Uma contradição envolvendo o Brasil marcou na quarta-feira, 13 de dezembro, o encerramento da Conferência do Clima da ONU (COP 28), realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o que ajudou a arranhar a imagem do País após várias controvérsias ao longo do evento.

Enquanto os 198 países participantes na COP28 aprovavam um documento histórico, no qual pela primeira vez citaram a expressão “combustíveis fósseis” na resolução final, apoiando a transição energética para fontes de energia limpa, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) dava início, no Rio de Janeiro, a um mega leilão de exploração de petróleo e gás, alvo de críticas ao longo da COP28.

Além de cinco blocos sob o regime de partilha do pré-sal com volumes estimados de 18 bilhões de barris de petróleo e gás, foram a leilão 600 blocos exploratórios de 33 setores, espalhados em 9 bacias sedimentares em vários pontos do país - incluindo 21 blocos na bacia do Rio Amazonas, que deverão impactar pelo menos 20 terras indígenas e 15 unidades de conservação.

O governo brasileiro, que já havia sido criticado por anunciar durante a COP28 a adesão à Opep+, grupo de países aliados produtores de petróleo, se defendeu alegando que o leilão da ANP foi agendado na gestão anterior, de Jair Bolsonaro.

Por outro lado, Rodolfo Saboia, diretor-geral da ANP, rebateu as críticas de manifestantes que protestavam do lado de fora do local do evento, chamado de “leilão do fim do mundo” por ONGs e ambientalistas.

“A contradição entre realizarmos um leilão no dia de hoje e votarmos na transição energética é apenas aparente”, assegurou Saboia.

Segundo ele, a eventual paralisação das atividades petrolíferas no Brasil não contribuiria com a redução da dependência de petróleo nem para a mitigação das mudanças climáticas. “Apenas nos tornaria mais dependentes de outros países”, acrescentou.

Bacia de Pelotas

A primeira parte do leilão, no período da manhã, no qual foram oferecidos 600 blocos exploratórios, incluiu ofertas nas bacias do Amazonas, Espírito Santo, Paraná, Potiguar, Recôncavo, Sergipe-Alagoas e Tucano.

O modelo adotado foi o de quem ofertou a maior outorga, levou o bloco. A Petrobras arrematou 29 blocos na Bacia de Pelotas, área marítima no Sul do Brasil, que a estatal brasileira pretende explorar como alternativa caso não consiga autorização para atuar na Margem Equatorial.

As áreas foram adquiridas por consórcios nos quais a Petrobras é a operadora. Em três blocos, o consórcio será formado pela Petrobras (operadora), com a britânica Shell e a chinesa Cnooc Petroleum. Nos demais, apenas Petrobras e Shell vão explorar.

No total, foram 48 áreas de pós-sal licitadas, gerando R$ 406 milhões em arrecadação de outorgas pelo governo brasileiro. A norte-americana Chevron levou outras 15 áreas na Bacia de Pelotas. Mais quatro blocos foram arrematados, pelas empresas Cnooc, Equinor e Karoon (que levou dois).

À tarde foram realizados leilões de cinco blocos de pré-sal nas Bacias de Campos e Santos. A BP Energy foi a única participante. A petroleira ofereceu 6,5% de excedente de óleo para a União (critério exigido) para arrematar o bloco Tupinambá, na Bacia de Santos. Os outros quatro blocos não receberam ofertas.

No total, nos dois certames, foram leiloados 192 blocos exploratórios em 8 bacias em mar e terra. Os bônus de assinatura atingiram R$ 421,7 milhões, um ágio de 179% em relação aos mínimos ofertados.

O investimento exploratório mínimo será de mais de R$ 2 bilhões. Ao todo, 17 empresas de 6 países fizeram ofertas, das quais 15 foram vencedoras.

Para Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o leilão foi positivo.

“A ANP leiloou áreas que estão começando a se desenvolver, como a Bacia de Pelotas, que teve a Petrobras como principal compradora”, diz ele, acrescentando que é essencial que a estatal continue sendo protagonista como produtora de petróleo.

Pires afirma que o momento de transição energética exige que o País acelere na realização de leilões de óleo e gás.

“Nos próximos anos, a tendência não é o petróleo desaparecer, mas perder importância na matriz mundial, daí a necessidade de acelerar a produção brasileira”, observa o especialista.

Passivo ambiental

Parte das críticas ao leilão da ANP a mando de ONGs e entidades ligadas à causa ambiental se deve ao uso da técnica de “fracking” (fraturamento hidráulico), em especial na Bacia do Amazonas.

Levantamento do Instituto Arayara identificou potenciais impactos em 33 unidades de conservação de várias regiões do País. O instituto entrou com cinco ações civis públicas pedindo a retirada de 77 blocos ofertados no leilão.

Em Dubai, mais de 150 organizações da sociedade civil brasileira divulgaram uma Carta Aberta citando os impactos negativos que a exploração de petróleo e gás na Amazônia terá para as comunidades atingidas e também para as metas climáticas.

Especialistas apontam que as novas áreas do leilão poderiam resultar em emissões superiores a um gigatonelada de carbono equivalente, anulando os ganhos climáticos previstos para a próxima década.

Além do leilão da ANP, outros episódios envolvendo o Brasil arranharam a imagem do País na COP28. O anúncio de adesão na Opep+ rendeu o “troféu” Fóssil do Dia, concedido à pior atuação climática diária na COP28.

As críticas ofuscaram os indicadores positivos que o País apresentou na COP28, como a redução do desmatamento em 22% no último ano e das emissões de gases do efeito estufa.

Com isso,  a imagem da participação brasileira ficou mais perto dos países que defendem os combustíveis fósseis do que os que lutam pela transição energética.

Documento histórico

A boa notícia do dia para a delegação brasileira foi o documento final, apoiando a transição energética dos combustíveis fósseis para fontes de energia mais limpas “de uma forma justa, ordenada e de forma equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir zero emissões líquidas até 2050 de acordo com a ciência”.

Embora a declaração final não fala em eliminar totalmente, ou mesmo gradualmente, o uso dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás), apontados como maiores responsáveis pelos gases de efeito estufa que causam as mudanças climáticas, foi a primeira vez em mais de 30 anos de COPs que o termo “combustíveis fósseis” fez parte do texto final.

O documento também estimula os países a “triplicar a capacidade de energia renovável a nível mundial e duplicar a média global da taxa anual de melhorias na eficiência energética até 2030”.

Por outro lado, uma questão-chave para a transição energética continuou em aberto após o fim da COP28: o custo para fazer essa transição, em especial nos países em desenvolvimento.

Um relatório da ONU de novembro indicou que as nações emergentes precisariam de até 18 vezes mais financiamento do que recebem atualmente para adaptar suas economias a fim de resistir aos impactos das mudanças climáticas.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o déficit anual de financiamento para adaptação é de até US$ 366 bilhões, em comparação com os US$ 25 bilhões fornecidos durante o período de 2017 a 2021.

Vale lembrar que os países desenvolvidos jamais cumpriram a promessa de destinar US$ 100 bilhões anuais para mitigação do aquecimento e adaptação das nações mais pobres à mudança do clima.