anos. Os investimentos vão ser atendidos para não prejudicar o piso ao longo do tempo, por isso precisávamos reequilibrar a tarifa. Outro fator a favor do projeto é que essa rota é a que mais cresceu transportando cargas nos últimos anos – saímos de 2 milhões de toneladas de grãos por ano para 15 milhões de toneladas em 2024. A tarifa média não é uma conta fácil de fazer, porque não havia pedágio instalado. A carreta pesada, que é paga tarifa mais cara, é a que leva grãos para exportação via hidrovias.
O pedágio elevado pode inviabilizar o custo logístico de transportar os grãos para os portos do Arco Norte?
Mesmo com o pedágio, o custo logístico vai ser um terço menor do que descer a carga por outras rodovias até o porto de Santos – e ainda vai reduzir anda mais quando estivermos operando a Ferrogrão [projeto de estrada de ferro que liga as regiões produtoras de grãos do Mato Grosso aos portos do Arco Norte, no Pará]. Vai ter menos custo de acidente, menos risco. Isso vai passar, é só fazer a conta. O governo federal colocou R$ 4 bilhões em transporte em Rondônia nos últimos 20 anos, agora vamos colocar R$ 10 bilhões com essa licitação. Não tem como comparar.
“O custo logístico da BR-364 vai ser um terço menor do que descer a carga por outras rodovias até o porto de Santos”
O ministério também trabalha em outra frente, que é a repactuação de contratos existentes. A meta de fazer 14 repactuações até 2026 é viável?
Até o fim de maio, teremos três otimizações concluídas – isso é, após fechado o acordo, vamos realizar a licitação. Porque mesmo após a concessionária acertar a repactuação, terá de enfrentar a concorrência em leilão. Assim, a otimização da BR-163 (MS), operada pela MSVia, da CCR, aprovada pelo TCU em novembro com acréscimo de 10 anos de contrato e capex de R$ 9,3 bilhões, vai a leilão na B3 em 22 de maio. A repactuação da BR-101, entre Espírito Santo e Bahia, operada pela ECO 101, também tem leilão previsto para maio. Já o leilão da BR-101/RJ, a Autopista Fluminense, sob concessão da Arteris, que poderá ter seu contrato ampliado em cerca de 14 anos para implantar um novo programa de obras estimado em R$ 6 bilhões, deverá ocorrer em junho.
Sua pasta deve lançar em breve o Plano Nacional de Ferrovias, que visa a expandir a malha ferroviária do Brasil, com investimentos de R$ 100 bilhões e a concessão de grandes projetos à iniciativa privada. Como está o calendário?
Já temos duas audiências públicas para a Estrada de Ferro Vitória-Rio (EF-118), que ligará Cariacica (ES) a Nova Iguaçu (RJ) e se conectará à malha ferroviária da MRS, no Rio de Janeiro. Passada essa fase, o TCU deverá receber as sugestões para em seguida agendar o leilão, ainda este mês. Já a concessão à iniciativa privada da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico) e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) está passando por audiência pública. É prevista a implantação de cerca de 2,7 mil quilômetros de extensão de trilhos, atravessando os estados da Bahia, Tocantins, Goiás e Mato Grosso. As duas ferrovias serão interligadas à Ferrovia Norte-Sul e à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). O leilão está programado para março do ano que vem.
A situação da Malha Sul, com 7.223 quilômetros, que atravessa os estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já foi definida?
Ainda não, é a mais complexa. Criamos um grupo de trabalho para discutir com os governos estaduais qual o caminho: se fazemos renovação do contrato com a Rumo, se licitamos a malha ou se licitamos ela dividida. Devemos ter uma definição até o meio do ano. A Malha Oeste [ferrovia de 1.625 quilômetros, que liga São Paulo a Mato Grosso do Sul] está no TCU. É uma otimização igual às de rodovias, com negociação em aberto com a concessionária, Rumo.
E a Ferrrogrão, alguma expectativa de uma solução no curto prazo?
Mandamos todos os estudos atualizados para a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que deve preparar os documentos do edital para o TCU avaliar. Mas só poderemos publicar o edital depois que o STF decidir a questão do trecho do trajeto que passa no Parque Nacional de Jamanxim. Do nosso ponto de vista, resolvemos a questão, ao decidir pela construção da ferrovia na faixa de domínio do parque, ou seja, fora dos limites originais da reserva [que foram modificados por medida provisória em 2016]. Cabe ao STF decidir se formalmente nosso projeto remodelado, que passa ao lado da rodovia BR-163, no Pará, é suficiente – uma vez que já temos autorização para a rodovia, não seria necessário outro tipo de autorização para construir a ferrovia. Sobre o licenciamento ambiental, isso só será tratado após realizado o leilão.
O modelo de autorizações ferroviárias, que dispensa o processo de licitação tradicional, está avançando muito lentamente. O governo tem algum projeto para agilizar os projetos já aprovados?
Estamos acompanhando, já tivemos 44 contratos assinados por esse modelo de autorização ferroviária, mas poucos deles avançaram no sentido de fazer estudos ambientais, por exemplo. O problema é que, quando o modelo foi anunciado, muita gente tratou primeiro de garantir um determinado trecho, sem nem estudar direito a viabilidade. Só agora é que algumas empresas que tiveram contrato assinado estão se movimentando. Mas os projetos andando, com gente contratada, não passam de dez. É um modelo que exige capital intensivo, não gera retorno nos primeiros anos, com engenharia mais complicada.